Por: André | 05 Fevereiro 2015
“El Salvador é um país pequeno, que sofre e trabalha. Aqui vivemos grandes diferenças no aspecto social: a marginalização econômica, política, cultural, etc. Em uma palavra: INJUSTIÇA. A Igreja não pode ficar calada diante de tanta miséria, porque seria infiel ao Evangelho, seria cúmplice de quem aqui pisoteia os direitos humanos. Esta foi a causa da perseguição da Igreja: sua fidelidade ao Evangelho”. São palavras de Oscar Arnulfo Romero, o arcebispo de El Salvador assassinado em 1980 pelos esquadrões da morte enquanto celebrava missa e que em breve será beatificado. Na terça-feira, 03, o Papa Francisco reconheceu seu martírio. Trata-se de uma carta que Romero escreveu a S. Wagner em 9 de fevereiro de 1978. Um fragmento contido no livro “Se me matam, ressuscitarei no povo. Inéditos 1977-1980”, o volume de cartas inéditas publicada pela Editrice Missionaria Italiana que estará disponível nas livrarias a partir do dia 24 de março, a 35 anos da sua morte. Trata-se de uma antologia que deixa ver uma vez mais a estatura humana, cristã e sacerdotal de Romero.
Fonte: http://bit.ly/16sOSDR |
A reportagem é de Andre Tornielli e publicada no sítio Vatican Insider, 03-02-2015. A tradução é de André Langer.
“Durante muitos anos na Igreja – escrevia o arcebispo mártir a Alfredo T. no dia 28 de outubro de 1977 – fomos responsáveis pelo fato de que muitas pessoas vissem na Igreja um aliado dos poderosos no campo econômico e político, contribuindo dessa maneira para formar esta sociedade de injustiças na qual vivemos... Deus nos está falando através dos acontecimentos e das pessoas. Falou-nos por meio do padre Rutilio Grande, do padre Navarro (sacerdotes assassinados, ndr.), dos camponeses, etc. Fala-nos por meio da paz, da esperança que sentimos inclusive no meio de tantos sofrimentos”.
Em outra carta privada, de novembro de 1977, dom Romero falava do “pecado social”: “A situação social de El Salvador é terrivelmente injusta. Vivemos no pecado social: a Igreja está procurando fazer chegar a sua voz a todos os ambientes para que, como cristãos, assumamos a nossa responsabilidade para vencer o pecado e construir a fraternidade com base na justiça”.
No livro aparece também, e claramente, que o arcebispo assassinado não era nenhum tipo de agitador político: sua decisão de caminhar junto com os pobres era evangélica e Romero pedia aos sacerdotes e religiosos para que se abstivessem de participar de manifestações políticas. Enquanto se aproximavam algumas manifestações de grupos estudantis e sindicatos – escreveu em junho de 1977 ao padre José C.R. –, Romero pediu-lhe “vivamente para que não participe. Você não ignora todos os problemas que a nossa Igreja deve enfrentar neste momento histórico. Não seria nem justo nem oportuno acrescentar outros problemas com a participação de sacerdotes em manifestações políticas. Temos muitas e amargas experiências”.
Mas este particular, obviamente, não significava indiferença: “É sempre lamentável que os trabalhadores da vinha, que deveriam estar na primeira linha na pastoral de Medellín e Puebla – escreveu Romero em agosto de 1979 – escolham uma posição cômoda que os deixa indiferentes diante dos necessitados de que fala o Evangelho. Rezemos por nossa perseverança e para que muitos voltem à fidelidade”.
É notável, para concluir, a passagem de uma carta a José Heriberto S.R., escrita em 16 de novembro de 1977: “Como me pergunta o que penso da formação em um quartel, tratarei de dar-lhe a minha opinião mediante a realidade que vemos todos os dias em nosso país. Seguramente, em um quartel não educam para viver de acordo com o plano de Deus. Você conhece as ações de muitas pessoas que se formam nos quartéis e pode ver com clareza que não são comportamentos cristãos. Ser homem significa ter a coragem de construir um mundo de fraternidade, de enfrentar os problemas que se apresentam dia a dia tanto em nível pessoal como em nível social; enfim, significa desempenhar a tarefa para a qual Deus nos colocou neste mundo: SER HOMEM é CONSTRUIR e não DESTRUIR. Caso se envolver ou acabar nesse lugar, tenha sempre presente seus princípios cristãos, e defende-os com coragem”.
Como se sabe, a causa de Romero sofreu anos de atrasos. Depois que começou a fase romana do processo, em 1998, a Congregação para a Doutrina da Fé examinou o caso. Este foi o resultado, de acordo com o que afirmou o postulador da causa, o bispo Vincenzo Paglia, em uma entrevista concedida a Stefania Falasca e publicada no jornal italiano Avvenire: “O resultado final do estudo dos testemunhos processuais, dos documentos e das mais de 50 mil cartas do arquivo de Romero é que seu pensamento teológico era ‘igual àquele de Paulo VI, definido na exortação Evangelii Nuntiandi’, como ele mesmo respondeu em 1978 àqueles que lhe perguntavam se apoiava a Teologia da Libertação. E que, substancialmente, em um contexto histórico caracterizado por expressa polarização e por uma cruel luta política, interpretou-se, por conveniência, com a ideologia marxista a defesa concreta dos pobres, que Romero defendia não por proximidade com as ideias socialistas, mas por fidelidade à Tradição, que sempre reconhece a predileção dos pobres como eleição de Deus”.
Romero, explicou Paglia, diante da repressão do governo militar e do nascimento de grupos guerrilheiros revolucionários, diante dos sacerdotes assassinados e torturados, diante de um clima de violência e de perseguição, reagiu “como bispo” e pediu “insistentemente justiça às autoridades”, além de proteção “para os oprimidos, o clero e os fiéis perseguidos”. Tudo isto seguindo os ensinamentos dos “Padres da Igreja e mediante o magistério conciliar e pontifício. Poucos meses antes de morrer, quando um jornalista venezuelano lhe perguntou, pela enésima vez, sobre sua conversão de sacerdote de batina em pastor militante, respondeu: “Minha única conversão é a Cristo, e ao longo de toda a minha vida”.
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As cartas de Romero sobre a injustiça: “A Igreja não pode ficar calada” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU