12 Março 2015
O presidente da Nicarágua, Daniel Ortega, participou no final de janeiro da cúpula da Celac (Comunidade de Estados Latino-Americanos e do Caribe), na Costa Rica, acompanhado de uma comitiva familiar. Para o evento, o mandatário havia nomeado sua mulher, Rosario Murillo, "chanceler em exercício da Nicarágua" e duas de suas filhas, Camila e Luciana, assessoras presidenciais, enquanto o filho mais velho, Rafael, participava na condição de ministro.
A reportagem é de Daniel Salinas, publicada pelo jornal El País, 10-03-2015.
Com essa viagem familiar, o presidente, chamado na Nicarágua de "Comandante Ortega", pôs em evidência, em nível internacional, uma de suas práticas comuns desde que retornou ao poder em 2007 - o nepotismo como política de Estado.
Desde que assumiu a presidência, após quase duas décadas na oposição, Ortega nomeou sua mulher como porta-voz do governo, encarregada do pomposo Conselho de Comunicação e Cidadania, cujas funções vão desde a administração da publicidade estatal, o controle da informação pública e dos meios de comunicação, a organização do dia a dia do governo (Murillo nomeia e demite ministros), o cuidado das campanhas eleitorais da Frente Sandinista (o partido governante, dominado pela família Ortega), a organização dos eventos públicos do presidente, a recepção a visitantes oficiais estrangeiros e até o cuidado de emergências nacionais, como ocorreu em abril passado, quando uma série de fortes terremotos sacudiu o país.
Com sua nova nomeação, a primeira-dama parece disposta a ditar até a política externa da Nicarágua, em detrimento do chanceler oficial, o sandinista Samuel Santos.
O presidente nicaraguense conta com uma lista de 24 assessores presidenciais, entre os quais se destaca - além de Luciana, Camila e Rafael - seu filho Laureano Ortega Murillo, assessor para investimentos e que esteve encarregado de contatar o empresário chinês Wang Jing para negociar a concessão para a construção de um canal interoceânico na Nicarágua.
Foi Laureano quem encabeçou as delegações presidenciais à China e à Rússia, duas das potências emergentes com as quais Daniel Ortega flerta. A Rússia prometeu à Nicarágua apoio militar para combater o narcotráfico, além de ajuda alimentar e cooperação técnica.
Para os analistas, a decisão de Ortega de nomear mulher e filhos para cargos públicos, violando a Constituição e as leis de probidade do país, se enquadra em uma longa tradição de nepotismo que nasceu com a conquista espanhola e alcançou sua expressão máxima durante a dinastia Somoza, quando o poder passou durante mais de 40 anos de pai para filho e foi dividido entre irmãos.
"É uma prática herdada da época colonial. Pedro Arias de Ávila, primeiro governador da Nicarágua, manipulou para que fosse sucedido por seu genro, Rodrigo de Contreras. O nepotismo fazia parte do sistema colonial", explica o analista político Carlos Tünnermann.
"O vício do nepotismo faz parte da cultura política nicaraguense, uma cultura atrasada. Os mandatários veem o poder como coisa patrimonial e não acham errado que seus parentes se aproveitem disso", acrescenta.
Com a nomeação de seus filhos como assessores e da mulher como porta-voz do governo e chanceler, o presidente Ortega viola a Constituição da Nicarágua, recém-reformada por ele para permanecer no poder indefinidamente.
Azahalea Solís, especialista em questões constitucionais, afirma que Ortega violou o artigo 130 da Constituição, que estabelece que os funcionários públicos, incluindo o presidente, não podem nomear seus parentes para cargos de Estado. Solís explica que Ortega também violou o artigo constitucional 138, que determina que a nomeação de um ministro deve ser ratificada pela Assembleia Nacional, o que não ocorreu no caso de Murillo. "O governo de Ortega parece uma monarquia feudal absolutista", diz Solís.
O deputado Eliseo Núñez, do Partido Liberal Independente, de oposição, afirma que ao nomear seus familiares Ortega também viola a lei de probidade de funcionários públicos da Nicarágua, "que estabelece expressamente que parentes de funcionários estão proibidos de ocupar cargos públicos".
"Parece que na Nicarágua estamos voltando a parir uma nova dinastia. Ortega nos diz 'Minha família é a família do poder', e por aí se vê que a sucessão familiar está muito encaminhada. Esta é uma reedição do somozismo", critica o deputado.
Ortega controla a maioria parlamentar, por isso é difícil que a oposição na Assembleia Nacional possa exigir uma explicação de uma política que deixa o poder em família. O que mais preocupa os analistas é a imagem internacional negativa que Ortega projeta da Nicarágua.
Na última cúpula da Celac, o presidente nomeou o independentista porto-riquenho Rubén Berríos seu representante em uma reunião privada que se realizaria entre os presidentes, o que levou o presidente da Costa Rica, Luis Guillermo Solís, a dar por encerrada a cúpula.
Berríos recebeu um passaporte nicaraguense e Ortega o nomeou seu assessor para "políticas internacionais em matéria de descolonização", violando as leis de nacionalização nicaraguenses. "Ficou evidente diante dos presidentes da América Latina o nepotismo de Ortega e o fato de que não respeita nenhuma lei", lamenta Tünnermann.
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Na Nicarágua, o poder fica em família - Instituto Humanitas Unisinos - IHU