14 Abril 2015
No coração de cada armênio, esconde-se o sonho – talvez ingênuo, mas não é sobre a ingenuidade visionária que muitas vezes se move o mundo? – de que a tragédia obscurecida entre na memória de todos e sirva para fazer compreender, refletir e evitar o mal obscuro que corre o risco de nos envolver.
A opinião é da escritora ítalo-armena Antonia Arslan, ex-professora da Universidade de Pádua, em artigo publicado no jornal La Repubblica, 13-04-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Por cem anos, os armênios não dormiram, só sofreram, suportando aquela dor encerrada no fundo do coração, sonhando com um reconhecimento que nunca chegava dos "outros", ou seja, de todo o vasto mundo além das pequenas e fechadas comunidades da diáspora.
Times Square, Nova York, 2008. Todos os anos, no domingo mais próximo do dia 24 de abril, milhares de armênios lotam a grande praça, para rememorar o genocídio. Na primeira fila, nas suas cadeiras de rodas, os sobreviventes, a cada ano menos numerosos, a cada ano mais cansados. Atrás deles, ajudam-nos meninos e meninas orgulhosos das suas rosetas com a bandeira vermelho-azul-laranja da distante e pequena república do Cáucaso: a pátria não pátria, já que as pessoas da diáspora vêm de outra Armênia, a das férteis planícies da Anatólia, as golden plains, aquela que não existe mais.
Lá, tudo desapareceu, depois do terrível verão de 1915: a vida e as obras, as igrejas e os mosteiros medievais, as escolas e as fábricas, os katchkar, as cruzes de pedra florida, símbolos de alegria e de renascimento. Nada resta hoje, exceto as frágeis memórias conservadas pelas mentes amarguradas dos sobreviventes.
Mas eles já não falavam mais, em Times Square. No palco, alternavam-se bispos e professores, intelectuais sofisticados e proprietários de redes de lojas (lembro de um padeiro muito orgulhoso que distribuía sanduíches quentes e sacos de batatas fritas gluten free); e um coro de vozes estupendas cantava as antigas canções populares e os cânticos de igreja, reunidos pelo refinado musicólogo armênio Komitas Vartabed, que, para a nossa sorte, percorreu toda a Anatólia armênia antes do apocalipse.
Mas depois chegaram os "System of a Down", e as pessoas se soltaram. A célebre banda de metal rock, conhecida em todo o mundo juvenil e composta por quatro armênios, não se detêm em elegíacas nostalgias, mas vigorosamente recorda, em cada show, a injustiça histórica cometida contra os armênios, do Tratado de Lausanne de 1924 em diante.
Como um pesado manto de esquecimento: as bocas fechadas, o silêncio, as palavras "armênios, Armênia" apagadas da percepção do mundo ocidental e dos mapas; até mesmo as características estruturas arquitetônicas se tornaram, na vulgata comum, bizantinas, como a Ani das 1.001 igrejas, a abandonada capital situada a leste da Turquia, em um panorama estonteante.
Serj Tankian e os seus companheiros gritam isso em todo o mundo, não só nos shows, mas também no Screamers, o documentário sobre o genocídio gravado pela diretora Carla Garapedian em Los Angeles. É uma música dura, malvada, violenta, que sacode as consciências e quer fazer com que todos entendam um sofrimento inevitável e impiedoso: o fato de que, após a obtusa obstinação do negacionismo de que o genocídio continua até hoje e a negação da G-Word [genocídio] no que diz respeito aos armênios. também é uma culpa, também é genocídio.
A show girl Kim Kardashian, em meio a fofocas e questões frívolas, não se esquece da sua origem e há poucos dias chegou em Yerevan com a família para a comemoração do centenário. Amal, a bela advogada libanesa, esposa de George Clooney, está extremamente comprometida no fronte do reconhecimento.
E os armênios espalhados pelo vasto mundo, em diáspora há quase 100 anos, contam aqueles que se posicionam ao seu lado, suspiram e esperam: como todas as comunidades pequenas e sem grande influência midiática e política, são imensamente gratos se alguém que é conhecido, que é importante, se ocupa deles.
E nesse domingo, depois da brava declaração do Papa João Paulo II em 2001, no fim da sua viagem à Armênia, eis o Papa Francisco que retoma e aprofunda o discurso, na presença dos chefes da Igreja Apostólica, no solene marco de São Pedro e da proclamação como Doutor da Igreja do grande místico medieval armênio Gregório de Narek.
Um passo corajoso, que também vem ao encontro da progressiva sensibilização sobre o assunto da sociedade civil, que começa a se interrogar, a sentir o desconforto daquele buraco negro na sua história, mas que é violentamente agredido – como sempre, basta pensar na França – pelas posições oficiais do governo da Turquia.
Certamente, os historiadores estão quase unanimemente convencidos da premeditação e da cuidadosa programação do extermínio, e investigações posteriores parecem não ser necessárias, depois dos inúmeros testemunhos dos últimos anos, como recentemente o livro de Hasan Cemal, neto de um dos perpetradores, Djemal Pasha, publicado pela editora Guerini, ou os textos dos diplomatas judeus recém-publicados pela Giuntina.
Porém, no coração de cada armênio, esconde-se o sonho – talvez ingênuo, mas não é sobre a ingenuidade visionária que muitas vezes se move o mundo? – de que essa tragédia obscurecida entre na memória de todos e sirva para fazer compreender, refletir e evitar o mal obscuro que corre o risco de nos envolver.
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Os 100 anos de solidão dos armênios. Artigo de Antonia Arslan - Instituto Humanitas Unisinos - IHU