13 Abril 2015
O cardeal que lidera a Congregação do Vaticano para a vida religiosa disse aos membros das ordens religiosas de todo o mundo que eles devem viver suas vocações "inseridos" no mundo, não fechando-se às coisas novas, mas abertos às mudanças da vida moderna.
A reportagem é de Joshua J. McElwee, publicada no sítio National Catholic Reporter, 09-04-2015. A tradução é de Claudia Sbardelotto.
O cardeal brasileiro João Braz de Aviz, falando a um tipo inédito de congresso que reúne muitos dos formadores religiosos do mundo, também alertou os religiosos sobre a tentativa de abandonar as mudanças introduzidas na Igreja pelo Concílio Vaticano II.
"Nós temos, hoje, novos contextos geográficos e culturais que manifestam-se de forma intensa", disse Dom Braz de Aviz na última quarta-feira para cerca de 1.200 formadores em Roma.
"Os contextos mudaram", disse ele. "Nós estamos desorientados. Em nossa identidade, estamos um pouco inseguros. Precisamos de um novo aprofundamento, uma nova pausa, uma nova maneira de ouvir".
Ao continuar, o cardeal disse aos formadores: "Não se distanciem das grandes linhas do Concílio Vaticano II".
"Na verdade, aqueles que estão se distanciando do Concílio para traçar um outro caminho estão se suicidando - mais cedo ou mais tarde, eles vão morrer", disse Braz de Aviz. "Eles não terão sentido. Eles estarão fora da Igreja. Precisamos construir, tendo o Evangelho e o Concílio como ponto de partida".
O cardeal brasileiro, que é também o prefeito da Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica, falou na abertura da conferência, que está sendo realizada de quarta a sábado em um hotel da área de Roma.
O Concílio Vaticano II foi um encontro mundial de bispos católicos nos anos de 1962 a 1965 que trouxe muitas reformas para a Igreja, tais como o uso da linguagem vernácula durante a liturgia, mas que às vezes também tem sido um ponto de discussão inflamatória sobre se a Igreja precisa mudar e como ela pode mudar.
Braz de Aviz disse aos formadores que eles devem saber que as necessidades das pessoas que estão considerando a vida religiosa nos tempos de hoje "não são as mesmas" dos tempos em que os fundadores das ordens receberam pela primeira vez o seu carisma, ou seja, a característica fundamental da ordem.
"Os contextos mudaram", disse o cardeal. "E o Concílio recorda-nos que a vida consagrada deve ser um discipulado cristão ... deve ser o discipulado dos seus fundadores, mas também deve estar aberto à cultura do momento presente".
"Quando olhamos apenas para o passado e não percebemos o momento que estamos vivendo, corremos o risco de não sermos compreendidos", continuou ele. "Além disso, corremos o risco de manter dentro de nós mesmos esse tesouro único que é a vida consagrada".
Mais tarde, desenvolvendo seus pensamentos sobre o papel de discernimento na vida de comunidade, Braz de Aviz disse aos formadores: "Nós não devemos estar fechados para as coisas novas".
"Deus não é estático", disse o cardeal. "Deus é sempre um novo movimento - de luz, de calor, de demonstração. Ele fala em cada tempo para homens e mulheres com a verdadeira linguagem da época".
A conferência de Roma é um dos vários eventos que as congregações do Vaticano estão realizando por ocasião do Ano da Vida Consagrada, convocado pelo Papa Francisco e que está sendo celebrado até o início de 2016.
A conferência, que tem como tema "Viver em Cristo de acordo com o modo de vida do Evangelho", tem quase uma dúzia de apresentações sobre vários aspectos da formação religiosa, preparação e trabalho com as pessoas que se sentem chamadas a entrar em uma ordem religiosa ou instituto.
Dom José Rodríguez Carballo, secretário da Congregação do Vaticano, disse em breves comentários na quarta-feira que a conferência foi a primeira de seu tipo, ao convocar diretores de formação religiosa de muitas partes do mundo.
Rodríguez disse que cerca de 1.200 pessoas estão participando, com uma distribuição bastante equitativa entre as cinco línguas que estão sendo faladas no evento - inglês, espanhol, italiano, francês e português.
Braz de Aviz falou por quase 40 minutos, dando uma visão ampla dos temas do ano vida consagrada. Ele também comentou sobre a carta circular do Papa Francisco aos membros de ordens religiosas e falou sobre os desafios especialmente enfrentados pelas ordens e seus formadores.
A principal questão enfrentada pelas ordens é "Quais são os fundamentos da nossa identidade?". "Há uma marca registrada que é muito significativa", disse ele aos diretores. "Ou seja, a vida consagrada está inserida na Igreja, não está somente dentro do seu próprio carisma. Está no mundo, não somente fora do mundo - mesmo para aqueles na vida monástica".
"Esse é o primeiro ponto importante para nós, esse contexto onde a identidade é construída", continuou o cardeal. "A vida consagrada, uma vida em Deus, mas inserida na família eclesial, na Igreja - inserida no mundo".
"Ela não está em conflito com o mundo, mas inserida em continuidade", disse ele.
Durante seu discurso, Rodríguez também se referiu ao Concílio Vaticano II, dizendo que o tema do evento foi elaborado a partir de um dos documentos do Concílio: Perfectae Caritatis, o decreto de 1965 sobre a renovação da vida religiosa.
"Com essa referência explícita ao Concílio Vaticano II, que aponta para a nossa profunda convicção de que o Concílio é o ponto de referência, algo não negociável na formação para a vida consagrada", disse Rodríguez.
O arcebispo também agradeceu grandemente os diretores de formação religiosa pelo comprimento de seu ministério, o que ele chamou de "sagrado, não substituível e precioso".
Rodríguez disse que esse trabalho era sagrado, porque eles estão formando pessoas para ser como Cristo. "No vosso ministério, lembre-se sempre que você tem na mão um vaso precioso", disse ele aos diretores.
O arcebispo afirmou que o trabalho dos administradores é precioso. "Vocês são construtores de pontes entre a liberdade desse Deus que chama e a liberdade dos homens e mulheres que respondem".
"Vocês foram escolhidos como colaboradores de Deus na grande obra de ajudar nossos jovens a aprender o caminho de Cristo e de assimilar os pensamentos e sentimentos de Cristo", disse Rodríguez aos diretores. "Vocês têm em suas mãos o presente que dá o futuro de seus institutos e, portanto, de seus carismas".
O arcebispo também disse que os formadores devem ter três paixões: a de ouvir, a de oferecer hospitalidade e a de ser comunidades de comunhão.
"Um diretor de formação é uma pessoa que deve ouvir mais do que falar", disse Rodríguez. "Que vocês sejam homens e mulheres de escuta, dedicando a maior parte de seu tempo para ouvir, sabendo que para aprender a ouvir você deve ter uma verdadeira consciência de si mesmo".
"Lembre-se que o protagonista na formação não é você, mas Deus que chama e o jovem que responde", disse ele.
Outro palestrante refletiu sobre o fundo teológico da vida religiosa, dando ênfase aos escritos de São Paulo que dizem que os cristãos devem ter "os mesmos sentimentos que havia em Jesus Cristo".
Refletindo particularmente na imagem da Trindade, a teóloga Michelina Tenace disse que a Trindade mostra como a vocação é cumprida no doar-se de si mesmo.
"O que nos diferencia é a nossa maneira de nos fazermos dons uns para aos outros, e nesse dom podemos crescer de forma diferente, graças ao amor", disse Tenace, professora da Pontifícia Universidade Gregoriana.
"A formação precisa incentivar as pessoas a doar-se a si mesmas", disse ela.
Um dos participantes da conferência internacional disse na quarta-feira que considerava o encontro muito útil.
"Eu acho que é uma grande ajuda para aqueles que estão envolvidos na formação, porque cada pessoa tem suas próprias dificuldades e suas próprias experiências, mas agora tem a possibilidade de partilhá-las para descobrir que outros estão passando pelas mesmas dificuldades", disse o padre capuchinho Theo Jansen.
Jansen, natural da Holanda, que viveu em Roma durante décadas, disse que apreciou a ênfase dada pelos palestrantes à diversidade na Igreja.
"O princípio da unidade na diversidade é muito importante", disse ele. "Porque, muitas vezes, na fé católica, a unidade significa uniformidade".
"Agora estamos descobrindo que isso não errado, mas muito limitado", disse Jansen.
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Cardeal Braz de Aviz aos religiosos: aqueles que abandonam o Vaticano II estão se ''suicidando'' - Instituto Humanitas Unisinos - IHU