25 Março 2015
MS, B-18. É difícil para um "externo" decifrar os hieróglifos com que os maras (as gangues criminosas) marcam o seu território. Só os moradores locais sabem reconhecer as fronteiras ocultas que separam um grupo de casas de outro. Trinta e cinco anos atrás, no entanto, não havia fronteiras invisíveis.
A reportagem é de Lucia Capuzzi, publicada no jornal Avvenire, 24-03-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Os barracos se sobrepunham em uma claustrofóbica alternância de tijolos, metais, bajareque (mistura de barro e bambu). "Nisso, Soyapango não mudou muito. Ainda é uma das área mais povoadas de El Salvador: 5.000 habitantes por quilômetro quadrado."
Marisa de Martínez (foto) conhece a área como a palma da sua mão. Nos anos 1970, com o marido Edin, deixou os bairros altos da cidade para se mudar para um dos subúrbios mais pobres de San Salvador.
"Por quê? Para tocar com a mão a situação de injustiça feroz no país naqueles anos. E para acompanhar o povo, à luz do Evangelho, na luta pacífica para construir uma sociedade mais humana", explica. "Como fazia o Monseñor."
Qualquer salvadorenho sabe que não é preciso acrescentar mais nada para se referir ao Óscar Arnulfo Romero, o arcebispo mártir, assassinado no dia 24 de março de 1980.
"Era as 18h30 quando se espalhou o boato. As pessoas gritavam: 'Mataram-no'. Foi horrível." Depois, a punhalada no coração. "Todo o bairro gritava: 'É coisa do D'Aubuisson'. Eu queria que a terra me engolisse."
Embora não o seu há mais de 40 anos, D'Aubuisson também é o sobrenome de Marisa. E não por coincidência: o falecido major Roberto D'Aubuisson, considerado pela ONU como o mandante do homicídio de Romero, era seu irmão. Um fardo pesado que, no entanto, não impediu que essa mulher refinada e enérgica se dedicasse a difundir da memória do monsenhor colaborando com a Fundação Romero. E de se deixar provocar pelas suas palavras para criar a Cinde, uma associação para a defesa das crianças dos bairros marginais.
Eis a entrevista.
Como você teve essa ideia? Foi um pouco "culpa" do monsenhor?
Bem, sim. A inspiração, sem dúvida, veio dele... Mesmo agora, quando eu tenho algum problema na associação, eu vou rezar no seu túmulo. Passando por Soyapango, eu via tantas crianças forçadas a passar o dia no mercado, onde as mães vendiam mangas e tamales (as tortinhas de milho) para sobreviver. Não sabiam onde deixá-los. Eram pequenos demais para irem à escola. Não era justo: as crianças têm direito a uma infância. Assim, com a ajuda de uma ONG holandesa, dos jesuítas do Fé y Alegría, da Manos Unidas, do Comitê Romero de Múrcia e da paróquia, nasceu a primeira creche em Soyapango, em 1988, que agora hospeda 200 crianças.
Depois veio o de Mejicanos, outro subúrbio marginalizado, os projetos de formação e de microcrédito para as mulheres, os cursos de leitura, de música e de arte para as crianças.
O objetivo é o de mostrar alternativas, especialmente para adolescentes e jovens. Para que não sejam obrigados a aceitar o que muitas vezes é apresentado como o único caminho: entrar em uma gangue.
O seu sobrenome foi um obstáculo na escolha de se dedicar ao trabalho social e de viver a opção evangélica pelos pobres nas pegadas de Dom Romero?
Eu não digo que não foi difícil. No funeral do monsenhor, eu tentei me tornar invisível, para que não me reconhecessem. Senti muita vergonha. Aos poucos, porém, percebi que os irmãos não são iguais. Cada um toma o seu caminho. Roberto foi, de algum modo, um produto da lavagem cerebral que lhe foi feita na Escola das Américas.
Vocês chegaram a falar sobre Romero?
Não, nos anos após o homicídio, vimo-nos quatro ou cinco vezes. E eu evitei o assunto. Falar-lhe do monsenhor o enfurecia.
Você acredita que o seu irmão é responsável pelo assassinato do arcebispo?
É a ONU quem diz isso, assim como os seus apelos contra o monsenhor, o seu extremismo, um dos seus próprios cúmplices. Eu não tenho nenhuma dúvida, infelizmente.
Foto: Nacion.com
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''Dom Romero, assassinado pelo meu irmão'' - Instituto Humanitas Unisinos - IHU