13 Fevereiro 2015
"É verdade, que Copenhague acabou de repente, numa revoada, quase uma fuga dos chefes de estado e governo, nenhum deles querendo assumir a responsabilidade pelo fiasco. O Acordo de Copenhague ficou no limbo", escreve Sérgio Abranches, sociólogo, cientista político, analista político e escritor, em artigo publicado por EcoPolítica, 11-02-2015.
Eis o artigo.
O que aconteceu até agora nas negociações para a COP 21 em Paris, que estão no seu quarto dia em Genebra? O texto do rascunho do acordo inchou. Chegou à Suíça com 38 páginas e ganhou 62 novas páginas. Que alquimia produziu esse inchaço? O democrático processo de abrir o rascunho para contribuições dos 192 países envolvidos na negociação. Foi pouco inchaço para tantos países. Se todos tivessem conseguido inserir sua própria visão e seus próprios interesses, o texto teria batido fácil nas 200 páginas. Agora, terão que negociar o enxugamento do texto. Os países não entraram ainda em negociações para valer. Foram conversas relativamente calmas. Isso porque as questões cruciais para o sucesso de um acordo não foram postas em discussão ainda.
Os negociadores não sabem dizer se o texto seguirá inchado para o segundo turno de negociações, em Berlim, acompanhado de um relatório dos presidentes do grupo que o negociou, ou se conseguirão reduzí-lo nas próximas horas. Inchaço de rascunho não chega a ser um grande problema. Os rascunhos sempre crescem, antes de chegar ao tamanho que cabe num acordo formal, se chegam a esse ponto. Para se entender o que se fala em uma COP, é importante saber o que procedimento que se esconde sob a sigla-chave de cada rodada. Esta, começou em Durban, na África do Sul, em 2010, quando as siglas foram trocadas. Para quem não está familiarizado com o “copês”, a linguagem formada por siglas usada nas convenções do clima, lá vai: a sigla é ADP, que, em inglês, abrevia “Grupo de Trabalho sobre a Plataforma de Durban para Ação Fortalecida” (Ad Hoc Working Group on the Durban Platform for Enhanced Action). É a tradução usada pelo Itamaraty, que domina essa linguagem e participou da invenção da sigla. Nenhuma razão para o ad hoc. É só firula diplomática. Bastava dizer para. Eram também ad hoc os grupos que centralizaram as negociações até Durban, onde esgotaram seus mandatos, após vários adiamentos anuais. Eram dois: AWG-KP, para o Protocolo de Quioto, que decidiu por sua prorrogação por mais 10 anos, e AWG-LCA, para “cooperação de longo prazo sob a convenção”, que decidiu adotar a Plataforma de Durban e criar o ADP. Olha sigla-chave de novo, de LCA para ADP.
Nada disso nos diz muito sobre o fracasso ou sucesso da COP 21, em Paris, no final do ano. Se fizermos um retrospecto, o primeiro avanço real nessa grande caminhada ocorreu na COP 15, em Copenhague, na aparentemente fracassada Cúpula do Clima de 2009. Pela primeira vez, Estados Unidos, China, Índia e Brasil, aceitaram assumir compromissos de redução de emissões em um acordo multilateral. Em livro sobre o encontro de Copenhague, escrevi que era um resultado frustrante, diante das expectativas que se tinham formado para a Cúpula. Mas, politicamente, foi uma ruptura real no processo, que permitiu que a política global do clima avançasse. Esses países, além de serem grandes emissores de gases estufa, são atores críticos, decisivos, para se chegar a qualquer acordo. Qual foi o progresso? A maior economia desenvolvida e as três maiores economias emergentes saíram, primeira vez, do “não”, para o “sim”. Na verdade, “sim, mas”. Agora, negocia-se para qualificar esse “mas”. É um avanço não precisar de convencer parceiros poderosos, com poder de veto, a pararem de negar o perigo da mudança climática e de se recusar a cooperar no esforço global para enfrentá-lo. Já foram convertidos à aceitação e à cooperação de longo prazo, em Copenhague.
É verdade, que Copenhague acabou de repente, numa revoada, quase uma fuga dos chefes de estado e governo, nenhum deles querendo assumir a responsabilidade pelo fiasco. O Acordo de Copenhague ficou no limbo. Um erro de condução do presidente da COP-15, então primeiro-ministro da Noruega, Lars Løkke Rasmussen, um presidente muito inepto diga-se de passagem, fez com que o acordo firmado pelos dirigentes dos países não fosse admitido pelo plenário da Convenção do Clima. O plenário apenas “tomou nota” do acordo. Surreal, considerando-se que votavam os subordinados daqueles que fecharam o acordo. Foi preciso que, na COP 16, em Cancún, o Acordo de Copenhague fosse incorporado ao texto dos Acordos de Cancún, para se tornar legal. Os Acordos foram aprovados sob a presidência hábil e enérgica da ministra das Relações Exteriores do México, Patricia Espinosa. Liderança, como se vê, faz, sim, diferença.
Em Durban, decidiu-se fixar uma data para o fim do Protocolo de Quioto, 2020. Por isso, 2015 foi escolhido como a data para se chegar a um acordo que o substitua, a partir de 2020. Mas e a substância? Seguindo os prazos fixados em Copenhague, todos os países apresentaram seus compromissos de redução de emissões, inclusive Estados Unidos, China, Índia e Brasil. Compromissos baixos e criticáveis. Mas, importa é que tanto Estados Unidos, quanto China, por exemplo, fizeram bem mais do que o prometido. Sem coerção, por decisões internas.
O que isso nos ensina sobre Paris? Que, se os países chegarem a um acordo ao final, o “nível de ambição”, ou seja, as metas coletivas e individuais de redução de emissões, terá que ser ajustado pelo mínimo denominador comum. Eles farão o máximo possível para fechar o acordo. Se julgarmos esse possível Acordo de Paris pela máxima ambição, é seguro prever que será um fracasso. Se o julgarmos pelo máximo de ambição cabível no mínimo denominador comum de consenso entre os signatários, será bem sucedido. E há duas razões para que se possa considerar aceitável, ainda que aquém do necessário, um acordo pelo máximo de ambição aceitável pela maioria relevante de países. A primeira, é que o mínimo denominador comum de Paris será muito mais alto que o de Copenhague. A segunda, é que, certamente, por ser um mínimo comum, será menos do que a maioria dos grandes emissores fará.
Claro, o mínimo comum em um fôro multilateral numeroso e heterogêneo como esse, é localmente insuficiente. Nas grandes economias como EUA, Europa dos 7 e China, a demanda interna e as regulações domésticas já existentes terão grau de ambição muito acima do que se comprometerão internacionalmente. Todos os grandes emissores terão um desempenho muito melhor do que o esperado pela régua dos compromissos de Copenhague. O mais provável é que se diga de Paris, mais ou menos o que se disse de Copenhague. Não se terá o acordo sonhado, compulsório e ambicioso. Mas, como em Copenhague, terá avançado: o vazio legal pós-Quioto estará resolvido e as metas de redução de emissões, agora chamadas de INDCs, terão níveis mais exigentes do que os compromissos de Copenhague. Não poderia terminar sem falar na nova sigla mágica, INDCs, em copês, abrevia as “Contribuições Pretendidas Nacionalmente Determinadas” (Intended Nationally Determined Contributions). Traduzo: compromissos de redução de emissões voluntárias e discricionárias de cada país. Elas serão conhecidas a partir do mês que vem, se os países obedecerem ao calendário que eles mesmos fixaram. Mas, obedecer é voluntário.
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O cronômetro para a COP 21 de Paris começou a contar - Instituto Humanitas Unisinos - IHU