03 Setembro 2015
"No mesmo momento em que o governo corta o orçamento das universidades públicas, ele direciona recursos de mesma monta para o FIES. Essa atitude é duplamente perversa, pois enfraquece e inviabiliza as universidades públicas, além de tirar, de grande parte dos jovens, a oportunidade do ensino gratuito e de qualidade. O ensino passa a ser uma mercadoria, e, como tal, gerido segundo a lógica do mercado" alerta Maria Teresa Franco Ribeiro, doutora em Economia e Professora da ADM/UBFA.
Eis o artigo.
A crise pela qual passam as universidades federais brasileiras neste momento já se anunciava há muito tempo. O que vemos hoje é apenas uma situação agravada pelos cortes realizados pelo governo para reduzir o “déficit fiscal”. As declarações das autoridades apresentam o déficit fiscal como um dado e sua redução como uma questão primordial para superação da crise. Mas como foi que esse déficit assumiu tal proporção? Essa é uma história que não interessa ao governo nem aos meios de comunicação esclarecer. A dívida pública é composta pelos empréstimos contraídos pelo Estado junto a instituições financeiras, públicas ou privadas, no mercado financeiro interno ou externo, bem como junto a empresas, organismos nacionais e internacionais, pessoas ou outros governos. Os Fundos de Investimento detêm, hoje, 18% da dívida e a outra parte, dados não disponibilizados pelo governo, beneficiam grandes investidores. Quem são esses investidores não sabemos . Por isso, a importância de se realizar uma auditoria da dívida para conhecermos os verdadeiros beneficiários dessa sangria sobre os ganhos dos que vivem do trabalho.
Nesse aspecto, a análise do prof. Francisco de Oliveira é bastante esclarecedora. Segundo o sociólogo, no então Estado do Bem Estar Social, acontecia uma partilha dos fundos públicos, uma parte ia para a reprodução da força de trabalho através de salário indireto (direitos como educação, saúde, habitação, salário desemprego etc.), e outra parte ao capital sob a forma de subsídio. O Estado liberal, entretanto, para reduzir o déficit crescente da dívida pública e manter o superávit primário, corta grande parte dos fundos públicos referentes aos direitos sociais e direciona-os quase que exclusivamente ao capital.
A partir dos anos 1970, inicia-se um momento de mudanças estruturais profundas no sistema capitalista mundial, marcadas pela fragmentação e dispersão da produção econômica, pela hegemonia do capital financeiro, pela flexibilização do processo de trabalho, acompanhado de sua consequente precarização, e pelo desemprego estrutural decorrente do processo de automação. Essas mudanças provocaram níveis elevados de exclusão social, econômica e política, bem como o aumento da violência urbana e no campo. A brutalidade desses efeitos assume maior veemência nos países dependentes e periféricos, como o Brasil.
A expansão do capital se dará, fundamentalmente, através da articulação espaço-temporal, na perspectiva do geógrafo David Harvey. Ou seja, na busca pelo lucro, o capital incorpora novos espaços geográficos em áreas com poucas pressões econômicas, como fragilidade na legislação ambiental, falta de organização social, bem como aplicação em investimentos de longo prazo, num esforço para postergar a crise. Esse movimento é percebido em todos os fluxos de capitais para a América Latina, a partir dos anos 1990, principalmente, com o processo de privatização iniciado no Governo FHC. Em um movimento sincrônico, aumentam também, nesse período, os conflitos socioambientais, tais como os provocados pelo ataque e pela expropriação de comunidades indígenas, quilombolas, ribeirinhas e camponesas.
Nessa fome insaciável de lucro, o capital se arvora também para novos setores, como a educação e a saúde. É no contexto desse processo que se tenta destruir as universidades públicas, não só em sua estrutura física, mas também no corpo de professores, estudantes e funcionários que ajudaram a construir esse patrimônio público. No mesmo momento em que o governo corta o orçamento das universidades públicas, ele direciona recursos de mesma monta para o FIES. Essa atitude é duplamente perversa, pois enfraquece e inviabiliza as universidades públicas, além de tirar, de grande parte dos jovens, a oportunidade do ensino gratuito e de qualidade. O ensino passa a ser uma mercadoria, e, como tal, gerido segundo a lógica do mercado.
O governo federal não repassou os recursos orçamentários previstos para as universidades federais, inviabilizando o funcionamento de todas elas. Hoje, grande parte dos serviços de suporte é realizado por terceirizados (precarizados) e, muitos, não estão recebendo seus salários, uma vez que as universidades não receberam os recursos previstos para tal. A UFBA, por exemplo, não está podendo honrar os compromissos com as empresas contratadas.
Convidamos todos a debater e participar dos atos em defesa do ensino público de qualidade e gratuito, e do fim da precarização do trabalho. Convidamos todos a nos unirmos, em defesa da UFBA e das demais universidades públicas, em defesa desse patrimônio público, garantindo espaços de esperança para as gerações atuais e futuras. Sem o domínio do conhecimento científico e tecnológico, sem a superação das desigualdades sociais e políticas, permaneceremos periféricos e dependentes, ou seja, não superaremos a condição de “colônia” do grande capital. Nossa luta é para resgatar a pátria roubada, pois estão roubando o nosso direito à educação, à saúde, à dignidade humana.
A nossa greve não é apenas por condições dignas de trabalho, mas, também, pela defesa das universidades públicas, pela defesa da democracia no país, essencialmente, nas instituições de ensino e pesquisa, para que elas possam refletir as necessidades concretas da maioria da sociedade brasileira.
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A Pátria roubada - Instituto Humanitas Unisinos - IHU