13 Julho 2015
Enquanto o Papa Francisco leva à América Latina uma mensagem e um testemunho que entrelaçam fervor de caridade e reminiscências de bolivarianismo, a decisão da Guatemala de não processar o ex-presidente Efrain Rios Montt, acusado de crimes contra a humanidade e de genocídio, testemunha reticências e constrangimentos persistentes de um continente inteiro na hora de fazer as contas com o próprio passado.
A reportagem é de Giampiero Gramaglia, publicada no jornal Il Fatto Quotidiano, 09-07-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Montt, 89 anos, foi declarado "incapaz" de enfrentar o processo, por causa da deterioração das suas faculdades mentais. O ex-presidente, protagonista uma das épocas mais sombrias da América Central, quando regimes despóticos e "esquadrões da morte" eram os senhores, devia aparecer de novo perante os tribunais no dia 23 de julho.
Em um primeiro processo, em maio de 2013, Montt havia sido condenado a 80 anos de prisão, especialmente pelo seu envolvimento no massacre de populações indígenas entre 1982 e 1983, quando ele estava no poder. Posteriormente, a Corte Constitucional anulou o veredito e ordenou um novo julgamento. Para impedi-lo, a defesa pediu e obteve uma avaliação das condições do acusado.
Segundo um relatório da ONU, 200 mil pessoas morreram ou desapareceram durante o conflito que ensanguentou a Guatemala de 1960 a 1996: muitos civis foram mortos por soldados no âmbito de operações contra aqueles que se rebelavam ou simplesmente se opunham ao regime.
As dificuldades para conviver com o próprio passado, que alguns grandes países da América Latina parecem ter superado melhor do que outros, como o Brasil, a Argentina, o Chile, através de compromissos e talvez sufocando o anseio de justiça das vítimas, também envolve a Igreja.
No "continente da esperança", como disse Paulo VI em visita a Bogotá em 1968, e como recentemente repetiu o secretário de Estado, Pietro Parolin, mo continente que produziu o primeiro papa que veio "quase do fim do mundo", a opção pelos pobres que Francisco prega nem sempre foi praticada pela Igreja: não faltam exemplos de escolhas de campo em favor de ricos e latifundiários.
Durante décadas, por exemplo, em El Salvador, inúmeros bispos e padres se opuseram ao início do processo de beatificação de Óscar Arnulfo Romero. Proclamado bem-aventurado só no dia 23 de maio passado, 35 anos depois de ter sido morto enquanto celebrava a missa na igreja de San Salvador, por ter denunciado as violações dos direitos humanos por parte da ditadura militar que liderava o país.
O jesuíta Juan Carlos Scannone, filósofo e teólogo argentino, que foi professor de Bergoglio e que o conhece desde o fim dos anos 1950, explica que Francisco é um papa, inquestionavelmente, alinhado "com a opção preferencial pelos pobres" e pelos deserdados: uma opção repetidamente reiterada e relembrada também nesta viagem, que o está levando do Equador à Bolívia, aonde chegou nessa sexta-feira, precedido pela "promessa" de mascar uma folha de coca, e, como última etapa, no Paraguai.
Pouco depois da sua eleição, ele estivera no Brasil para uma Jornada Mundial da Juventude, convocada, no entanto, pelo seu antecessor Bento XVI. Surpreendentemente, a Argentina, por enquanto, continua fora dos percursos do Papa Francisco: um nervo descoberto, talvez, são as relações com a presidente Cristina Kirchner, nunca excelentes.
Mas o Equador ainda muito pobre, a Bolívia chavista de Evo Morales, depois de ter sido durante décadas um dos regimes mais repressivos do continente, o Paraguai que saiu há muito tempo de uma ditadura decenal oferecem, para a pregação de Bergoglio, intuições diferentes, desde o elogio da independência ao apelo, lançado antes de deixar Quito para El Alto, para que os povos latino-americanos deixem "na dolorosa recordação qualquer tipo de repressão, de controle desmedido e de perda de liberdades".
Para o papa, na América do Sul mais do que em qualquer outro lugar, a sociedade enfrenta desafios "que requerem a participação de todos os atores sociais": "A migração, o consumismo, a crise da família, os bolsões de pobreza produzem incerteza", assim como "as tensões que constituem uma ameaça para a convivência social". Francisco avisa que "as normas e as leis, assim como os projetos da sociedade civil, devem buscar a inclusão, abrir espaços de diálogo".
Lições universais, que o pontífice transmite com uma familiaridade superior à habitual, favorecido também pelo fato de se comunicar na própria língua. A acolhida no Equador e na Bolívia foi entusiástica. O Paraguai não promete menos calor.
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Francisco: mensagem antiglobalização na terra dos generais - Instituto Humanitas Unisinos - IHU