08 Junho 2015
Na sequência da participação de Jeffrey Sachs e Ban Ki-moon numa conferência vaticana sobre as mudanças climáticas, vários intelectuais católicos pró-vida e inúmeros meios de comunicação ficaram intrigados com o fato de Vaticano estar dando uma plataforma pública aos maiores defensores das práticas de aborto e controle populacional do mundo. Achei que seria útil saber o que os organizadores da conferência pensam sobre estas preocupações, e então eu fui atrás deles.
A entrevista é de Stefano Gennarini, publicada pelo Kairos Terzo Millenio, 01-06-2015. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Abaixo apresento as respostas de Dom Marcelo Sánchez, que é o chanceler da Pontifícia Academia das Ciências e da Pontifícia Academia das Ciências Sociais, departamentos que organizaram a conferência “Proteger a Terra, Dignificar a Humanidade” no Vaticano mês passado.
Eis a entrevista.
As perguntas foram feitas, originalmente, em italiano.
Antes de sua colaboração com Sachs no Vaticano, o senhor sabia da posição pública dele sobre o aborto, expressa no livro “Commonwealth”, onde diz que o aborto é uma intervenção “de baixo custo” e de “baixo risco” para a redução da fertilidade em casos onde os métodos contraceptivos falham?
Eu há pouco cheguei da Argentina, onde participei de uma conferência para combater as novas formas de escravidão, como o tráfico humano, o trabalho forçado, a prostituição e o tráfico de órgãos, o que considero – junto com o Papa Francisco e com o Papa Bento – um crime contra a humanidade. Infelizmente, não existe apenas a questão do aborto, mas também há todos estes outros problemas sobre os quais você também deveria se interessar, pois eles estão intimamente relacionados. A crise climática conduz à pobreza e a pobreza conduz às novas formas de escravidão e migração forçada, às drogas e tudo isso pode levar ao aborto.
Vários intelectuais católicos e pessoas da mídia criticaram a sua decisão em colaborar com Ban Ki-moon e Jeffrey Sachs na questão das mudanças climáticas, por causa das posturas deles sobre o aborto e o controle populacional. O senhor tem alguma resposta a dar a estas reações?
O Tea Party [1] e todos aqueles cuja renda deriva do petróleo nos têm feito críticas, mas os meus superiores não. Estes, pelo contrário, me autorizaram e vários deles participaram.
Sem dúvida, o senhor discutiu a posição de Ban Ki-moon e de Jeffrey Sachs sobre o aborto e o controle populacional nos dias que precederam a conferência. Como se resolveram algumas destas questões?
Sim, nós travamos discussões sobre estes assuntos e, como podemos ver, os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável – ODS elaborados sequer mencionam o aborto ou controle populacional. Eles falam de acesso ao planejamento familiar, à saúde sexual e reprodutiva bem como aos direitos reprodutivos. A interpretação e a aplicação destes depende dos governos. Alguns podem até interpretá-los como Paulo VI, em termos de paternidade e maternidade responsável. Em vez de nos atacar, por que não entrar no diálogo com estes “demônios” para, talvez, melhorar a formulação, como fizemos nas questões sobre a inclusão social, as novas formas de escravidão?
Os críticos desta colaboração lamentam o quanto os católicos (e outros não católicos) podem ficar confusos ao participar, mesmo que remotamente, dos graves erros morais que Ki-moon e Jeffrey Sachs promovem. Ao mesmo tempo, Ban Ki-moon e Jeffrey Sachs vêm tirando grande proveito com a participação destes religiosos, confirmado na cobertura entusiasmada da imprensa sobre a conferência, o que por sua vez pode também fazer surgir um grande interesse pela nova encíclica sobre o meio ambiente do Papa Francisco.
Ficamos felizes que Ban Ki-moon e Jeffrey Sachs aceitaram a teoria sobre o clima que a Academia vem sustentando há 30 anos, a saber: que a atividade humana baseada nos combustíveis fósseis determina o clima. Foram os membros da Academia que definiram este “clima antrópico” ou “antropoceno”, entre os principais sendo os vencedores do Prêmio Nobel: Paul Crutzen e Mario Molina.
Você também deveria ficar feliz, porque as consequências das mudanças climáticas recaem especificamente sobre os pobres, e isto também os põe em situações onde então se aceita o aborto. Além disso, ficamos felizes que Ban Ki-moon e Jeffrey Sachs aceitaram modificar as propostas para a inclusão social, acrescentando as novas formas de escravidão tais como o tráfico humano, trabalho forçado e tráfico de órgãos, que sequer estavam presentes nas últimas elaborações apresentadas pelos organismos internacionais.
Você deveria ficar feliz sobre isso também, pois se há alguma coisa que ameaça a família, da qual você se diz ser um apoiador, ela é a prostituição, o que o Papa Bento chamou de um mal absoluto porque destrói a célula da ordem social.
A Declaração sobre as mudanças climáticas emitida após a conferência atribui, inequivocamente, a responsabilidade pelas mudanças no clima à atividade humana. Essa posição é partilhada pelo Papa Francisco?
Isso eu não sei. Mas suponho que sim, porque ele não iria escrever uma encíclica somente para dizer que o homem é responsável pela Terra, mas que todo o resto está bem! Talvez você acredite, como aqueles outros que vivem do petróleo, que todo o resto está bem... A Academia diz que não, assim como o diz todas as demais academias científicas no mundo. Apenas uns poucos cientistas pagos por certos grupos é que opinam de forma diferente.
O que o senhor diz para os chamados “céticos do clima”, que apontam para a falta de mudança nas temperaturas dos últimos 18 anos e para a dificuldade em se encontrar qualquer correlação definitiva entre a atividade humana e as mudanças climáticas em larga escala?
Aos céticos (e eu espero que você não seja um deles, porque então descobriríamos a verdadeira razão para estas falsas acusações contra nós!) nós respondemos dizendo que eles deveriam ler os nossos documentos produzidos nos últimos anos e que estão disponíveis gratuitamente a todos no sítio eletrônico www.pas.va. Eles seguem a fé e a razão, como a Igreja sempre fez, pelo menos desde São Tomás de Aquino, que segue São Paulo e São João, como mostra a [carta encíclica] Fides et Ratio. Nesse caso, não só a razão filosófica, mas também a razão científica. É por isso que os papas mantêm a Academia de Ciências há 400 anos.
Não tenho problema algum em você publicar estas respostas só agora. Se não pude responder antes é porque estive com muito trabalho a fazer, tendo que responder a muitas outras entrevistas como esta, que nos acusam de coisas que não são verdadeiras. Pode ter certeza de que as duas acadêmicas dais quais sou o chanceler são contra o aborto e o controle populacional simplesmente porque nós seguimos o Magistério dos papas, do qual dependemos diretamente.
Espero que você também siga este ensinamento, quando ele fala da seriedade da situação econômica – totalmente voltada ao lucro –, e quando ele falará da seriedade da responsabilidade humana pelas mudanças no clima, como espero que irá fazer a próxima encíclica.
Nota:
[1] O Tea Party é um movimento político nos EUA conhecido por ter posições conservadoras e pelo seu papel no Partido Republicano.
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Prelado vaticano responde aos críticos da Conferência do Clima, culpa o Tea Party e empresas petrolíferas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU