05 Outubro 2015
O tempo das intrigas palacianas não terminou. E o Papa se encontra num ninho de víboras. Isso é o que ficou claro no caso provocado nos EUA por ocasião do encontro de Francisco com a líder anti-gay Kim Davis e a reação – tardia – do Vaticano, que ontem, por ordem direta do mesmo Papa, desmentiu qualquer apoio à postura da senhora.
O comentário é de Elisabetta Piqué, jornalista argentina radicada em Roma, e publicado no jornal La Nación, 03-10-2015. A tradução é de IHU On-Line.
Se se analisa os fatos, nos damos conta de que o responsável pela saudação feita, fugazmente, pelo Papa a Davis, como o faz a outras dezenas de pessoas, na quinta-feira da semana passada, nos salões da nunciatura de Washington, não é outro que o dono da casa. Ou seja, o núncio (embaixador da Santa Sé) na capital dos EUA, Carlo Maria Viganó.
Viganó, um prelado conservador, italiano, convencido de que é preciso fazer uma ‘guerra de culturas’, participou numa marcha anti-gay em Washington, há alguns meses, segundo revelaram os jornais americanos. Ali, um dos principais oradores foi Matt Staver, o advogado de Kim Davis, que acordou com o núncio o encontro da sua cliente e do seu marido com o Papa para saudá-lo na nunciatura. Intencional ou não, foi uma armadilha virtual.
Thomas Rosica, padre canadense que é o porta-voz da Santa Sé para a imprensa de fala inglesa, ontem não somente ressaltou para os jornalista que o “Santo Padre seguramente sabia pouco ou nada” sobre Davis, salvo o seu nome e a hora das saudações. Também pôs em dúvida, como já fizera o comunicado do Vaticano, o relato dado pela mulher e por seu advogado, que disseram que tinham estado durante 15 minutos sozinhos com Francisco.
Ante a pergunta sobre quem decidiu convidar a controversa funcionária anti-gay, Rosica respondeu significativamente que “essa pergunta deveria ser feita na nunciatura”. Consultado posteriormente sobre o porquê o núncio convidou a mulher, Rosica respondeu: “Também esta pergunta deve ser feita na nunciatura”.
Segundo se sabe de fonte bem informadas, o episcopado americano havia desaconselhado a Viganó de convidar Kim Davis para ir à nunciatura.
Os bispos americanos estavam conscientes de que um encontro entre o Papa e a polêmica funcionária de Kentucky, símbolo da luta contra o casamento gay, iria ser usado politicamente. E que seguramente causaria problemas, como efetivamente ocorreu, tendo em conta o ambiente polarizado do país, que contrasta com a mensagem de Francisco em favor de uma Igreja que vai ao encontro dos feridos do mundo de hoje – entre eles os homossexuais – e o não julgar e condenar.
Como revelou a CNN, o único encontro privado que o Papa teve na nunciatura foi com um seu ex-aluno, Yayo Grassi, homossexual, a quem recebeu juntamente com o seu parceiro e outros familiares.
Por que o Papa diria “grato por sua coragem” e “seja forte” a Davis no seu fugaz encontro, segundo relatou Davis e seu advogado? Segundo entendidos, tratam-se de frases lógicas se a mulher foi apresentada ao Papa pelo próprio núncio, como “alguém que defende os valores cristãos e por isso foi parar na prisão”.
O nome de Viganó não é novo nas intrigas. Em 2011 fez estalar o Vatileaks (o escândalo da filtração de documentos reservados do escritório de Bento XVI). Agora, como alguns comentam nos corredores do Vaticano, se espera que Francisco “o mande como núncio na Sibéria”.
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