Por: André | 14 Julho 2015
Santo Tomás de Aquino em sua Summa Theologie fez o primeiro compêndio da doutrina católica na qual tratou de 495 questões divididas em artigos; depois, na Suma contra os gentios, compendia a apologia filosófica da fé católica, que consta de mais de 400 capítulos agrupados em quatro livros, que foram redigidos a pedido de Raimundo de Peñafort.
A reportagem é de Roberto Alifano e publicada por Religión Digital, 11-07-2015. A tradução é de André Langer.
Santo Tomás foi também muito popular por sua aceitação e comentários das obras de Aristóteles, assinalando, pela primeira vez na história, que elas eram compatíveis com a fé católica. Deve-se a Santo Tomás um resgate e reinterpretação da “metafísica” e uma obra de teologia ainda sem comparação.
Entre seus companheiros estava Buenaventura de Fidanza, com quem manteve uma singular relação de amizade, embora também certa polêmica intelectual. Antes que o “bom boi” acabasse os estudos, Alberto Magno, surpreso com a capacidade intelectual de seu aluno napolitano, encarregou-lhe um Ato escolástico, e aos seus fortíssimos argumentos o aluno respondeu com perfeita distinção, desfazendo o discurso do Doutor alemão, o qual disse à assembleia: vocês chamam a este de Boi mudo, mas eu garanto a vocês que este Boi dará mugidos tão fortes com seu saber que ressoarão pelo mundo inteiro.
Algo similar está se dando em nossos complexos tempos com o jesuíta Jorge Bergoglio, que, convertido em Papa Francisco, está sacudindo o mundo com seu necessário impulso revolucionário, que cada vez se afiança mais em seus discursos ecumênicos, a ponto de ser considerado populista e até marxista por setores ultraconservadores.
Sem dúvida, aquele discurso que fez na Bolívia é o discurso de mais forte conteúdo político e social de seu pontificado. “O futuro da humanidade não está exclusivamente nas mãos dos grandes dirigentes, das grandes potências e das elites. Está fundamentalmente nas mãos dos povos”, clamou no encerramento do II Encontro Mundial dos Movimentos Populares.
O Pontífice falou em Santa Cruz de la Sierra, a cidade mais importante deste país que abriga 10 milhões de habitantes, e considerado um dos países mais pobres da América Latina. Ele o fez em um dia marcado pela polêmica provocada por um crucifixo talhado em madeira na forma de uma foice e um martelo, um presente de Evo Morales ao Papa Francisco.
Nesse discurso, Francisco voltou a falar de um mundo mergulhado naquilo que ele chama de “terceira guerra mundial em capítulos”. Na denúncia menciona “um fio invisível que une cada uma das exclusões: um sistema que impôs a lógica do lucro a todo o custo”. De acordo com suas palavras, “este sistema é insuportável: não o suportam os camponeses, não o suportam os trabalhadores, não o suportam as comunidades, não o suportam os povos”, afirmou. “E nem sequer o suporta a Terra, a irmã Mãe Terra”, como a chamou em sua recente encíclica.
Esclareceu, em seguida, que não estava falando apenas de problemas da América Latina, mas de toda a humanidade. “Está-se a castigar a terra, os povos e as pessoas de forma quase selvagem”.
O primeiro Encontro Mundial dos Movimentos Populares aconteceu em outubro do ano passado no Vaticano, por iniciativa de Francisco. Como recordou o próprio Papa em seu longo e intenso discurso, que durou mais de uma hora, voltou a reclamar pelos “3T”: terra, teto e trabalho para todos.
“Disse-o e repito: são direitos sagrados. Vale a pena, vale a pena lutar por eles. Que o clamor dos excluídos seja ouvido na América Latina e em toda a terra”, concluiu, provocando o aplauso unânime dos participantes. Entre as pessoas que o ovacionaram estava não apenas o presidente Evo Morales – que fez um discurso de meia hora antes dele, no qual reivindicou seu passado de luta contra “o imperialismo castrador” –, mas também papeleiros, indígenas com o rosto pintado, operários com capacetes e membros e dirigentes de movimentos de todo o mundo, como o advogado argentino Juan Grabois, próximo a Bergoglio.
O Papa prosseguiu elogiando os movimentos populares, que definiu como “poetas sociais” e comprometeu-os para impulsionar a mudança. “Vocês, os mais humildes, os explorados, os pobres e excluídos, podem e fazem muito. Atrevo-me a dizer que o futuro da humanidade está, em grande medida, nas mãos de vocês, na sua capacidade de se organizar e promover alternativas criativas na busca diária dos ‘3 T’ (trabalho, teto, terra), e também na sua participação como protagonistas nos grandes processos de mudança nacionais, regionais e mundiais. Não se acanhem!”, encorajou-os com as mãos para cima. Acrescentou depois que nem o Papa nem a Igreja têm “uma receita para resolver os graves problemas deste mundo”. Mas propôs três tarefas: colocar a economia a serviço dos povos; unir os povos no caminho da paz e da justiça; e defender a Mãe Terra.
Ao denunciar o atual sistema, convocou para dizer “não a uma economia de exclusão e desigualdade” e assegurou que “o problema é um sistema que segue negando a milhares de milhões de irmãos os mais elementares direitos econômicos, sociais e culturais”. Denunciou, além disso, que este sistema “atenta contra o projeto de Jesus, já que o destino universal dos bens não é um adorno discursivo da Doutrina Social da Igreja, mas uma realidade anterior à propriedade privada”.
Por outro lado – enfatizou –, “a propriedade, sobretudo quando afeta os recursos naturais, deve estar sempre em função das necessidades dos povos”. Ao falar da necessidade de unidade, destacou que “nos últimos anos, depois de tantos mal-entendidos, muitos países latino-americanos viram crescer a fraternidade entre os seus povos. Os governos da região juntaram seus esforços para fazer respeitar a sua soberania, a de cada país e a da região como um todo que, de forma muito bonita como faziam os nossos antepassados, chamam-na de a ‘Pátria Grande’”, acrescentou.
Depois chamou a atenção para o fato de que “subsistem fatores que atentam contra este desenvolvimento humano equitativo e restringem a soberania dos países da ‘Pátria Grande’ e de outras latitudes do Planeta”. E arremeteu com força contra o “novo colonialismo que se esconde por trás do poder anônimo do ídolo dinheiro”, ou “sob a nobre roupagem da luta contra a corrupção, o narcotráfico ou o terrorismo – graves males dos nossos tempos que requerem uma ação internacional coordenada – vemos que se impõem aos Estados medidas que pouco tem a ver com a resolução de tais problemáticas e muitas vezes tornam as coisas piores”.
Somou a estes conceitos “a concentração monopolista dos meios de comunicação social, que pretende impor padrões alienantes de consumo e certa uniformidade cultural é outra das formas adotadas pelo novo colonialismo. É o colonialismo ideológico”.
Também se deteve “nos graves problemas da humanidade que não podem ser resolvidos sem a interação entre os Estados e os povos em nível internacional” e destacou que “essa interação não é sinônimo de imposição”. No parágrafo seguinte fez um mea culpa “não apenas pelas ofensas da própria Igreja, mas também pelos crimes contra os povos nativos durante a chamada conquista da América”.
Com este discurso revolucionário, de tom muito mais forte do que se esperava, Francisco encerrou outra intensa jornada, marcada por uma cidade que parou para vê-lo passar de papamóvel, pedir uma bênção ou simplesmente para lhe gritar: “Papa, te queremos!”
Dizia Gilbert Keith Chesterton que os milagres acontecem todo o tempo, mas a nossa desatenção faz com que não cheguemos a percebê-los. Francisco é um milagre que está se revelando em nosso tempo. Reconhecê-lo é, talvez, o nosso dever de bons católicos.
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Francisco na Pátria Grande ou uma encíclica abreviada - Instituto Humanitas Unisinos - IHU