Por: Jonas | 25 Agosto 2015
Diante das “cruéis resistências” e das pressões cada vez mais potentes dos rigoristas, sofridas pelo Papa, a maioria silenciosa começa a se mobilizar para apoiar a “primavera” de Francisco. A iniciativa parte de um grupo de teólogos espanhóis, de reconhecido prestígio, que acaba de lançar uma campanha de coleta de assinaturas em apoio a uma eventual decisão do Sínodo de permitir o acesso à comunhão aos divorciados em segunda união.
Fonte: http://goo.gl/RpwAti |
A reportagem é de José Manuel Vidal, publicada por Religión Digital, 21-08-2015. A tradução é do Cepat.
A campanha em espanhol (a qual acompanharão outras em inglês, francês, alemão e italiano) se intitula ‘Carta ao Bispo de Roma’ e é assinada por 18 teólogos, um comunicador religioso e o bispo emérito de Palencia, Nicolás Castellanos. Entre os teólogos, assinam José Ignacio González Faus, Andrés Torres Queiruga, Luis González-Carvajal, Javier Vitoria, Lucía Ramón, Joaquín Perea e Ximo García Roca.
A petição, lançada através da plataforma Change.org, pede a todas as “pessoas de boa vontade”, especialmente aos fiéis católicos, que contribuam com sua assinatura “ao Papa da misericórdia e aos padres sinodais que queiram segui-lo neste caminho de uma ‘misericórdia exigente’”.
Os que assinam afirmam, na apresentação da campanha pela plataforma Change, que “os setores rigoristas pressionam cada vez mais o Sínodo e Roma”. Já na carta, destacam, concretamente, a coleta de quase meio milhão de assinaturas que pedem ao Papa que não permita a comunhão aos divorciados.
Para completar e não confrontar essa petição, os assinantes pedem totalmente o contrário e querem que seja ouvido “o clamor do Povo de Deus, até agora silencioso, sobre este assunto”.
Os teólogos afirmam, em seu escrito, que admitindo a comunhão aos divorciados, a Igreja é fiel ao espírito do Evangelho e não a sua letra. Como é fiel também ao dogma definido em Trento, bem interpretado.
Afirmam: “Em nossa opinião, a prudência pastoral não apenas permite, como também, hoje, reivindica uma mudança de postura”. E apresentam uma série de razões bíblicas e antropológicas para sustentar o seu pedido.
A primeira é que as palavras de Jesus “o que Deus uniu, o homem não separe” são “primariamente uma defesa da mulher abandonada”.
“No tempo de Jesus, não se conhecia a situação de um matrimônio que (talvez por culpa dos dois ou por uma incompatibilidade de personalidade, não descoberta antes) fracassasse em seu projeto de casal”, explicam os teólogos.
Além disso, seguindo o Evangelho de Mateus, “o decisivo não é cumprir a letra da Lei, mas, sim, seu espírito. E o espírito fundamental de toda a lei evangélica é a misericórdia: não uma misericórdia molenga, é claro, mas uma misericórdia exigente. Contudo, de maneira alguma, uma exigência imisericordiosa. Talvez, pois, tenham algo a nos dizer, aqui, aquelas palavras com as quais Jesus responde aos escândalos que sua conduta misericordiosa provoca: “aprendam, pois, o que significa ‘eu quero misericórdia e não o sacrifício’”... (Mt 9,13 e 12,7)”.
Por essa fidelidade ao espírito da Lei, a Igreja primitiva abandona a circuncisão “após fortes discussões e contra a opinião de alguns que acreditavam ser mais fiéis a Deus e, na realidade, buscavam sua própria segurança. Graças àquela decisão tão discutida, a Igreja não só foi fiel a Deus, como também abriu as portas à evangelização do mundo inteiro. E hoje aquela decisão pode nos parecer evidente, mas, naquele momento, para muitos resultou escandalosa”.
Também ponderam que a Igreja, segundo os Evangelhos, deve fugir de impor jugos, porque este é “um dos piores pecados que a Igreja pode cometer”. Nesse sentido, os que assinam a carta reconhecem que “é muito discutível que pessoas celibatárias possam compreender o que significa conviver, todos os dias, íntima e pacificamente com outra pessoa com a qual não se tem a menor sintonia. Assim como é discutível que pessoas celibatárias pudessem se privar de manter relações sexuais com uma pessoa com a qual convive, dia e noite, e a qual se ama”.
Atender ao espírito da Lei, não impor pesos e optar por uma “disciplina de misericórdia” não significa, como costumam criticar os rigoristas, “abrir as portas para um relaxamento moral, ou para que a Igreja aceite os mesmos critérios sobre o divórcio que nossa sociedade pagã”.
A disciplina da misericórdia que os teólogos recomendam “continua sendo uma disciplina a qual nem todos poderão acolher, pois exige arrependimento, reconhecimento de culpa e propósito firme de reparação. A questão da qual se trata é a de não deixar aqueles que fracassaram sozinhos e sem ajuda. Assim como Jesus, que comia com pecadores não porque fossem bons, mas para que pudessem ser”.
Por outra parte, como dizia Teresa de Ávila e como pratica e ensina a própria Igreja, “a participação na Eucaristia pode ser uma grande ajuda e uma força para viver evangelicamente. Tememos que privar dessa força aqueles que fracassaram em seu primeiro matrimônio, e que já fizeram penitência por esse fracasso, poderia acabar afastando-os da fé”.
Por último, argumentam que a Igreja não deve ter uma dupla vara de medir “para as infidelidades evangélicas que afetam o campo sexual e para as que afetam outros campos da moral”.
Destacam, concretamente, o direito à propriedade que, segundo a doutrina eclesial, “não é um direito absoluto”. E “esse ensinamento do destino primário dos bens da terra, tantas vezes recordado pelos últimos papas, não é cumprido por uma maioria de católicos, sem mostrar, além do mais, o mínimo arrependimento e vontade de reparação por causa disso”. E, no entanto, são aceitos para “receber os sacramentos que são negados para os outros casos de união fracassada”.
Em definitivo, “Deus não tem dois pesos e duas medidas” e, se é parcial com alguém, sempre é com os mais pobres, com as vítimas e com os transgressores, como ensinam as parábolas do fariseu e o publicano, do filho pródigo.
Por tudo isso, os teólogos concluem seu escrito animando o Papa a resistir os embates dos rigoristas. “Agradecemos muito pelos seus esforços, em meio a tão cruéis resistências, em dar à Igreja um rosto mais conforme ao Evangelho e ao qual Jesus merece”.
Lista completa dos que assinam a carta
Xavier Alegre Santamaría
José I. Calleja Saenz de Navarrete
Joan Carrera i Carrera
Lucía Ramón Carbonell
Nicolás Castellanos Franco
Maria Teresa Davila
Antonio Duato
Ximo García Roca
José Ignacio González Faus
Luis González-Carvajal Santabárbara
Mª. Terea Iribarren Echarri
Jesús Martínez Gordo
José Antonio Pagola
Joaquín Perea
Bernardo Pérez Andreo
Josep Mª Rambla Blanch
Andrés Torres Queiruga
José Manuel Vidal
Javier Vitoria Cormenzana
Josep Vives i Solé
Para assinar a petição, clique aqui.
Carta ao Bispo de Roma
Irmão Francisco, “Pedro entrevisto”,
estas linhas gostariam de completar, em outra perspectiva, o escrito de quase meio milhão de fiéis, no qual lhe pedem, com afinco, que “reafirme categoricamente o ensinamento da Igreja de que os católicos divorciados e em segunda união não podem receber a sagrada comunhão”. Por amor a Jesus, gostaríamos de lhe pedir, com igual desejo, para que todos nós sejamos fiéis ao Espírito do Evangelho, para além de supostas fidelidades à letra de alguns determinados ensinamentos da Igreja.
Falamos de suposta fidelidade não para julgar a intenção daqueles que lhe escreveram, mas porque, na realidade, o ensinamento da Igreja não é que esses divorciados em segunda união “não possam receber a sagrada comunhão”, mas que, segundo o Concílio de Trento, “a Igreja não erra quando lhes nega a comunhão”. Essa formulação, cuidadosamente escolhida naquele concílio, deixava aberta a possibilidade de que também não haja erro, nem infidelidade, na postura contrária, e que se trata mais de uma questão pastoral do que de uma questão dogmática.
Em nossa opinião, a prudência pastoral não apenas permite, como também, hoje, reivindica uma mudança de postura. Pelas seguintes razões:
1. Na Palestina do século I, as palavras de Jesus afetavam diretamente o marido que traía e abandonava sua mulher por gostar mais de outra, ou por motivos deste tipo: são primariamente uma defesa da mulher. Disto, sim, resulta inapelável a frase do Mestre: “o que Deus uniu, o homem não separe”.
No tempo de Jesus, não se conhecia a situação de um matrimônio que (talvez por culpa dos dois ou por uma incompatibilidade de personalidade, não descoberta antes) fracassasse em seu projeto de casal. Dada a situação da mulher em relação ao marido, na Palestina do século I, essa hipótese era impensável. E aplicar as palavras de Jesus a outra situação desconhecida em sua época, onde o que ocorre não é o abandono de uma parte, mas, sim, um fracasso dos dois, poderia equivaler a desfigurar essas palavras. Estaríamos, assim, manipulando Jesus em benefício da própria segurança dogmática, e colocando a letra que mata à frente do espírito que dá vida, contra o conselho paulino.
O Evangelho deve ser inculturado e quando não é inculturado, é traído. Os exemplos a seguir podem esclarecer isto um pouco mais.
2. O evangelista Mateus, que talvez seja o que mais fala de transgressões à Lei por parte de Jesus, é curiosamente o único que coloca em seus lábios a frase: “não pensem que vim abolir a Lei... Eu vim para cumpri-la até o último acento”. Permite-nos entender assim que, naquelas transgressões à letra, Jesus estava cumprindo a Lei até ao fundo, porque estava guardando seu espírito.
E o espírito fundamental de toda a lei evangélica é a misericórdia: não uma misericórdia molenga, é claro, mas uma misericórdia exigente. Contudo, de maneira alguma, uma exigência imisericordiosa. Talvez, pois, tenham algo que nos dizer, aqui, aquelas palavras com as quais Jesus responde aos escândalos que sua conduta misericordiosa provoca: “aprendam, pois, o que significa ‘eu quero misericórdia e não o sacrifício’... (Mt 9,13 e 12,7).
3. A Igreja primitiva oferece outro exemplo evidente dessa fidelidade ao espírito acima da letra, com o abandono da circuncisão. A circuncisão tinha algo de sagrado como símbolo expressivo da união entre Deus e seu povo; também poderia ter se valido dela a citada palavra de Jesus: “o que Deus uniu, o homem não separe”. No entanto, a Igreja abandonou essa prática após fortes discussões e contra a opinião de alguns que acreditavam ser mais fiéis a Deus e, na realidade, buscavam sua própria segurança. Graças àquela decisão tão discutida, a Igreja não só foi fiel a Deus, como também abriu as portas à evangelização do mundo inteiro. E hoje aquela decisão pode nos parecer evidente, mas, naquele momento, para muitos resultou escandalosa.
O próprio Pedro, em seu discurso em defesa daquela decisão, que hoje nos parece tão fiel ao Espírito de Jesus, falou em “não impor um jugo que nem nossos pais e nem nós somos capazes de suportar” (At 15, 10). Este é um dos maiores pecados que a Igreja pode cometer. E é muito discutível que pessoas celibatárias possam compreender o que significa conviver, todos os dias, íntima e pacificamente com outra pessoa com a qual não se tem a menor sintonia. Assim como é discutível que pessoas celibatárias pudessem se abster de manter relações sexuais com uma pessoa com a qual convive, dia e noite, e a qual se ama.
4. Tememos que os defensores do rigor pensem que implantar na Igreja uma “disciplina de misericórdia” equivaleria a abrir as portas para um relaxamento moral, ou para que a Igreja aceite os mesmos critérios sobre o divórcio que nossa sociedade pagã. Na realidade, não é assim: não se questiona, em absoluto, a indissolubilidade do matrimônio; e a disciplina de misericórdia continua sendo uma disciplina a qual nem todos poderão acolher, pois exige arrependimento, reconhecimento de culpa e propósito firme de reparação. A questão da qual se trata é a de não deixar aqueles que fracassaram sozinhos e sem ajuda. Assim como Jesus, que comia com pecadores não porque fossem bons, mas para que pudessem ser.
Teresa de Ávila, cujo (quinto) centenário estamos celebrando, recorda em sua autobiografia que quando se sentia pecadora ou infiel, algumas vezes, procurava se privar da oração, pois não se sentia digna dela. Até que descobriu que aquele remédio era pior que o seu mal. A própria Igreja sempre ensinou (e a prática confirma isso) que a participação na Eucaristia pode ser uma grande ajuda e uma força para viver evangelicamente. Tememos que privar dessa força aqueles que fracassaram em seu primeiro matrimônio, e que já fizeram penitência por esse fracasso, poderia acabar afastando-os da fé.
5. Finalmente, fica a pergunta se na Igreja deve haver uma dupla medida para as infidelidades ao Evangelho que afetam o campo sexual e para as que afetam outros campos da moral.
Por exemplo: a Igreja sempre ensinou que o único proprietário dos bens da terra é Deus e que nós, homens, somos apenas administradores daquilo que acreditamos possuir. Essa condição de administrador pede ao homem que coloque todos os bens que possui em quantidade a serviço dos que possuem menos: os pobres e os carentes de recursos.
Justamente por isso, a Igreja não reconhece um direito absoluto à propriedade privada, mas apenas na medida em que este seja um meio para satisfazer o direito primário e absoluto de todos os homens aos bens da terra. Esse ensinamento do destino primário dos bens da terra, tantas vezes recordado pelos últimos papas, não é cumprido por uma maioria de católicos, sem mostrar, além do mais, o mínimo arrependimento e vontade de reparação por causa disso.
Porque esse ensinamento da Igreja é também muito contrário à mentalidade deste mundo pagão. Não é uma flagrante injustiça que esses católicos sejam admitidos para receber os sacramentos que são negados para os outros casos de união fracassada, quando nestes haja um arrependimento e vontade de reparação que não se dão naqueles?
Deus não tem dois pesos e duas medidas, melhor ainda: sua parcialidade é sempre em favor dos mais pobres e das vítimas. Nas parábolas que do fariseu e o publicano ou do irmão mais velho do pródigo, que são contadas pelo Evangelho, Jesus esteve surpreendemente ao lado dos transgressores: porque aos que os acusavam, todas as obras boas que fizeram não haviam servido para ter um coração bom, mas, sim, para ter um coração duro.
Nada mais, irmão Pedro. Só queremos expor uma opinião. Agradecemos muito pelos seus esforços, em meio a tão cruéis resistências, em dar à Igreja um rosto mais conforme ao Evangelho e ao qual Jesus merece.
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Grupo de teólogos espanhóis lança uma campanha em apoio à comunhão aos divorciados - Instituto Humanitas Unisinos - IHU