08 Setembro 2015
Quem quiser compreender a luta que já dura décadas entre católicos progressistas e o falecido Papa João Paulo II – que foi assessorado em sua renovação conservadora por seu braço direito teológico, o Cardeal Joseph Ratzinger, hoje Papa Emérito Bento XVI –, o melhor que tem a fazer é conhecer história do bispo francês Jacques Gaillot.
A reportagem é de David Gibson, publicada por Religion News Service, 02-03-2015. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Gaillot foi nomeado bispo da Diocese de Evreux, a oeste de Paris, em 1982, nos primeiros anos do pontificado de João Paulo II. Ele rapidamente veio a se tornar uma espécie de símbolo daquele tipo de bispo ativista social – e progressista teológico – que o papa polonês procuraria tirar de cena ou censurar.
Depois de anos de tensões com o Vaticano e com seus colegas bispos franceses, João Paulo, em 1995, retirou Gaillot – apelidado de Clérigo Vermelho – da Diocese de Evreux e, numa espécie de exílio, o nomeou chefe titular de Partênia, diocese extinta no deserto da moderna Argélia que não existe como uma verdadeira comunidade católica desde o século V.
Paradoxalmente, este exílio liberou Gaillot para continuar com o seu ativismo – e irritar Roma – já que ele se mudou para morar junto de posseiros em Paris e passou a defender uma série de causas na política e na Igreja.
Agora, em mais uma inacreditável virada no rumo dos eventos sob o pontificado atual, o Papa Francisco na terça-feira (1º de setembro) se encontrou em privado com Gaillot em sua residência no Vaticano.
“’Eu não quero pedir nada ao senhor’, falei para o papa, mas muitas pessoas entre os pobres estão felizes que eu esteja sendo recebido aqui. Elas estão se sentindo reconhecidas também”, contou Gaillot à agência noticiosa Agence France-Presse – AFP.
“Eu falei com ele sobre (...) os doentes, os divorciados, os gays. Essas pessoas estão contando com o senhor”, contou Gaillot à agência.
Gaillot, de 79 anos, disse ao papa que havia recentemente abençoado um casal divorciado assim como um casal homossexual.
“Eu visto roupas civis e simplesmente abençoo-os. Não se trata de um casamento, é apenas uma bênção”, disse Gaillot ao papa segundo uma reportagem da imprensa francesa traduzida e publicada em inglês no sítio do New Ways Ministry. “Temos o direito de dar a bênção de Deus, afinal de contas nós também abençoamos casas!”
“O papa escutou”, informou Gaillot. “Ele parecia aberto a tudo isso. Nesse momento em particular, o papa falou que abençoar as pessoas também envolve falar bem de Deus a elas”.
Segundo Gaillot, Francisco lhe disse: “Continue, o que você faz (pelos oprimidos) é bom”.
Francisco certamente pareceu compreender a importância deste encontro.
Gaillot disse que Francisco deixou duas mensagens em sua secretária eletrônica nos últimos meses antes de escrever-lhe convidando-o formalmente para vir ao Vaticano.
“Com um sorriso, o Papa declarou: ‘Estou falando com o bispo de Partênia’”, disse Gaillot. Segundo o bispo, tudo no encontro foi bastante informal.
“Eu estava em um dos quartos comuns da Casa Santa Marta (residência no Vaticano onde Francisco mora). Uma porta se abriu e o papa simplesmente entrou. Este nosso momento se realizou como se eu fosse da família, sem nenhum protocolo. Ele é, realmente, um homem livre. A certa altura, ele se levantou e disse: Tens um fotógrafo? Como eu não tenho isso e não havia ninguém por perto para tirar a foto, nós mesmos a tiramos com um telefone celular”.
O Vaticano não divulgou nenhum detalhe do encontro entre Gaillot e Francisco, momento que não estava incluído na lista oficial de audiências papais.
Com certeza, este encontro desencadeará uma nova rodada de especulação sobre o que ele sinaliza quanto às intenções de Francisco – uma mudança na política ou doutrina da Igreja, ou nada mais que um ato de bondade para com um rebelde já em idade de idade avançada.
No mais, o encontro parece apontar para aquele tipo de Igreja como uma “grande tenda”, em que se acomodam dentro dela as extremidades e o meio. No entanto, esta ideia em si é, frequentemente, vista como um sério perigo aos puristas doutrinais que floresceram sob os papados de João Paulo II e Bento XVI.
Ainda assim, é interessante notar uma série de convergências entre Gaillot e Francisco, especialmente em termos trabalho social para com os marginalizados:
• Em sua primeira mensagem de Páscoa, Gaillot escreveu: “Cristo morreu do lado de fora dos muros assim como nasceu no lado de fora dos muros. Se quisermos a ver a luz, o sol, da Páscoa, teremos de sair para fora dos muros”.
• No discurso aos seus colegas cardeais antes do Conclave de 2013, o Cardeal Jorge Mario Bergoglio denunciou o “narcisismo teológico” de uma Igreja trancada dentro de si mesma em vez de “ir até as periferias, não apenas geográficas, mas também as periferias existenciais: as do mistério do pecado, as da dor, as da injustiça, as da ignorância e da abstenção religiosa, as do pensamento, as de toda a miséria”.
• Gaillot também disse: “Eu não estou aqui para convencer os convencidos ou cuidar dos que estão bem. Estou aqui para apoiar os enfermos e lançar a mão aos perdidos. Devo ser bispo que permanece em sua catedral ou que ele vai às ruas?”
• Da mesma forma, Francisco escreveu: “Eu prefiro uma Igreja que está machucada, ferida e suja porque foi para as ruas, em vez de uma Igreja que não é saudável por ser confinada e por se apegar à própria segurança (...) Mais do que meu receio de extraviar-se, minha esperança é que nós sejamos movidos pelo medo de permanecer calados dentro de estruturas que nos dão uma falsa ideia de segurança, dentro das regras que fazem de nós duros juízes, dentro dos hábitos que nos fazem sentir a salvo, enquanto à nossa porta as pessoas estão famintas e Jesus não cansa de nos dizer ‘Deem vós mesmos de comer’ (Mc 6, 37)”.
Gaillot também se focou a ministrar aos desabrigados, acolhendo os gays e os divorciados, e pediu clemência para as mulheres que se submeteram ao aborto – ecoando o exemplo misericordioso que o Papa Francisco defendeu no início desta semana.
Francisco igualmente fez da prática de visitar os encarcerados uma peça central de seu ministério, e há relatos que dizem que na época quando Gaillot deixou a Diocese de Evreux ele já havia visitado mais prisões do que qualquer outro bispo na história francesa.
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Papa Francisco se encontra com “Bispo Vermelho”, bispo exilado pelo Papa João Paulo II - Instituto Humanitas Unisinos - IHU