23 Janeiro 2015
"As famílias sadias são essenciais para a vida da sociedade. Dá consolação e esperança ver tantas famílias numerosas que acolhem os filhos como um verdadeiro dom de Deus. Elas sabem que cada filho é uma bênção. Ouvi dizer que as famílias com muitos filhos e o nascimento de tantas crianças estão entre as causas da pobreza. Parece-me uma opinião simplista. Posso dizer, todos podemos dizer, que a principal causa da pobreza é um sistema econômico que tirou a pessoa do centro e colocou nele o deus dinheiro; um sistema econômico que exclui, exclui sempre: exclui as crianças, os idosos, os jovens sem trabalho... E que cria a cultura do descarte que vivemos. Acostumamo-nos a ver pessoas descartadas. Esse é o principal motivo da pobreza, não as famílias numerosas."
A reportagem é de Andrea Tornielli, publicada no sítio Vatican Insider, 22-01-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Essas palavras de Francisco durante a audiência geral da quarta-feira esclareceram e corrigiram uma interpretação equivocada daquilo que o próprio papa tinha dito na segunda-feira, 19 de janeiro, logo depois da partida do voo de Manila, na coletiva de imprensa com jornalistas do voo papal, durante a qual ele havia pronunciado a frase agora famosa sobre os coelhos.
A mensagem veiculada por muitos meios de comunicação, na verdade, havia sido a de um convite ao controle da natalidade – alguns falaram de uma abertura à contracepção – assim como a da bênção ao número de três filhos como ideal para a família católica. É sempre útil, nesses casos, voltar ao texto original. Às vezes, pode ser indispensável, levando-se também em conta, ao ler as respostas do pontífice, qual era a pergunta de partida.
Acima de tudo, vale a pena lembrar o que Francisco havia dito no último dia 28 de dezembro, recebendo no Vaticano as famílias numerosas:
"Caros pais, sou grato a vocês pelo exemplo de amor à vida, que vocês protegem desde a concepção ao seu fim natural, embora com todas as dificuldades e os pesos da vida, e que infelizmente as instituições públicas nem sempre lhes ajudam a suportar. Justamente vocês recordam que a Constituição italiana, no artigo 31, pede uma atenção especial às famílias numerosas; mas isso não encontra uma resposta adequada nos fatos. Permanece nas palavras. Portanto, espero, também pensando na baixa taxa de natalidade que há muito tempo se regista na Itália, uma maior atenção da política e dos administradores públicos, em todos os níveis, a fim de dar o apoio previsto a essas famílias. Cada família é célula da sociedade, mas a família numerosa é uma célula mais rica, mais vital, e o Estado tem todo o interesse de investir nela!"
Depois, devem ser citadas as palavras de Francisco, em grande parte improvisadas, durante o encontro com as famílias do dia 16 de janeiro, no Mall of Asia Arena, de Manila. Aqui o papa advertira contra as "colonizações ideológicas que querem destruir a família, que não nascem dos sonhos, da oração, do encontro com Deus, da missão que Deus nos deu. Vêm de fora. Por isso eu digo que são colonizações. Não percamos a liberdade que Deus nos deu, a missão da família".
"A situação econômica – acrescentou – provocou a fragmentação das famílias com a emigração e a busca de um emprego, além dos problemas financeiros que assolam muitos lares domésticos. Enquanto muitas pessoas vivem em extrema pobreza, outras são capturadas pelo materialismo e por estilos de vida que anulam a vida familiar e as mais fundamentais exigências da moral cristã. Essas são as colonizações ideológicas. A família também é ameaçada pelas crescentes tentativas, por parte de alguns, de redefinir a própria instituição do matrimônio mediante o relativismo, a cultura do efêmero, uma falta de abertura à vida."
Francisco tinha recordado o seu antecessor, o Papa Montini: "Penso no Bem-aventurado Paulo VI. Em um momento em que ele se propôs o problema do crescimento da população, ele quis defender a abertura à vida da família. Ele sabia das dificuldades que havia nas famílias; por isso, era tão misericordioso com os casos particulares e, na sua encíclica (a Humanae vitae), ele pediu que os confessores fossem muito compreensivos e misericordiosos. Mas olhou para a frente, para os povos da terra, e viu essa ameaça da destruição da família através da privação dos filhos. Paulo VI era corajoso, era um bom pastor e avisou as suas ovelhas do lobo que estava chegando. Que hoje ele nos abençoe do Paraíso!"
Esse é o contexto necessário para se inserir as duas perguntas que, durante a entrevista no avião, abordaram o tema da família. Sem esquecer que, sobre isso, o papa também falou indiretamente ao responder à pergunta sobre o que o tinha tocado dos filipinos, a qual ele respondeu, citando o exemplo dos pais que levantavam os seus filhos para serem abençoados, como se dissessem: este é o meu futuro, a minha esperança, o meu tesouro.
Aqui está a pergunta: "Eu gostaria de voltar por um instante ao encontro que o senhor teve com as famílias. Lá, falou da 'colonização ideológica'. Poderia nos explicar um pouco melhor o conceito? Depois, o senhor se referiu ao Papa Paulo VI, falando dos casos particulares que são importantes na pastoral das famílias. Pode nos dar alguns exemplos desses casos particulares e, talvez, dizer mesmo se há necessidade de abrir as estradas, de alargar o corredor desses casos particulares?".
Na primeira parte da resposta, Francisco fez referência a um exemplo concreto de "colonização ideológica" que aconteceu na Argentina e ligado à teoria de gênero. Depois, falando do Papa Montini, da Humanae vitae, ele disse:
"É verdade que a abertura à vida é uma condição do sacramento do matrimônio. Um homem não pode dar o sacramento à mulher, nem a mulher dá-lo ao homem, se não estão de acordo sobre esse ponto: de serem abertos à vida. Tanto é assim que, se se puder provar que este ou aquela se casou com a intenção de não ser aberto à vida, esse matrimônio é nulo, é causa de nulidade matrimonial. A abertura à vida: Paulo VI estudou isso com uma comissão: como fazer para ajudar tantos casos, tantos problemas, problemas importantes que dificultam o amor da família. Problemas de todos os dias. Tantos, tantos, não? Mas havia algo mais. A recusa de Paulo VI não era apenas aos problemas pessoais, sobre os quais dirá, depois, aos confessores para serem misericordiosos e entenderem as situações e perdoarem ou serem misericordiosos, compreensivos. Mas ele olhava para o neomalthusianismo universal, que estava em curso. E como se chama esse neomalthusianismo? Pois é, é o menos de 1% do nível de natalidade na Itália; o mesmo na Espanha. Aquele neomalthusianismo que buscava um controle da humanidade por parte das potências. Isso não significa que o cristão deve fazer filhos em série. Há alguns meses, em uma paróquia, eu critiquei uma mulher porque estava grávida do oitavo depois de sete cesarianas. 'Mas a senhora quer deixar sete órfãos?' Isso é tentar a Deus. Fala-se de paternidade responsável. Esse é o caminho: a paternidade responsável. Mas aquilo que eu queria dizer era que Paulo VI não foi um antiquado, um fechado. Não. Foi um profeta, que, com isso, nos disse: cuidado com o neomalthusianismo que está chegando."
É bastante claro, com a referência ao neomalthusianismo, que estava na mira do papa a desnatalidade que caracteriza as sociedades ocidentais e a imposição – outra colonização ideológica – de políticas de controle de natalidade para os países pobres em troca de ajudas financeiras. Aqui, uma primeira vez, Francisco cita o exemplo da mulher criticada. É evidente que a crítica certamente não é pelo oitavo filho, mas pelo oitavo filho depois de sete cesarianas e, portanto, pelo grave risco ao qual a mãe se submete.
Trazer à baila aqui, como alguns fizeram, o caso de Gianna Beretta Molla – a pediatra italiana que, grávida, com tumor no útero, preferiu morrer em vez de aceitar tratamentos que causariam danos ao feto e que foi canonizada pelo Papa Wojtyla – é totalmente enganoso.
Mas cheguemos à segunda resposta sobre o tema, que contém a frase sobre os coelhos e sobre a suposta família modelo com três filhos. Esta é, acima de tudo, a pergunta à qual o papa respondia. Note-se a referência à situação das Filipinas, à alegria de Francisco pelos tantos filhos nas famílias e, especialmente, para o fato de que, em média, cada mulher filipina tem mais do que três filhos.
"O senhor falou das tantas crianças nas Filipinas, da sua alegria por haver tantas crianças. Mas, segundo algumas sondagens, a maioria dos filipinos pensa que o enorme crescimento da população filipina é uma das razões mais importantes para a pobreza imensa do país, já que, em média, uma mulher nas Filipinas dá à luz mais de três filhos na sua vida, e a posição católica em relação à contracepção parece ser uma das poucas questões sobre as quais um grande número de pessoas nas Filipinas não está de acordo com a Igreja. O que o senhor pensa disso?"
Eis a resposta do pontífice:
"Eu creio que o número de três por família, que o senhor menciona, creio que é o que dizem os técnicos: que é importante para manter a população. Três por casal. Quando se desce abaixo disso, acontece o outro extremo, que acontece na Itália, onde eu ouvi – não sei se é verdade – que, em 2024, não haverá dinheiro para pagar os pensionistas. A queda da população. Por isso, a palavra-chave para responder é aquela que a Igreja usa sempre, e eu também: é 'paternidade responsável'. Como se faz isso? Com o diálogo. Cada pessoa, com o seu pastor, deve procurar como fazer essa paternidade responsável. Aquele exemplo que eu mencionei há pouco, daquela mulher que esperava o oitavo filho e tinha outros sete com cesariana: mas essa é uma irresponsabilidade. 'Não! Eu confio em Deus.' 'Mas, veja, Deus te dá os meios; sê responsável.' Alguns acreditam – desculpem-me a frase, hein – que, para ser bons católicos, devemos ser como coelhos, não? Não. Paternidade responsável. Isso é claro, e por isso, na Igreja, há os grupos matrimoniais, há os especialistas nisso, há os pastores, e se busca. E eu conheço muitas e muitas saídas lícitas, que ajudaram para isso. Mas você fez bem em me dizer isso. Também é curiosa outra coisa, que não tem nada a ver, mas que está em relação com isso. Para as pessoas mais pobres, um filho é um tesouro. É verdade, também aqui é preciso ser prudente. Mas, para eles, um filho é um tesouro. Deus sabe como ajudá-los. Talvez alguns não sejam prudentes nisso, é verdade. Paternidade responsável. Mas também é preciso olhar para a generosidade desse pai e dessa mãe que veem em cada filho um tesouro."
Acima de tudo, o papa nunca disse que a família modelo tem três filhos, como lhe foi erroneamente atribuído. Respondendo a uma pergunta que mencionava o número médio de filhos para cada mulher filipina superior a três, Francisco se limitou a lembrar que, segundo as estatísticas, três filhos por casal é o número mínimo para garantir a estabilidade da população. Abaixo desse limite, há a desnatalidade. E alguns países ocidentais, especialmente Itália, estão muito abaixo desse limite, a ponto de que essa situação – como, aliás, é bem conhecido – corre o risco de pôr em crise o estado social.
Em segundo lugar – lembremos que a pergunta era sobre as Filipinas –, Francisco lembrou que o ensinamento católico fala de "paternidade responsável". Isso não significa limitar-se a um ou dois filhos, nem mesmo a preestabelecer o seu número, muito menos a indicar um número perfeito.
Significa ser responsável no exercício da paternidade e da maternidade, levando em conta a possibilidade da família, da saúde da mãe, das diversas circunstâncias que sugerem distanciar uma gravidez da outra etc. A frase colorida sobre os coelhos, partindo da premissa do "desculpem-me a palavra, hein!", servia para refutar a ideia equivocada de que, para ser católico, é preciso ter filhos ao máximo.
Essa mensagem de Francisco não é original, não é sua e não é nova. Ela pode ser encontrada muitas vezes, por exemplo, no magistério de João Paulo II, que, no Ângelus do dia 17 de julho de 1994, no Ano da Família, disse: "O pensamento católico é muitas vezes incompreendido como se a Igreja sustentasse uma ideologia da fecundidade até o fim, levando os casais a procriar sem nenhum discernimento e sem nenhum planejamento. Mas basta uma leitura atenta dos pronunciamentos do Magistério para constatar que não é assim". Não havia os coelhos, mas o conceito é idêntico.
Francisco, na parte final da resposta, reitera que há muitas pessoas na Igreja capazes de ajudar os casais em dificuldade e também há "muitas saídas lícitas" (e esse "lícitas" provavelmente deve ser entendido como "de acordo com o 'ensinamento moral da Igreja") que podem ajudar a paternidade responsável. Assim como não deve escapar o fato de que, nas últimas palavras, o papa volta a olhar com simpatia para as famílias pobres e numerosas, fazendo notar a sua generosidade.
Como se vê, isolar a frase sobre os coelhos como síntese do pensamento do papa acaba distorcendo-a e transmitindo exatamente o oposto da mensagem que Francisco quis lançar, convidando as famílias nos países ocidentais a terem mais filhos, não menos, e reiterando a abertura à vida como intrínseca ao matrimônio.
O papa não agrediu, de modo algum, as famílias numerosas, muito menos quis indicar um número de filhos ideal, limitando-se a lembrar, diante de uma pergunta específica sobre a taxa de natalidade nas Filipinas, que o ensinamento da Igreja fala de paternidade responsável. Não há nada a interpretar ou a decifrar. Basta limitar-se a ler integralmente as duas perguntas e as respostas.
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Coelhos e número de filhos: duas coisas que o papa não disse - Instituto Humanitas Unisinos - IHU