26 Março 2015
Naquele grande "livro dos livros" escrito por diversos autores e em épocas diversas que é a Bíblia, a paz também é dita de muitos modos.
O comentário é do filósofo e epistemólogo italiano Armando Massarenti, em artigo publicado no jornal Il Sole 24 Ore, 22-03-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Michael Walzer, no artigo Ideali di pace nella Bibbia ebraica [Ideais de paz na Bíblia hebraica] – prestes a ser publicado na revista Ars interpretandi. Rivista di ermeneutica giuridica (Ed. Carocci), em um número dedicado a ele, organizado por Marina Lalatta Costerbosa – identifica seis deles, tirados de quatro livros bíblicos: Deuteronômio, Juízes, Primeiro Livro dos Reis e Isaías.
Há uma paz como "sujeição", uma como "tempo percorrido entre períodos de guerra e opressão", uma como "dissuasão", uma como "benefício mútuo" e uma "messiânica".
As semelhanças com temas de moral e de política de hoje são evidentes, e o são ainda mais se lermos o último capítulo, que aqui antecipamos, centrado na paz como "pluralismo": uma ideia central na obra de Walzer, a partir do seu célebre Esferas de justiça, cuja tese bem se resumia em um dos mais belos Pensamentos de Pascal: "Eis diversas assembleias: de fortes, de belos, de inteligentes, de piedosos, e cada um deles reina na sua própria ordem e não nas outras. Algumas vezes, eles se encontram, e o forte e o belo lutam tolamente pela supremacia de um sobre o outro: tolamente, porque o seu valor é de tipo diferente. Eles não se compreendem, e o seu erro é de querer reinar em toda a parte".
Decorre daí uma definição da "tirania", que "está em querer obter por uma forma aquilo que só se pode ter por outra", como quando se pensa em obter amor ou estima utilizando formas transversais como o poder ou o dinheiro, ou quando a religião pretende substituir a política e vice-versa.
A "arte liberal da separação", defende Walzer, deve nos salvar desse tipo de sobreposições, mas sem nos impedir de ter fés, ideais ou de desfraldar cartazes ou levantar bandeiras.
Walzer sempre prestou muita atenção ao fenômeno religioso, desde o seu primeiro livro, dedicado à revolução inglesa, A revolução dos santos, e é o autor de Êxodo e revolução e de Guerras justas e injustas.
Na religião, ele vê, por um lado, a capacidade de unir e de mover homens e mulheres na defesa de valores importantes e, por outro, o risco de que esse mesmo fervor, que também está na base do compromisso político, se transformem em violência e intolerância.
A quinta entre as definições de paz identificadas nesse artigo, a "messiânica", certamente é atraente para o maior filósofo político da esquerda norte-americana: "Em Isaías 11, 6-9", escreve Walzer, há "talvez a mais bela descrição do tempo messiânico – que vem com um verdadeiro messias: 'um broto nascerá do tronco de Jessé... justiça... a correia de sua cintura'; 'Sobre ele pousará o Espírito do Senhor'. Assim, temos um rei davídico (Jessé era o pai de Davi) e, o que é mais importante para o meu propósito, temos um mundo transformado".
Mas esse mundo, em que "o lobo será hóspede do cordeiro, a pantera se deitará ao lado do cabrito...", não é apenas um mundo como gostaríamos. É também um mundo que nos afasta, por ser utópico, de ideais mais humildes e de uma paz menos perfeita, mas mais ao alcance da mão.
Como a de "um Deus árbitro de muitos povos", garante laico e neutro entre os diversos modos em que aos homens é dado viver.
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