23 Janeiro 2015
A grande maioria das nações do mundo, no próximo dia 27 de janeiro, celebrarão pela décima vez o "Dia da Memória", instituído com uma resolução da Assembleia Geral da ONU no dia 1º de novembro de 2005, durante o 42º período de sessões.
A reportagem é de Luis Badilla, publicada no sítio Il Sismografo, 21-01-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
No dia 25 de janeiro de 2005, a mesma Assembleia havia celebrado o 60º aniversário da "libertação dos campos de concentração nazistas e o fim do Holocausto". A data de 27 de janeiro corresponde ao dia, há 70 anos (1945), quando o Exército Soviético descobriu e abriu o infame campo de concentração de Auschwitz, situado em Birkenau (em polonês, Brzezinka), na Polônia.
E não foi o primeiro, como muitas vezes se escreve, a ser descoberto e aberto pelos soviéticos. Algumas semanas antes, as tropas soviéticas tinham alcançado e aberto Chelmno e Belzec, onde, sendo campos de extermínio, não encontraram sobreviventes.
* * *
Trechos da homilia de João Paulo II no campo de concentração de Auschwitz (Brzezinka, 7 de junho de 1979):
Venho aqui hoje como peregrino. Sabe-se que muitas vezes me encontrei aqui... Quantas vezes! (…) Venho para rezar com todos vocês que hoje vieram aqui – e junto com toda a Polônia – e junto com toda a Europa. Cristo quer que eu, como Sucessor de Pedro, preste testemunho diante do mundo daquilo que constitui a grandeza do homem dos nossos tempos e a sua miséria. Daquilo que é a sua derrota e a sua vitória.
Venho, então, e me ajoelho sobre este Gólgota do mundo contemporâneo, sobre estes túmulos, em grande parte sem nome, como o grande túmulo do Soldado Desconhecido. Ajoelho-me diante de todas as lápides que se sucedem e sobre as quais está gravada a comemoração das vítimas de Oswiecim (Auschwitz) nas seguintes línguas: polonês, inglês, búlgaro, cigano, tcheco, dinamarquês, francês, grego, hebraico, yddish, espanhol, flamengo, servo-croata, alemão, norueguês, russo, romeno, húngaro e italiano.
Em particular, detenho-me junto com vocês, queridos participantes deste encontro, diante da lápide com a inscrição em língua hebraica. Essa inscrição suscita a recordação do Povo cujos filhos e filhas estavam destinados ao extermínio total. Esse Povo tem a sua origem em Abraão, o pai da nossa fé (fr. Rom. 4, 12), como se expressou Paulo de Tarso. Precisamente esse povo, que recebeu de Deus o mandamento: "não matar" experimentou sobre si mesmo, em medida particular, o que significa matar. Diante desta lápide não é lícito a ninguém passar adiante com indiferença.
Ainda quero deter-me diante de outra lápide: a de língua russa. Não acrescento comentário algum. Sabemos de que nação fala. Conhecemos qual foi a parte tida por essa nação na última terrível guerra pela liberdade dos povos. Diante dessa lápide, não se pode passar indiferentes.
Por fim, a última lápide: a de língua polonesa. Foram seis milhões de poloneses que perderam a vida durante a Segunda Guerra Mundial: a quinta parte da nação. Mais uma etapa das lutas seculares dessa nação, da minha nação, pelos seus direitos fundamentais entre os povos da Europa. Mais um alto grito pelo direito a um lugar próprio no mapa da Europa. Mais uma dolorosa conta com a consciência da humanidade. Escolhi apenas três lápides. Seria preciso determo-nos em cada uma das existentes, e assim faremos. (…)
Pronuncia estas palavras o sucessor de João XXIII e de Paulo VI. Mas as pronuncia, ao mesmo tempo, o filho da Nação que, na sua história remota e mais recente, sofreu dos outros um multíplice tormento. E não o diz para acusar, mas para recordar. Fala em nome de todas as Nações, cujos direitos são violados e esquecidos. Di-lo porque a isso o impelem a verdade e a solicitude pelo homem.
Santo Deus, Santo Poderoso, Santo e imortal!
Da peste, da fome, do fogo e da guerra... e da guerra, livra-nos, ó Senhor. Amém.
* * *
Trechos da mensagem de João Paulo II pelos 60 anos da libertação dos prisioneiros do campo de extermínio de Auschwitz-Birkenau (27 de janeiro de 2005)
Completam-se sessenta anos da libertação dos prisioneiros do campo de extermínio de Auschwitz-Birkenau. Nesta circunstância, não é possível deixar de voltar com a memória para o drama que ali ocorreu, trágico fruto de um ódio programado. Nestes dias, é preciso recordar os vários milhões de pessoas que, sem culpa alguma, suportaram sofrimentos desumanos e foram aniquilados nas câmaras de gás e nos crematórios. Inclino a cabeça diante de todos aqueles que experimentaram essa manifestação do mysterium iniquitatis. (…)
A ninguém é lícito, diante da tragédia da Shoá, ignorá-la. Essa tentativa de destruir de modo programado um povo inteiro estende-se como uma sombra sobre a Europa e sobre todo o mundo; é um crime que mancha para sempre a história da humanidade. Que isso sirva, ao menos hoje e no futuro, como advertência: não se deve ceder diante das ideologias que justificam a possibilidade de pisotear a dignidade humana com base na diversidade de raça, de cor da pele, de língua ou de religião. Dirijo o presente apelo a todos e particularmente àqueles que, em nome da religião, recorrem ao abuso e ao terrorismo.
Estas reflexões me acompanharam especialmente quando, durante o Grande Jubileu do Ano 2000, a Igreja celebrou a solene liturgia penitencial em São Pedro, e também quando me dirigi como peregrino aos Lugares Santos e subi a Jerusalém. No Yad Vashem – o memorial da Shoá – e aos pés do Muro ocidental do Templo, rezei em silêncio, pedindo perdão e conversão dos corações. (…)
Também os Rom nas intenções de Hitler estavam destinados ao extermínio total. Não se pode subestimar o sacrifício da vida imposto a esses nossos irmãos no campo de extermínio de Auschwitz-Birkenau. Por isso, exorto de novo a não passar com indiferença diante daquelas lápides. (…)
Durante a visita a Auschwitz-Birkenau, eu também disse que seria necessário parar diante de cada lápide. Eu mesmo o fiz, passando, em orante meditação, de uma lápide a outra e recomendando à Misericórdia divina todas as vítimas pertencentes às nações atingidas pelas atrocidades da guerra. Rezei também para obter, através da sua intercessão, o dom da paz para o mundo. (…)
No próprio abismo do sofrimento o amor pode vencer. O testemunho de tal amor, que emergiu em Auschwitz, não pode cair no esquecimento. Deve despertar incessantemente as consciências, extinguir os conflitos, exortar à paz.
Esse parece ser o sentido mais profundo da celebração deste aniversário. De fato, se estamos lembrando o drama das vítimas, fazemos isso não para reabrir feridas dolorosas, nem para despertar sentimentos de ódio e propósitos de vingança, mas para prestar homenagem àquelas pessoas, para trazer à tona a verdade histórica e, sobretudo, para que todos se deem conta que aquelas vicissitudes tenebrosas devem ser, para os homens de hoje, um chamado à responsabilidade ao construir a nossa história. Jamais se repita, em recanto algum da terra, aquilo que experimentaram homens e mulheres pelos quais, há 60 anos, choramos!
(Continua...)
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Dez anos da celebração do Dia da Memória. O magistério dos papas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU