Por: Cesar Sanson | 14 Agosto 2015
Fundador do Fórum Social Mundial, um dos idealizadores do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral, participou da elaboração da Lei da Ficha Limpa, entre tantas outras atividades. Este é Francisco Whitaker, ou simplesmente Chico Whitaker, que aos 84 encampa a bandeira contra a construção das usinas nucleares.
Segundo ele mesmo, o acidente nuclear de Fukushima em 2011 foi fundamental para que o engajamento nesta questão se desenvolvesse. A partir dali, com as articulações que já possuía de outros movimentos anteriores, Chico decidiu estudar e aprofundar leituras sobre a utilização das usinas nucleares. A gravidade envolvida em acidentes anteriores, como Three Mile Island (EUA- 1979) e Chernobil (URSS-1986), fez Chico pontuar que o risco envolvido neste tipo de empreendimento não justifica tal investimento: “É uma questão ética!” afirma o arquiteto em entrevista a Pedro Martins e publicada por Canal Ibase, 13-08-2015.
Com o ressurgimento do projeto nuclear no país em 2005, Chico destaca também o fato de o mesmo ser ultrapassado e datar da década de 1970, sem as adaptações de segurança que aconteceram após os demais acidentes citados. Por conta disso, no início deste ano, ele articulou uma carta com diversas assinaturas solicitando que o Ministro Joaquim Levy cortasse os investimentos do projeto nuclear, que estão na ordem de R$17 bilhões. Para se ter ideia, o ajuste fiscal proposto pelo governo cortou R$9,7 bilhões da educação. Em tom irônico, Chico aponta que seria muito mais proveitoso passar os investimentos do projeto nuclear para a educação.
Eis a entrevista.
Para começar, você poderia explicar um pouco sobre como é o projeto Nuclear Brasileiro e a questão de Angra 3?
A questão é a seguinte, todos os projetos de Angra são da década de 1970. Angra 2 foram os americanos que fizeram, Angra 1 os alemães, e é o mesmo projeto em Angra 3 com os alemães. Todos foram elaborados na década de 1970. Acontece que em 1979 houve o primeiro grande acidente nuclear conhecido. Foi nos Estados Unidos, em Three Mile Island, e depois houve o acidente em Chernobil e mais recentemente o de Fukushima. Então, quando esses projetos do Brasil foram elaborados, as normas de segurança eram anteriores a esses acidentes e a tudo que se aprendeu com eles. Principalmente no de Three Mile Island, se aprendeu que não existe usina nuclear segura. Sempre pode ocorrer acidentes, é só ter alguma falha de projeto, falha de equipamento ou falha humana. Ou se tiver mais azar ainda, um tsunami ou um terremoto também podem causar isso, mas aqui no Brasil não tem isso.
Acontece que se tiver qualquer falha dessa ordem e gerar um acidente severo, que leve ao derretimento do reator, seria uma catástrofe. E nos Estados Unidos se constatou que essa catástrofe é possível. E o que se precisa fazer é cercar o processo de cuidados e construir um edifício de contenção também em torno do reator para segurar toda e qualquer explosão. E a usina de Angra não tem nada disso, ela está como prevista em 1970. Em Fukushima também não tinha isso.
O projeto de Angra não foi em nada atualizado?
Nada! E o Othon (Luiz Pinheiro da Silva), presidente da Eletronuclear, se vangloria em dizer: “Nõ se preocupem, o projeto de Angra 3 é igualzinho ao de Angra 2.”. Como assim? Angra 2 também é de 1970 e não tem nenhuma dessas novas normas de segurança. No Japão e em Chernobil não fizeram as mesmas coisas e por isso é que explodiu. E ainda deu nuvem radiotiva, que aqui no nosso caso iria para São Paulo e Rio de Janeiro possivelmente. É uma catástrofe. Fora as milhares de pessoas que teriam de ser evacuadas, milhares de mortes. É um pesadelo.
Para se ter ideia, a Angra 1 é a famosa vaga-lume, porque ela acende e apaga. Vive dando defeito. O Pingueli Rosa (professor da UFRJ) quando falou de Angra 1 disse: “Nós brasileiros compramos um Fusca velho dos Estados Unidos.”. É uma usina totalmente ultrapassada, pequena e arriscada, tanto que vive dando problemas. Aí eles param. Mas parar uma usina nuclear é algo arriscado. Quando você para, você não apaga ela. Ela continua reagindo os átomos permanentemente, de maneira que é um risco permanente. Se ela ultrapassar uma certa temperatura, ela funde os metais que estão lá, transforma a água em hidrogênio e o hidrogênio explode. Então é um negócio terrível a existência de uma usina, pois mesmo parada, ela não está parada.
Qual a justificativa para se fazer um projeto nuclear no brasil? Há alguma necessidade?
Nenhuma! O nuclear foi uma onda num determinado momento no mundo, que começou com o discurso do uso pacífico desta energia, para dizer que não era só bomba. Dizia que podia ser utilizada para tratamento de doenças, energia elétrica etc. E o projeto foi comprado pelo Brasil. Mas não há necessidade disso aqui porque nós temos outras fontes. Tem a hidrelétrica, que não deve ser como estão fazendo também, mas também há a energia eólica e a solar. A energia nuclear fornece só 3% da energia do Brasil. Ou seja, é um custo enorme, para quase nada. Eles nem falam de se ter no Brasil o nível que se tem na França e no Japão, onde essa energia é mais de 40% do total. Eles já falam que ela tem de funcionar como uma espécie de apoio. Se as hidrelétricas pararem de funcionar, se faltar petróleo para as termoelétricas etc, o nuclear, que é um negócio mais permanente e garantido, não depende de temperatura nem de nada, vai garantir o fornecimento de energia nessas circunstâncias. Mas é um custo muito grande. Um custo não somente do equipamento, mas sobretudo do risco.
Numa audiência que participei, presidida pelo Collor, ele disse que nós devemos perguntar se podemos prescindir do projeto e eu disse: “Não, nós temos perguntar se devemos prescindir.”. Porque o problema que se coloca é ético. O nuclear não coloca um problema técnico nem econômico, é ético! O diretor da Agência de Energia nuclear da França falou no parlamento de lá: “Nós corremos risco de ocorrerem explosões nucleares aqui.”. Ele não falou que está tudo garantido, tudo seguro. O risco existe. O problema é esse: nós não temos o direito de jogar essa ameaça para a população.
Muitas vezes a defesa do projeto nuclear fala da questão estratégica, que seria importante para daqui a 30, 40 anos. Isso começou na década de 1970 e ainda não se justificou. Essa justificativa vale para frente?
Não. O estratégico anterior não era a questão elétrica, era a bomba. Esse que era o interesse dos militares quando começaram com isso. Na hora em que a bomba se tornou impraticável, por causa da Guerra Fria, testes, tratados etc, eles passaram da bomba para os submarinos militares. Tem um submarino atômico no Brasil. Aí, a justificativa deles é que se trata de uma tecnologia moderníssima que nós temos que poder dominar para não ficarmos para trás no mundo. É uma mentalidade geopolítica de termos o mesmo poder daqueles que podem nos destruir, que leva inclusive à necessidade de termos uma bomba própria para podermos usar como persuação. Quer dizer, não é uma bomba para usar, é só para amedrontar.
Fora isso, não tem nenhuma outra coisa. Tem os multiusos da nuclear para uso medicinal, mas isso demanda reatores menores. Não precisa ter essas usinas tipo Angra com reatores daquela potência.
O lobby nuclear das grandes empresas construtoras, que são francesas, russas, japonesas… Como eles não conseguem construir mais usina nenhuma nem na França, nem na Alemanha, nem nos Estados Unidos, nem no Japão, eles tem que vi para os países bobos pobres que acreditam que para entrar no clube das nações poderosas precisam por um lado ter a bomba e por outro a usina nuclear, e que isso seria uma tecnologia do futuro. É uma enganação total, no fundo, é um grande negócio.
E esse negócio levou à prisão do presidente da Eletronuclear pela Operação Lava-Jato, certo?
O problema é que agora com a Operação Lava-Jato acabou abrindo outro flanco, que é a razão pela qual eles insistem. O nuclear no Brasil ficou adormecido por 30 anos. Em 2005, se decidiu reativar programa nuclear e o Lula nomeou esse Othon como presidente da Eletronuclear, que fora criada em 1997. E trabalho do Othon de 2005 a 2009 foi de criar condições para que a Usina fosse construída. Em 2009, Lula decidiu retomar a construção. Mas para o azar dele, ele dependia do licenciamento da Comissão nacional de Energia Nuclear. E em 2007, os técnicos tinham feito um parecer dizendo que para reconstruir tinha de se refazer o projeto com novas normas posteriores a Three Mile Island e Chernobil. Ou faz isso, ou corremos um risco muito grande, diziam os técnicos. Acontece que a essa altura, o Othon já tinha seguramente se comprometido com todas as empreiteiras. E com o dinheiro que ele começou a receber, ele começou a articular.
Esse parecer foi assinado por equipe, portanto, visto e revisto. O Othon ficou tão furioso que articulou para anularem esse parecer. Eles então anularam e ignoraram o parecer, declarando-o sem efeito. Um crime total.
Terminada essa operação, foi licenciada e teve que abrir licitação. Aí, ele fez outro acerto com as empreiteiras, elas formaram um cartel e ele mudou os termos da concorrência. Foram introduzidas algumas condições que só poderiam ser atendidas pelo Cartel. Duas empreiteiras que estavam fora do cartel entraram com uma denúncia junto ao Tribunal de Contas da União (TCU). O TCU estudou e concluiu que a licitação tinha sido realmente direcionada. Em seguida, o conselheiro do TCU que devia apresentar o parecer anulando a licitação, misteriosamente mudou de posição e autorizou a mesma. Agora a Lava-Jato descobre que correu um milhão de reais nessa brincadeira. E quem recolheu esse um milhão foi o filho do presidente do TCU. Ele recebeu um milhão e já vinha recebendo R$50 mil por mês para manter as empreiteiras informadas do que vinha acontecendo no TCU.
Agora tem outro complicador. A montagem da parte eletromecânica da Usina é feita por uma empresa francesa chamada Areva, que por sua vez é herdeira Siemens alemã. Essa empresa acaba de declarar a poucos dias que ia parar a obra dela de montagem aqui porque não estava sendo paga pelo governo brasileiro. Ou seja tem falta de caixa. E tem mais, a Areva em si está sendo fechada na França, porque ela está com tantos problemas financeiros, porque as usinas estão cada vez mais caras. Ela tem uma em contrução na França, outra na Finlândia custando o dobro do que fora previsto e não consegue terminar essas usinas. Além disso, ela entrou em negócios escusos com mineração no Niger na África. Como era uma estatal, o governo francês acabou de decidir que ela será dividida em duas. A parte nuclear vai para a Eletricité de France (EDF) e a parte de mineração fica com o que resta da Areva, que vai ficar com o urânio até o retratamento de combustível. Então, essa empresa que ia montar Angra 3 aqui no Brasil está saindo do tabuleiro, além de não estar recebendo dinheiro porque o governo não vinha pagando.
A Eletronuclear agora está pedindo dinheiro para o BNDES. Só que o BNDES não vai poder dar dinheiro nesse quadro que está aí. O presidente preso, a Areva parada, como que o BNDES vai dar dinheiro, não há condição alguma. Então é possível que Angra 3 conheça mais um retardamento.
E para a população local, tem algum impacto a construção das usinas?
A construção tem no sentido de criar emprego para a construção civil, já que uma usina leva dez anos para construir. Mas é só isso, depois não. A usina em si, só gerará emprego na manutenção, mas que é um quadro reduzido e extremamente especializado. Tem mil operações que se faz numa usina, tem outros subprodutos, como enriquecimento de Urânio, mas o emprego não é significativo. Mas a prefeitura de Angra dos Reis recebe muito dinheiro por isso. A Eletronuclear faz escolas e outras coisas. Para se ter ideia os 3 prefeitos da Costa Verde (Paraty, Conceição de Angra e Ubatuba) estão articulados na defesa da Usina. Só o de Ubatuba tem dúvidas.
E os movimentos contra a construção usina são fortes?
Não. Existe a SAPE (Sociedade Angrense de Proteção Ambiental) que é bem antiga e surgiu se posicionando contra a usina, mas depois teve uma certa baixa. Agora está tentando se rearticular para essa luta.
Existe o argumento de que os acidentes são poucos e que por isso há pouco risco.
Tem um problema que um dos subprodutos automáticos de uma usina é o Plutônio. E ele leva 24 mil e cem anos para se diluir na natureza. Então, um dos grandes dramas é o lixo atômico, que é este Plutônio dentre outros. Então você tem que colocar isso em buracos profundos pela eternidade, pois 24 mil e cem anos é mais do que a história da humanidade. É só risco que temos, e para quê? Para produzir 3% do que utilizamos de energia.
Para fechar, você falou que se trata de uma questão ética. Do ponto de vista ético, por que não deve ter usina?
Eu chamaria de precaução. O direito de precaução em outras áreas como transgênicos colocam em discussão se tem ou não efeito. Mas a usina é muito mais violento. Um acidente de usina não tem nada a ver com um acidente de barragem ou mesmo outras coisas como transgênicos, porque esses se diluem no tempo. Já o acidente de usina é uma catástrofe. Ele dura por gerações, e depois fica toda uma área interditada. Em Chernobil tem um território do tamanho do Líbano interditado.
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Chico Whitaker fala dos riscos do Projeto Nuclear no Brasil - Instituto Humanitas Unisinos - IHU