07 Mai 2015
"O Podemos está em crise depois da renúncia do Monedero e da ascensão do outro partido anti-establishment Ciudadanos. Apesar disso, as eleições nacionais, consideradas as margens de erro das pesquisas, estão empatadas, com o bipartidarismo que emergiu no fim da ditadura franquista sendo substituído por um sistema de quatro partidos".
O comentário é de Pablo Ortellado, professor do curso de Gestão de Políticas Públicas e orientador no Programa de Pós-graduação em Estudos Culturais da USP e coordenador do Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas para o Acesso à Informação - Gpopai, publicado no Facebook, 06-05-2015.
Eis o comentário.
"O Podemos está em crise depois da renúncia do Monedero e da ascensão do outro partido anti-establishment Ciudadanos. Apesar disso, as eleições nacionais, consideradas as margens de erro das pesquisas, estão empatadas, com o bipartidarismo que emergiu no fim da ditadura franquista sendo substituído por um sistema de quatro partidos".
Vários fatores estão relacionados ao fim da ascensão do Podemos nas pesquisas. Um que é sempre minimizado pelos seus militantes mas que parece ter tido grande impacto na opinião pública é a assessoria que um dos líderes do partido, Jose Carlos Monedero, deu para governos da Venezuela, Equador, Bolívia e Nicarágua.
Primeiro se descobriu um pagamento a Monedero e depois se descobriu diversos pagamentos nos últimos anos a uma empresa de assessoria com valores superiores a um milhão de euros. Para piorar a situação, o uso da empresa aparentemente permitiu a Monedero evadir impostos devidos.
A imprensa insinuou, normalmente sem dizer abertamente, que o dinheiro poderia ter sido usado para estruturar o Podemos, que poderia ter sido utilizado para financiar o programa de TV de Pablo Iglesias e que o Podemos poderia, por isso, dever fidelidade ao regime venezuelano.
A recusa de Monedero de dar explicações detalhadas sobre a natureza das assessorias que deu combinado com os altos valores recebidos deu margem a muitas especulações e pode ter contribuído para a situação atual do partido. Assim como no Brasil, a crítica da corrupção está no centro do debate político.
Ainda não está claro se essas acusações estão de alguma maneira relacionadas com a renúncia de Monedero da direção do partido. O que ele alegou no dia da renúncia foi que o partido estava se afastando das bases e se tornando cada dia mais parecido com a "casta" (a elite). A especulação mais difundida diz que Monedero se afastou porque perdeu espaço na disputa interna do partido com relação ao conteúdo do programa (ele queria que fosse mais radical enquanto outros líderes defendiam um programa mais centrista que atendesse melhor a opinião pública). Depois das críticas públicas desastrosas, Monedero se retratou e disse que apenas havia renunciado para voltar para a base do partido. Esse movimento pode fazer referência à muito controversa medida do partido de centralizar as decisões políticas, isolando os agrupamentos de base.
O Podemos construiu sua ascensão com um discurso anti-establishment, contra a velha política e contra a "casta". Em boa medida esse discurso buscava se colocar para além da polarização da esquerda e da direita tradicionais, enfatizando uma polarização com os de cima e os partidários da velha política. À medida que as pesquisas eleitorais foram comprovando a viabilidade eleitoral do Podemos (que chegou a ficar em primeiro lugar), o escrutínio público sobre o partido aumentou, assim como a exigência para que ele se posicionasse sobre uma série de questões sociais e econômicas de primeira grandeza. Paradoxalmente, à medida que foi ganhando projeção e as suspeitas de vínculos com a Venezuela, por um lado e o distanciamento da base do partido, por outro, foram semeando controversias, um outro partido político anti-establishment, o Ciudadanos começou a subir como um foguete nas pesquisas eleitorais.
Embora os militantes do Podemos gostem de alegar que o Ciudanos é um partido de direita, ele tem se apresentado como um partido de centro-esquerda, que defende os serviços públicos e quer limpar a velha política com uma injeção de sangue novo. O Ciudadanos se coloca também como um partido novo, mas equilibrado, sem o "radicalismo" "anti-capitalista" e "bolivariano" do Podemos - isto é, ele é claramente pró-União Européia, quer controlar a imigração e tem a Escandinávia e não a Venezuela como modelo.
De certa maneira, o discurso anti-establishment do Podemos abriu o caminho para o Ciudadanos que, embora empatado tecnicamente, já aparece em primeiro lugar em algumas pesquisas. No entanto, até as eleições nacionais, todo o escrutínio da imprensa e das forças políticas tradicionais deve se direcionar também para o Ciudadanos e pode ser que o quadro político se altere uma vez mais.
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'Podemos' em crise. Um comentário - Instituto Humanitas Unisinos - IHU