12 Junho 2015
Amigos católicos, não tenham medo daquele "monstro terrível chamado gênero": ele simplesmente ajudará a compreender melhor as relações sociais de que todos somos protagonistas e a relativizar muitos julgamentos que, às vezes, sob a aparência de caridade e de "correção fraterna", podem ser realmente destrutivos.
A opinião é da historiadora francesa Véronique Beaulande, professora da Universidade de Reims, em artigo publicado no sítio do Comité de la Jupe, 03-06-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Por duas vezes eu já ouvi falar, na missa, em uma homilia e em uma prece universal, de uma certa "teoria de gênero" difundida nesses últimos tempos na França. Não posso esconder a vocês que, em ambas as ocasiões, eu dei um pulo, certamente de maneira bem pouco discreta, e de novo prometi a mim mesma que iria protestar.
A expressão também tinha sido utilizada, eu soube depois, em algumas respostas ao questionário que precedeu o Sínodo sobre a família; também naquele dia eu havia protestado. Depois de ter protestado inutilmente no vazio, pensei em escrever este texto para pedir a vocês, amigos católicos, que parem de usar essa expressão que – me desculpem – não significa absolutamente nada.
Não existe uma "teoria de gênero", não existe nem mesmo uma "ideologia de gênero", expressão que tende a substituir a primeira na retórica "antigênero" muitas vezes brandida por alguns. Existe um conceito científico, o "gênero" (gender, em inglês).
O gênero não é uma elucubração de militantes que querem destruir a diferença sexual interna à humanidade, como alguns parecem acreditar. O termo "gênero" nasceu no campo das ciências humanas e sociais – sociologia, história, filosofia – em que foi usado, por algumas décadas, para designar o que também é chamado de "sexo social", isto é, o conjunto dos comportamentos característicos de um sexo (homem, mulher) que não são estritamente biológicos. Mais exatamente, o gênero foi definido para pensar as diferenças não biológicas entre o homem e a mulher.
Não me entendam mal: sim, o conceito de gênero foi pensado em um contexto militante, feminista especificamente, depois LGBT (lésbicas, gays, bissexuais e transexuais). Ele permitia (e ainda permite) refletir sobre as relações sociais entre homens e mulheres, acima de tudo, e depois entre maioria heterossexual e minoria LGBT. Isso não impede, por si só, a sua validade científica.
Os historiadores que fazem história das mulheres trabalham sobre o gênero: tentam conhecer quais são os papéis que uma sociedade, em um dado momento, atribui às mulheres. Os sociólogos que estudam os trabalhos domésticos ou a feminilização de uma categoria profissional trabalham sobre o gênero.
O "masculino" é objeto hoje de inúmeros estudos, porque é tão "construído" quanto o "feminino". Os cientistas (sim, o historiador, o sociólogo, o filósofo são cientistas) que trabalham sobre o gênero não negam a existência dos dois sexos na humanidade (deixo de lado o problema bastante doloroso dos intersexuados). Ao contrário, eles põem em discussão a ideia de que, a partir da existência dos dois sexos, derivam necessária e "naturalmente" diferenças de comportamento que se encaixariam em uma "natureza feminina" e em uma "natureza masculina".
Alguns temem que o fato de abordar o gênero em âmbito escolar (coisa nada nova, aliás) irá desestabilizar os seus filhos. O que vocês temem? Que o seu filhinho aceite brincar de boneca com as suas colegas? Que a sua filhinha ouse dizer aos seus colegas que gostaria de jogar futebol com eles? Que o João, que gosta muito de rosa, vá para a escola com a sua camiseta rosa fúcsia mesmo que os seus colegas debochem dele? Que a Maria, que é apaixonada por carros, ouse pedir para se inscrever em um curso de mecânica em vez de secretariado?
O gênero é um conceito útil e potencialmente libertador. Sim, todos introjetamos normas de comportamento determinadas pelo corpo social em que vivemos. Alguns ou algumas de nós vivem muito bem dentro de tais normas. Fiquem tranquilos, não se trata de impedir que o Alberto jogue rúgbi e que a Carla aprenda o ponto cruz; de forçar que o Roberto troque as fraldas e que a Carolina troque os pneus do carro; de substituir uma obrigação por outra.
Trata-se, simplesmente, de permitir que aqueles que estão, pouco ou muito, fora da norma possam existir. Como diz Judith Butler, cujo pensamento é muitas vezes tão maltratado nesses últimos tempos, trata-se de tornar "vivíveis" vidas que as normas socioculturais tornam "invivíveis".
Todos temos exemplos concretos, nossos ou de pessoas próximas a nós, do "gênero" ao qual fomos designados e das dificuldades, mais ou menos pesadas – as coisas não são sempre dramáticas, mas podem ser – que se encontram ao não corresponder a ele.
Pensar que tais normas não são absolutos atemporais e naturais ajuda a aceitar os outros como são e não como pensamos que deveriam ser.
O gênero não é uma teoria, é um fato social, conceitualizado com esse termo. Não diz respeito nem à identidade sexual (pode-se ser do sexo feminino e do gênero masculino), nem à orientação sexual (pode-se ser do sexo feminino, do gênero masculino e heterossexual – qualquer outra combinação é possível).
Lutar contra os estereótipos de gênero não significa fazer a "promoção da homossexualidade"; ao contrário, ajuda a lutar contra a homofobia, evitando que um rapaz do gênero feminino deixe-se tratar como "bicha", independentemente da sua orientação sexual real; ou que uma lésbica deixe-se tratar como "machorra", independentemente do seu gênero. Isso permite compreender que "Papa porte une robe" (papai veste uma saia), para retomar o título de um lido muitas vezes vilipendiado, mesmo sem ter sido lido, não é sinônimo de "papai é transexual", nem de "papai é homossexual" (e isso independentemente daquilo que se pense da homossexualidade, que não é o assunto deste texto).
Isso permite ensinar ao Roberto e à Carolina que saber trocar as fraldas e os pneus não arruína o seu status de homem ou de mulher; isso ensina ao Roberto que ele não deve pensar que a Carolina está destinada mais do que ele a fazer os trabalhos domésticos, e à Carolina que o Roberto tem o direito de detestar os automóveis (mas também que não tem problema se ela gosta dos trabalhos domésticos e ele, dos automóveis, contanto que cada um se encontre nessa situação "livremente e sem constrições", como se diz em outras circunstâncias).
O sexo biológico existe (com uma complexidade maior do que se apresenta, mas digamos que ele existe); o gênero também. Não existe uma "teoria de gênero". Entre as correntes filosóficas que usam o conceito de gênero, algumas desenvolvem, a partir desse fato, concepções filosóficas sobre o ser que podem ser questionadas, sobre as quais se pode debater, sobre as quais se deve debater e sobre as quais eu não me pronuncio.
Mas me parece que a missa dominical na paróquia não é o lugar desses debates intelectuais. Parece-me que evocar uma fantasmagórica "teoria de gênero" não ajuda no debate e contribui para tirar credibilidade de um campo inteiro das ciências sociais cuja utilidade já foi bastante provada (não deveria mais haver a necessidade de ser provada...).
Amigos católicos, não tenham medo daquele "monstro terrível chamado gênero": ele simplesmente ajudará a compreender melhor as relações sociais de que todos somos protagonistas e a relativizar muitos julgamentos que, às vezes, sob a aparência de caridade e de "correção fraterna", podem ser realmente destrutivos.
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O gênero, aquele ''monstro terrível''. Artigo de Véronique Beaulande - Instituto Humanitas Unisinos - IHU