06 Fevereiro 2015
O tempo intersinodal deve ser dedicado ao aprofundamento da Relatio Synodi, que constitui os Lineamenta para a próxima Assembléia ordinária dos bispos (04-25 de outubro de 2015). Tudo no estilo da parresia e da sinodalidade queridas pelo Papa Francisco. Ao secretário geral do Sínodo dos bispos, cardeal Lorenzo Baldisseri, dirigimos algumas perguntas que, amadurecidas na Assembléia extraordinária (outubro de 2014), acompanham a reflexão deste período intermediário (Roma, 22 de janeiro).
A entrevista é de Lorenzo Prezzi e Marcello Matté, publicada por Indice del Sinodo - Il Regno, 04-02-2015. A tradução é de Benno Dischinger.
Eis a entrevista.
Eminência, é a primeira vez que um tema (a família) é trabalha em duas assembléias do sínodo (2014-2015). Quais têm sido, a seu ver, os pontos fortes e os pontos débeis do sínodo extraordinário (5-19 de outubro de 2014)?
A 3ª Assembléia geral extraordinária dos bispos foi concluída em outubro passado e agora estamos no período intersinodal, em vista da assembléia geral ordinária do próximo mês de outubro de 2015. Sim, o Sínodo se desdobra em duas etapas, até gostaria de dizer em três, porque o Papa Francisco considerou o Consistório de fevereiro de 2014 como a primeira etapa do percurso, tendo solicitado aos cardeais de tratarem o tema. O tema do sínodo em sua formulação completa é: os desafios pastorais da família no contexto da evangelização, o qual foi amplamente tratado na 3ª Assembléia e produziu a Relatio Synodi. Os pontos fortes desta assembléia podem ser identificados, em primeiro lugar, na implantação doutrinal sobre o matrimônio, fundamento da família, que é desenvolvido na segunda parte do documento. Acrescentaria, depois, o anúncio do Evangelho da família e o sublinhamento da preparação ao matrimônio num contexto social completamente mudado desde os tempos da Familiaris consortio (1981).
A insistência na aceleração dos procedimentos para a declaração de nulidade do matrimônio ocupou um espaço considerável, e introduz obviamente aos outros temas das famílias feridas – os matrimônios falidos com os separados, os divorciados, os divorciados redesposados – e as convivências, especialmente entre os jovens. Estes temas compõem a terceira parte do documento.
Os pontos débeis? Falarei antes de caminho de renovação da instituição apenas iniciado, que talvez tenha suscitado reações e confrontos em alguns participantes. Mas, não se tratou de pouca clareza no desenvolvimento dos trabalhos. Foi algo bem diverso!
A nova metodologia, a parresia e a liberdade de expressão desejada pelo Papa, permitiram realizar uma verdadeira sinodalidade e dar passos significativos para frente em todas as direções sobre numerosas temáticas existentes sobre o tapete. Foi uma ocasião formidável de renovação para o aperfeiçoamento da instituição sinodal.
Este percurso sinodal responde realmente à exigência de mover-se com uma nova dinâmica, adaptada aos tempos de hoje e consoante à crucial temática da qual o sínodo se ocupa, aquela da família.
Tensões e convergências
O protesto de uma parte da aula a favor da publicação das sínteses dos trabalhos de grupo e a votação “insuficiente” de três números da Relatio synodi parecem ter sido momentos críticos. Como os vivenciou?
Na aula se viu muito espírito de comunhão e grande respeito pelas diversas posições, mesmo que contrapostas sobre certas questões. O trabalho dos circuli minores (grupos de estudo) tem sido fundamental, precioso, sério, rico em contribuições. Acolhida a implantação e a composição de base da Relatio post disceptationem, os modos ou contribuições foram inseridos pontualmente.
Sobre a publicação dos relatórios dos grupos de estudo, houve uma sentida troca de opiniões, devida ao fato de que, em outros sínodos do passado, jamais tinham sido publicados, como, ao invés, sempre tinha sido publicada a Relatio post-disceptationem, que diversos membros não consideravam oportuno publicar.
Era necessário, então, clarear o que fazer a respeito e foi decidido tornar públicas também os relatórios dos círculos menores.
A votação dos parágrafos ou números progressivos do documento ocorreu segundo as normas estatutárias. A novidade está no fato de que o Santo Padre decidiu fazer publicar tudo e imediatamente, também o resultado das votações, incluindo os números que não haviam obtido o placet dos dois terços. A esse respeito, gostaria de recordar que a norma dos dois terços foi inserida nos estatutos somente a uma dezena de anos e que, em todo caso, fica intacto o princípio que se deva atingir o consenso, ou pelo menos a mais ampla e qualificadora adesão.
O intento de fundo do processo sinodal é aquele de apresentar a beleza do projeto de Deus sobre a família. Num contexto social em que se multiplicam os “modelos familiares” e se registram críticas radicais à família, a Igreja parece ser uma das poucas “agências” em condições de afirmar seu valor. É uma convicção difusa entre os sinodais dos vários continentes?
O anúncio do evangelho da família é o escopo principal deste sínodo. E é precisamente a segunda parte da Relatio Synodi que se ocupa disso.
Parte-se da escuta, do ver as realidades concretas, do vivenciado pelos homens e pelas mulheres na família, para depois analisar no modo como se apresentam e verificar os passos a dar pára vir ao encontro dos problemas, para traçar linhas pastorais adequadas aos novos fenômenos da sociedade de hoje.
Há situações que devem ser enfrentadas e não elididas, algumas inéditas, que necessitam de aprofundamento doutrinal e coragem pastoral para enfrentá-las, à busca de soluções adequadas, no respeito da verdade e na caridade.
É verdade que se registram ataques e críticas radicais à família, especialmente no mundo ocidental, e que a Igreja está certamente na primeira fila para responder e defender o instituto familiar no seu aspecto constitutivo da sociedade e, para os cristãos, da “igreja doméstica”.
Gostaria, no entanto, de dizer com clareza que os padres sinodais, todos, mas especialmente aqueles de outros continentes, relevaram que a família tem e constitui o fundamento e a forte tradição do povo. Existem certamente problemas de cultura e de tradições atávicas que devem ser considerados e avaliados no seu contexto e à luz do evangelho, mas, os assim ditos modelos familiares propugnados por agências ou por fortes lobbies internacionais não são a experiência do povo daqueles continentes.
Doutrina e pastoral
Registra-se, nas comunidades cristãs, certo temor da possível rachadura da assembléia, entre quem sustenta as razões da doutrina e quem releva aquelas da pastoral. Em seu ponto de vista, é um perigo real?
O Papa Francisco, no seu discurso conclusivo da Assembléia, foi claro dizendo que se teria entristecido se não tivesse havido tentações, discussões, um movimento dos espíritos, citando santo Inácio, se todos tivessem estado de acordo numa falsa paz quietista. Assegurou depois que tudo isto se desenvolve cum Petro et sub Petro.
Podemos, pois, estar tranqüilos que não há nenhum perigo de possíveis rupturas ou rachaduras. O sínodo não é um parlamento, como o Papa disse em outra ocasião; não é um lugar de confronto pelo poder ou para alcançar objetivos mundanos; é o lugar do encontro, da escuta, do discernimento e das decisões cum et sub Petro, com a assistência do Espírito Santo que guia a Igreja.
Os escritos sobre o tema da família, as mesas redondas, os simpósios são bem-vindos, e até são necessários para que se aprofundem os temas concernentes à família, também aqueles mais espinhosos.
A intenção complexiva da Relatio Synodi e das questões nos Lineamenta para o próximo sínodo (4-25 de outubro de 2015) parece mais ser aquela de coletar aliados que de identificar inimigos. È assim?
Os termos aliados e inimigos extrapolam completamente do vocabulário sinodal. A intenção do sínodo e daquilo que resulta desta experiência, é fazer sinodalidade no sentido amplo do termo que quer dizer participação na vida da Igreja segundo as funções e os carismas de cada um e de suas instituições e trabalhar conjuntamente, caminhar conjuntamente em tudo aquilo que concerne à evangelização. A Relatio Synodi é o resultado da reflexão dos padres sinodais que participaram da assembléia de outubro passado e se tornou os Lineamenta para o sínodo de outubro próximo, a segunda etapa. A intenção de enviar o documento com algumas perguntas foi a de envolver agora a base, as instâncias interessadas, conhecer as reações, as recepções do mesmo e solicitar um aprofundamento das temáticas, especialmente aquelas mais sensíveis, difíceis e delicadas.
Participação
A intenção é aquela de recolher o mais exatamente possível os pareceres e a experiência das comunidades cristãs. O que aconselharia a um pároco para ele envolver a sua comunidade?
Não se trata de recolher novamente as experiências e o vivenciado pelo povo, contribuição que já foi recebida com o questionário do ano passado para a preparação do sínodo de 2014.
Pretende-se envolver as pessoas, as dioceses, os párocos, as instituições de todos os níveis, especialmente as acadêmicas, para obter reflexões profundas e indicações pastorais sobre os temas mais importantes assinalados no documento; ou temas a acrescentar porque ainda não inclusos ou esquecidos.
Aos párocos direi que façam estudar, meditar a Relatio Synodi na própria paróquia e responder às perguntas que são pertinentes à comunidade e à vida das pessoas, não por certo àquelas que se referem à pesquisa científica, seja no campo teológico, canônico e das ciências em geral.
Enviando o texto às Conferências episcopais e aos outros organismos e pessoas de direito, esta Secretaria geral recomendou que os temas recolhidos nos Lineamenta sejam tratados a 360º nas diferentes instâncias.
Já emergiram algumas indicações para uma pastoral da família que não seja somente uma parte da pastoral, mas uma atenção complexiva? Há alguma experiência que o impressionou particularmente?
Foi muito focalizada a necessidade de um maior conhecimento do ensinamento da Igreja sobre o matrimônio e a família e, ao mesmo tempo, a exigência de preparar adequadamente os jovens ao matrimônio.
Não basta o curso dos noivos; é preciso estudar um percurso de preparação, que alguns padres sinodais assimilaram ao um catecumenato, o qual começa muito antes do namoro, até da infância ou da adolescência, quando os garotos começam a discernir e pensar em seu futuro e a qual vocação responder.
Outro tema que teve uma atenção complexiva foi aquele da aceleração dos procedimentos de nulidade matrimonial e aquele da educação cristã nas famílias, sublinhando que a família é “Igreja doméstica”.
Ali inicia a fé cristã e ali se deve encontrar o ponto de referência primário e determinante da educação cristã. A Igreja administra os sacramentos, ajuda e supre, insere a pessoa na família de Deus, mas são os genitores, a família como tal, que tem a tarefa nativa de educar na fé os seus membros.
Olhar amplo
O papel do Papa Francisco tem sido central. A sinodalidade na Igreja parece ser uma de suas maiores preocupações. Como a explicaria e como procura pô-la em execução?
A importância da sinodalidade para o Papa Francisco aparece em toda a evidência desde o início de seu pontificado, e sobre este ponto ele retorna com frequência não só porque está em ato o sínodo sobre a família com uma dinâmica nova, mas a ele retorna também em relação ao exercício do primado petrino, à missão da Igreja, à evangelização em geral.
A sinodalidade a vê no interior da Igreja e em todos os níveis; indica-a para as dioceses, as paróquias, as associações, os movimentos; mas aquilo que chama atenção é sua intenção de estendê-la às confissões cristãs, especialmente às Igrejas orientais e ortodoxas, que praticam há tempo a sinodalidade, em vista de um efetivo ecumenismo, cujos desenvolvimentos podem acelerar a unidade tão desejada dos cristãos e desejada por Cristo. O discurso vai ainda mais além; a sinodalidade considera também o diálogo inter-religioso, a relação com as religiões do mundo, com as quais é preciso confrontar-se e trocar métodos e experiências, saberes e estratégias, como patrimônio espiritual da humanidade.
O período em que agora vivemos, aquele intersinodal, é o tempo oportuno, o momento importante deste percurso sinodal. O Papa Francisco quer o envolvimento dos padres sinodais, dos bispos de todo o mundo e dos fiéis. No seu discurso na conclusão do Sínodo disse que temos diante de nós um ano para fazer amadurecer com verdadeiro discernimento as idéias propostas e encontrar as soluções. O Papa é claro com estas palavras. Não devem existir reticências, arrière pensée ou medos na continuação do trabalho de aprofundamento. A Igreja é guiada pelo Espírito Santo.
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O sínodo já realizado e aquele por ser realizado - Instituto Humanitas Unisinos - IHU