20 Agosto 2015
Na semana passada, Andrzej Duda assumiu o poder como o novo presidente da Polônia, tendo concorrido como representante de um partido de direita que conta com uma história de belicosidade junto à Alemanha. Sob o lema: “O cão que não latiu”, talvez o mais intrigante do ponto de vista católico é que a sua eleição aconteceu com quase nenhuma referência ao que o papa poderia estar pensando.
Um silêncio assim seria inimaginável sob um dos dois pontífices anteriores: Bento e João Paulo II. O que pensavam estes pontífices, e como eles poderiam reagir aos novos desenvolvimentos, teria feito inevitavelmente parte dos debates.
A reportagem é de John L. Allen Jr., publicado pelo Crux, 15-08-2015. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Com Francisco, no entanto, isso não acontece.
O primeiro pontífice latino-americano da história tem uma preferência expressa pelas periferias do mundo. É revelador que, à parte de uma viagem de um dia ao Parlamento Europeu em Estrasburgo, em novembro passado, Francisco não fez uma única visita à Europa ocidental nestes 32 meses desde a sua eleição ao papado – um período que o levou duas vezes à América Latina, duas vezes à Ásia, duas vezes ao Oriente Médio e duas vezes à Europa oriental.
Uma outra maneira de um papa para projetar a sua visão de mundo é através da nomeação. No entanto, até este momento, além de uns poucos prelados vaticanos e italianos, Francisco nomeou apenas três novos cardeais europeus.
Na qualidade de primeiro papa eslavo, João Paulo II se interessava bastante em ver a Europa oriental e a Europa ocidental reunidas, “respirando com dois pulmões”. Na qualidade de intelectual ocidental, Bento XVI esteve, e continua estando, extremamente atento às tendências na cultura europeia.
Francisco traz um ponto de vista diferente; ele traz uma ótica em que, francamente, a Europa não está onde se encontra a ação.
Inevitavelmente, porém, tal negligência benigna apresenta riscos. Francisco repetidamente pediu à “comunidade internacional” para que agisse em vários assuntos, e embora nem sempre esteja totalmente claro o que ele tem em mente, inevitavelmente o que ele pensa inclui as principais nações europeias.
A Polônia é um caso interessante em que este “pontífice da periferia” pode acabar sentindo a necessidade de voltar a envolver o centro.
A vitória de Duda foi uma espécie de surpresa, e ela não teria acontecido sem o forte apoio católico. O próprio Duda é um crente devoto, que fez uma peregrinação ao Mosteiro de Jasna Gora, em Czestochowa, dois dias depois de sua vitória para confiar a sua presidência à Madona Negra, padroeira da Polônia.
Certamente, os seus instintos católicos não estão em dúvida.
No início de junho, Duda participava de uma missa ao ar livre em Varsóvia celebrada pelo Cardeal Kazimierz Nycz quando uma rajada de vento soprou uma hóstia consagrada que estava em cima do altar, levando-a ao chão. Duda entrou em ação, pegando com reverência a hóstia em suas mãos e devolvendo-a ao celebrante. Um vídeo que capturou o momento viralizou nos círculos católicos.
Politicamente, Duda e o seu partido “Lei e Justiça” são fortemente contrários ao aborto, à eutanásia e ao casamento gay, posturas que o papa certamente aprovaria.
No entanto, em termos de agenda social e política de Francisco, o novo regime da Polônia também apresenta alguns pontos de interrogação.
A imigração é uma dessas frentes. Apesar de que os membros do Lei e Justiça estejam sendo incisivos na defesa dos estimados 1,3 a 2 milhões de migrantes poloneses vivendo em outros países da União Europeia atualmente, eles estão mostrando menos entusiasmo em acolher imigrantes dentro de seu próprio território.
Quando a Polônia adotou uma lei de anistia para os imigrantes ilegais em 2012, membros do partido se posicionaram de forma ambivalente. Em geral, o partido sustenta um forte conceito de nacionalismo polonês, o qual, segundo os críticos, podeacabar em xenofobia.
O meio ambiente é outra área de conflito potencial.
Em sua recente carta encíclica Laudato Si’, Francisco pediu por limites rígidos no consumo de combustíveis fósseis. Não obstante, o Lei e Justiça prometeu endurecer a postura da Polônia em questões climáticas a fim de proteger a sua economia, que se baseia no carvão para cerca de 90% de seu fornecimento de eletricidade. Um representante do partido encarregado pela política energética disse recentemente: “A estratégia que estamos planejando rejeita o dogma da descarbonização”.
Numa época em que Francisco está apelando por uma maior integração dos povos, o Lei e Justiça está indo em sentido inverso; enquanto //medium.com/@_ihu/laudato-si-sobre-o-cuidado-da-casa-comum-d08ccd9d4dc7" target="_blank" data-mce-href="https://medium.com/@_ihu/laudato-si-sobre-o-cuidado-da-casa-comum-d08ccd9d4dc7">Francisco corre contra o comércio de armas, o Lei e Justiça quer aumentar os gastos militares da Polônia.
Poder-se-ia continuar com os exemplos, mas a questão é que, em pelo menos algumas áreas – e apesar de suas credenciais católicos indiscutíveis –, o novo governo polonês pode estar em rota de colisão com o papa.
Não se engane, a Polônia importa no mundo de hoje.
Sozinha na União Europeia, o país não sofreu recessão após a crise financeira de 2007. A sua economia cresceu 33% desde então, em comparação com os 2% da zona do euro. O país também se tornou um parceiro procurado em assuntos de política externa, entre outras coisas desempenhando um papel fundamental nas negociações diplomáticas em torno do envolvimento da Rússia na Ucrânia.
A Polônia é também uma potência católica mundial, com 37 milhões fiéis, um grande contingente de sacerdotes servindo no exterior e com o legado de João Paulo II para sustentá-la.
O país está pronto para as eleições parlamentares de outubro, que ajudarão a determinar até que ponto Duda terá condições de implementar a sua agenda. Além disso, o Papa Francisco viajará para a Polônia em 2016 para presidir a Jornada Mundial da Juventude, festival que São João Paulo II fundou e que se realizará em Cracóvia, cidade de origem do falecido pontífice.
Será interessante ver se Francisco assumirá um interesse na Polônia daqui para frente, e, em caso afirmativo, se terá sorte em sincronizar o novo governo hipercatólico com as suas próprias prioridades.
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O novo governo hipercatólico da Polônia está em rota de colisão com o papa? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU