05 Fevereiro 2015
Quando o monge trapista Matt Torpey fala de seu mentor, o professor e amigo Thomas Merton (foto), as palavras fluem como uma corrente suave, condizente com a memória de Merton, um homem bem conhecido até mesmo em sua própria época e agora lembrado como, talvez, o escritor mais influente do século XX.
A reportagem é de Elizabeth Eisenstadt Evans, publicada no sítio National Catholic Reporter, 31-01-2015. A tradução é de Claudia Sbardelotto.
Mesmo assim, Torpey se pergunta se o homem com quem ele passou tantas horas iria se reconhecer no panorama maior e, ocasionalmente, hagiográfico que foi construído nos anos após sua morte prematura em 1968.
Embora Merton fosse engraçado, compassivo, muito erudito, amoroso e, por vezes, delicado, Torpey disse que "ser visto como um santo iria matá-lo. Eles o elevaram a uma outra espécie. Ele não era uma outra espécie".
Torpey, hoje com 87 anos de idade, entrou na Abadia de Gethsemani quando Harry Truman era presidente dos Estados Unidos. Torpey é também, mesmo à distância, uma personalidade bastante notável. Membro de longa data da comunidade do Mosteiro do Espírito Santo em Conyers, Georgia, embora recentemente tenha sofrido uma série de reveses médicos, as emergências não têm diminuído o seu senso de humor travesso ou a sua sinceridade desarmante.
"A vida é muito boa", disse ele. "Eu tenho sido muito abençoado".
Falando do homem que conhecia tão bem, ele disse: "Eu quero que eles [seus companheiros monges] saibam como ele era, mas eu também quero que toda a Igreja saiba".
Com uma clareza não ofuscada pelo tempo e uma memória incisiva com os detalhes, ele evoca a imagem de uma era monástica de longa data e define, neste contexto, o prodigiosamente talentoso e ainda muito humano Merton, um homem que Torpey disse ter tido "uma relação muito animada com Deus".
Torpey entrou na vida monástica em 1950. Aqueles dias, antes do Concílio Vaticano II, incluíam missas em latim, penitências severas, silêncio quase absoluto e uma hierarquia na qual o abade tomava muitas, senão a maioria, das decisões em nome da comunidade.
"Eu vivi [na comunidade] com Merton por sete anos, e os dois primeiros em sua presença diária foram em silêncio absoluto", disse Torpey. "Basicamente, nós usávamos uma linguagem simples de sinais. Nós realmente não falávamos uns com os outros. Nós definitivamente não conversávamos sem permissão".
Durante os anos que se seguiram, Merton foi tanto "mestre escolástico" (instrutor dos monges que buscam o sacerdócio, os quais já tinham feito o primeiro conjunto de votos, conhecido como votos temporários), bem como o diretor espiritual de Torpey.
Como lembra Torpey, as palestras de Merton na sala flamingo (ele tinha escolhido pintá-la de cor-de-rosa) englobava qualquer assunto que fosse de seu interesse, incluindo não só as questões sociais do dia, mas também as coisas mais esotéricas, como o significado dos "cultos à carga", uma prática religiosa incomum que surgiu quando nativos do Pacífico Sul encontravam navios de carga da Europa.
Merton também "gostava de falar sobre homens que se tornaram santos quando algo deu errado na sua vida ... pessoas improváveis que se tornaram pessoas de Deus", disse Torpey.
Embora Torpey tratasse seu diretor espiritual com o mesmo respeito que tratava o seu abade, ele disse que havia momentos em que Merton dizia: "Eu vejo isso assim', e eu dizia: 'Eu não acho, mas, provavelmente, verei assim quando eu andar pelo claustro a partir de agora". Não raro, continuou, ele deixava a sessão com Merton e acontecia algo para confirmar as intuições de Merton. Merton também tinha talento para o mimetismo, que ele usava, ocasionalmente, para animar as suas reuniões.
Merton, às vezes, ficava tão abalado com o poder de uma leitura das Escrituras, como a história de Jonas, que iria transparecer apesar de todos os seus esforços para esconder isso enquanto escutava a Eucaristia ou durante a liturgia das horas, disse Torpey.
Tão popular quanto ele era fora dos muros do mosteiro, Merton não era universalmente apreciado dentro dele - como "um profeta dentro de sua própria casa, não por causa de qualquer falha, mas aqui estavam uns quantos homens que supostamente deveriam viver escondidos, longe do mundo, e aqui está esse homem recebendo todos os tipos de atenção", disse Torpey. "Nós incomodamos algumas pessoas simplesmente por ser quem somos".
Perto do fim da vida de Merton, o seu interesse pelas religiões orientais cresceu, e ele se envolveu em um relacionamento romântico, que mais tarde renunciou, com uma enfermeira, Margie Smith.
Torpey, que naquela época vivia em um mosteiro trapista em outra parte do país, teve a oportunidade de discutir os sentimentos de Merton com a mulher mais jovem. Como ele e alguns dos biógrafos de Merton veem, o relacionamento foi uma chance de resolver alguns dos seus sentimentos com as mulheres - e uma oportunidade de experimentar ser amado.
"Eu não acho que ele se permitiu sentir o amor. Isso é demais", disse Torpey. "Merton, como muitos jovens, tinha um pouco de medo do amor, desse impulso de entregar-se ao outro. Deus deu uso ao amor e o apontou para si mesmo, mas não exclusivamente".
Às vezes, como coloca Torpey, Deus escolhe escrever certo em linhas tortas.
"Minha opinião de Merton é que o deixar-se ser amado foi uma experiência útil. Como uma antiga testemunha, tenho a impressão de que essa foi uma experiência de expansão da vida", disse Torpey, acrescentando que ele não acredita que "tivesse ido muito longe".
"Mas o abade, naquele momento, me garantiu que Merton não ia a lugar algum - que não era Merton, e que ele não estava indo embora com a enfermeira, e que ele não estava indo se juntar aos budistas. Ele sabia que esta vida [a vida de monge] era sua vocação".
Quando Torpey soube da morte de Merton em um acidente envolvendo um ventilador elétrico na Tailândia, ele disse conseguir imaginar os últimos momentos do monge: "Ele era um desajeitado com a tecnologia".
Mas ao final, o que define Merton, o amigo de Torpey, era outro tipo de força - aquela de uma vida fiel mas imperfeita.
"Ele era compassivo, tinha um grande senso de humor, era muito humano e queria que eu tivesse vida", disse ele. "Ele investiu muito em mim".
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Thomas Merton teve ''uma relação muito animada com Deus'' - Instituto Humanitas Unisinos - IHU