17 Junho 2015
Zygmunt Bauman, hoje um dos pensadores mais influentes do mundo, foi por várias vezes exilado. Pela primeira vez, quando em 1939, jovem hebreu, escapou da Polônia para a Rússia, em condições semelhantes às dos prófugos que, escapados das guerras e na travessia do Mediterrâneo, são neste momento objeto mais dos nossos medos do que de nossa solidariedade.
A entrevista é de Wlodek Goldkorn, publicada pelo jornal La Repubblica, 15-06-2015. A tradução é de Benno Dischinger.
E a dialética da integração e expulsão dos grupos sociais nos tempos da modernidade é um dos temas que mais tem aprofundado em suas obras. Com Bauman temos falado daquilo que em torno da questão dos prófugos sucede nestes dias na Itália, entre uma direta racista e uma esquerda que tenta enfrentar os medos de uma parte da população. Parece que não estamos em condições de fazer frente à questão dos imigrantes.
“O volume e a velocidade da atual onda migratória é uma novidade e um fenômeno sem precedentes. Não existe motivo para espantar-nos que tenha encontrado os políticos e os cidadãos despreparados: materialmente e espiritualmente. A vista de milhares de pessoas desenraizadas acampadas nas estações provoca um choque moral e uma sensação de alarme e angústia, como sempre acontece nas situações nas quais temos a impressão de que “as coisas fogem do nosso controle”. Mas, olhando bem os modelos sociais e políticos com os quais se responde atualmente às situações de “crise”, na atual “emergência imigrantes”, há poucas novidades. Desde o início da modernidade fugitivos da brutalidade das guerras e dos despotismos, da vida sem esperança, tem batido às nossas portas. Para as pessoas do lado de cá da porta, estas pessoas são sempre “estranhos”, “outros”.”
Eis a entrevista.
Portanto temos medo. Por qual motivo?
“Porque parecem espantosamente imprevisíveis nos seus comportamentos, diversamente das pessoas com as quais lidamos na nossa cotidianidade e dos quais sabemos o que esperar. Os estrangeiros poderiam destruir as coisas que nos agradam e colocar em risco os nossos modos de vida. Dos estrangeiros sabemos demasiado pouco para estarmos em condições de ler os seus modos de comporta-se, de adivinhar quais são as suas intenções e o que farão amanhã. Nossa ignorância sobre o que fazer numa situação que não controlamos é o maior motivo do nosso medo”.
São portadores de doenças? E as doenças são metáforas do nosso mal-estar social?
“Em tempos de acentuada falta de certeza existencial, de crescente precarização, num mundo tomado pela desregulação, os novos imigrantes são percebidos como mensageiros de más notícias. Eles nos recordam quanto teríamos preferido remover: eles nos tornam presente o quanto forças poderosas, globais, distantes daquilo que temos ouvido falar, mas que permanecem para nós inefáveis, mas que permanecem para nós inefáveis, quanto estas forças misteriosas estejam em condições de determinar as nossas vidas, sem preocupar-se e até ignorando as nossas escolhas autônomas. Ora, os novos nômades, os imigrantes, vítimas colaterais destas forças, por uma espécie de lógica perversa acabam, ao invés, sendo percebidos como as vanguardas de um exército hostil, tropas a serviço das forças misteriosas precisamente que estão plantando suas tendas em meio a nós. Os migrantes nos recordam, num modo irritante, quanto seja frágil o nosso bem-estar, ganho, me parece, com um duro trabalho. E, para responder à questão do bode expiatório: é um hábito, um uso humano, demasiado humano, acusar e punir o mensageiro pela dura e odiosa mensagem da qual é portador. Desviamos nossa raiva antes elusivas e distantes forças de globalização com sujeitos, por assim dizer “substitutos”, para os imigrantes, precisamente”.
Está falando do mecanismo graças ao qual crescem os consensos das forças políticas racistas e xenófobas?
“Há partidos habituados a conquistar o seu capital de votos opondo-se à “redistribuição das dificuldades” (ou das vantagens), ou seja, recusando-se a compartilhar o bem-estar dos seus eleitores com a parte menos afortunada da nação, do país, do continente (por exemplo Liga Norte). Trata-se de uma tendência vislumbrada, ou melhor, preanunciada há muito tempo com a recusa de compartilhar o bem-estar dos lombardos com as partes menos afortunadas do país. Na luz desta tradição era de todo previsível o apelo de Matteo Salvini e de Roberto Maroni, aos síndicos da Liga de seguirem as indicações de seu partido e não aceitar os imigrantes na sua cidade, como era previsível a solicitação de Luca Zaia de expulsar os novos chegados da região Vêneto”.
Certa vez, na Europa, era a esquerda que integrava os imigrantes, através das organizações sobre o território, dos sindicatos, do trabalho político... “Entrementes não existem mais os quarteirões dos operários, faltam as instituições e as formas de agregação dos trabalhadores. Mas, sobretudo a esquerda, a herdeira oficial daquela que era a esquerda, no seu programa, pisca à direita com uma promessa: faremos aquilo que vocês fazem, mas melhor. Todas estas reações estão longe das verdadeiras causas da tragédia da qual somos testemunhos. Estou falando, de fato, de uma retórica que não nos ajuda a evitar de mergulhar-nos sempre mais profundamente nas túrbidas águas da indiferença e da falta da humanidade. Tudo isto é o contrário do imperativo kantiano de não fazer ao outro o que não queremos seja feito a nós”.
E então, o que fazer?
“Somos chamados a unir e não dividir. Qualquer que seja o preço da solidariedade com as vítimas colaterais e dirigidas pela força da globalização, que reinam segundo o princípio Divide et Impera, seja qual for o preço dos sacrifícios que deveremos pagar de imediato, a longo termo, a solidariedade permanece como a única via possível para dar uma forma realista à esperança de bloquear futuros desastres e de não piorar a catástrofe em andamento”.
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“Somos obstáculos do nosso bem-estar e por isso os migrantes nos dão medo”, diz Zygmunt Bauman - Instituto Humanitas Unisinos - IHU