Por: Jonas | 21 Julho 2015
“A selvageria da chantagem alemã acendeu muitos alarmes e despertou as consciências, ao mesmo tempo em que retirou a social-democracia de sua letargia. A crueldade e a ira foram tais que despojaram Berlim de uma vitória e fizeram do Eurogrupo um cenáculo penitente, um caixão da própria democracia, um clube incapaz de resolver os problemas inerentes a um país (Grécia) que soma somente 2% do PIB da região”, escreve o jornalista Eduardo Febbro, em artigo publicado por Página/12, 19-07-2015. A tradução é do Cepat.
Eis o artigo.
Para onde caminha a história? Bastaria, suavemente, retornar às páginas anteriores e se deter, por um momento, em um dia quente de novembro de 2011, em uma Atenas ainda sacudida pelas manifestações e a crise, para prever seu desenlace. Amanhã, completa-se exatamente uma semana que a troika (Banco Central Europeu, FMI, Comissão Europeia), em uma madrugada de 13 de julho, impôs a Grécia um dos planos de ajuste mais aterradores da história da construção europeia.
As condições são tais que esse acordo fez da Grécia uma colônia da Europa. Ao primeiro-ministro grego, Alexis Tsipras, não restou outra opção: aceitar a sentença de seus credores ou assumir a responsabilidade histórica da saída da Grécia da Zona do Euro. Quase quatro anos atrás, em outubro de 2011, a mesma troika havia submetido um plano de magnitudes extremas. Naquele tempo, o Syriza não estava no poder. Governava um “homem banco”, Lucas Papademos. Havia sido presidente do Banco Central grego, vice-presidente do Banco Central Europeu e membro da trilateral de Rockefeller (o núcleo que animou a globalização, a partir dos anos 1970). A Grécia, então, debatia se cedia aos delineamentos da troika ou rejeitava-os. Naqueles dias de novembro de 2011, o jornal Página/12 conversou com vários dirigentes políticos gregos que, depois, a partir da vitória do Syriza, em janeiro de 2015, seriam membros do Executivo de Alexis Tsipras. Dois deles, Panagiotis Lafazanis, ministro de Energia e Infraestrutura, e Costas Isychos, ministro delegado da Defesa, foram afastados de seus cargos pelo próprio Tsipras, pois se opuseram aos termos do último resgate grego.
As palavras ditas dessa vez ecoam como uma profecia. A propósito do plano de 2011, Panagiotis Lafazanis dizia: “O acordo ao qual se chegou para um novo resgate, no último dia 26 de outubro, em Bruxelas, foi um acordo neocolonial sobre a periferia da Europa. Isto nos conduz por um túnel sem luz. Este é o caminho que escolheram para a Grécia. O Fundo Monetário Internacional e a União Europeia estão roubando e destruindo a sociedade grega”. Costas Isychos analisava da seguinte forma um texto que era muito menos asfixiante que o de hoje: “A Grécia está sendo uma espécie de laboratório neoliberal no sul da Europa. Em resumo, a receita é comum em toda a Europa: Estados mais autoritários, mais selvagens, pacotes de austeridade que condenam ao desemprego e à fome grande parte dos povos. Estão nos condenando a uma vida que se parece muito mais à Europa do século XIX”.
Em novembro de 2011, também estava em Atenas o deputado alemão Michael Schlecht, responsável pelo grupo parlamentar do partido Die Linke. O debate era quase uma cópia do que ocorre hoje com o tema do ajuste e, principalmente, o da dívida grega como espantalho central. Michael Schlecht dizia: “Todos falam da dívida na Europa, mas ninguém diz nada sobre o país que ganha muito com essa dívida. E esse país é a Alemanha. A dívida dos países europeus é o resultado da política alemã no Velho Continente (...). No século passado, a Europa estava arrasada por tanques alemães. Agora está arrasada pela política de Angela Merkel”.
Para onde caminha a história? Parece já escrito nessas análises. Não são muito diferentes das que são lidas nestas semanas, tanto é que uma das cláusulas do acordo, do dia 13 de julho, equivale a colocar a democracia grega sob tutela. Por exemplo, o pacto diz que a Grécia se compromete a “consultar as instituições (ou seja, os credores) e regulamentar com estas qualquer projeto legislativo antes de submetê-lo a consulta pública ou ao parlamento”. E tem mais, e pior. Em outro parágrafo está especificado que o acordo é pura e simplesmente retroativo. Tsipras, em suma, comprometeu-se a anular algumas das decisões que tomou quando chegou ao poder, porque estas “constituem um retrocesso em relação aos compromissos assumidos no programa precedente”. Mesmo assim, os credores podem “cortar” o orçamento se este exceder os limites negociados.
Na realidade, tanto na esquerda, como na direita, a incredulidade é o sentimento mais generalizado. Tanto aqueles que têm fobia à construção europeia, como aqueles que só fazem juras por ela, compartilham o assombro e até certo temor. O que Alexis Tsipras assinou é a negação pontual de seu programa contra a austeridade, ao que se acrescenta uma entrega da soberania nacional. Terá que pedir permissão aos credores antes de dar o mínimo passo.
O economista Daniel Cohen comentou no vespertino Le Monde: “Pelo grau em que um Estado foi posto sob a tutela, trata-se de um acordo totalmente inédito, algo nunca visto desde o fim dos impérios coloniais. Estou assombrado pelas condições impostas, em particular com as disposições que privam, de fato, o Parlamento grego de qualquer poder de decisão nos próximos meses”. O exercício pleno da democracia e a pertença ao euro parecem a seguir incompatíveis. Há, além disso, uma grosseira visão dominadora do Norte sobre o Sul, como se a racionalidade do Norte fosse uma espécie de pai de uma criança indisciplinada, ou seja, o Sul. A virtude se premia, o contrário é uma condenação. Houve, é certo, um contrapeso comprovado, a França e, através de seu presidente, François Hollande, a social-democracia. Sem ela, com o rolo conservador do ministro alemão de Finanças, Wolfgang Schäuble, e de seus aliados no Eurogrupo, Atenas estaria fora do euro. A Alemanha decapitou as aspirações e sonhos da esquerda radical europeia.
As disposições do pacto com a Grécia são drásticas, sem dúvidas, mas desse fim de semana de negociações, no qual a Grécia cedeu sua soberania em troca de permanecer no euro, desprende-se fortemente uma fronteira entre o liberalismo puro e excludente e a social-democracia. Talvez a história trasfegue seu rumo escrito nas trincas desse antagonismo. A selvageria da chantagem alemã acendeu muitos alarmes e despertou as consciências, ao mesmo tempo em que retirou a social-democracia de sua letargia. A crueldade e a ira foram tais que despojaram Berlim de uma vitória e fizeram do Eurogrupo um cenáculo penitente, um caixão da própria democracia, um clube incapaz de resolver os problemas inerentes a um país que soma somente 2% do PIB da região. No entanto, esses comedidos 2% foram objeto de uma batalha feroz entre duas visões muito diferentes de Europa, entre duas formas de responder a essa pergunta, para onde caminha a história? Nada acabou. Tudo demonstra que esse futuro da história será disputado ali onde nasceu a história e a ideia democrática. A Grécia é o menor e mais decisivo campo de batalha.
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Grécia. Caminho para se tornar uma colônia europeia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU