22 Janeiro 2015
Quando o Papa Francisco chegou às Filipinas, em 15 de janeiro, a sua mente e o seu coração estavam centrados nas pessoas que ele estava indo visitar. O seu principal objetivo era consolar os sobreviventes de um supertufão quase apocalíptico ocorrido em 2013, mas ele também sabia que o país inteiro estaria extasiado pelo fato de o papa presente em seu território.
A reportagem é de John L. Allen Jr., publicada por Crux, 20-01-2015. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
As Filipinas contam com uma população formada por 81% de católicos. No entanto, os papas, assim como os políticos, tendem a elaborar suas mensagens para audiências múltiplas. Ainda que a concentração principal de Francisco possa ter estado sobre os filipinos, ele simultaneamente pareceu estar falando para um grupo muito menor, um que não estava presente fisicamente.
Com efeito, Francisco pareceu estar falando aos cerca de 300 bispos e outros líderes eclesiásticos que irão participar do próximo Sínodo dos Bispos sobre a família em outubro deste ano.
Uma forma de interpretar o que o papa estava tentando fazer é como uma forma de recomeçar o debate sinodal, assegurando aos conservadores de que, independentemente do que aconteça em outubro, o fundamental dos ensinamentos católicos sobre a sexualidade e a família não corre riscos.
Comecemos com esta premissa: em seu coração, o Papa Francisco gostaria de ver algumas mudanças em prol dos católicos divorciados e que se casaram novamente fora da Igreja e que estão, portanto, proibidos de comungar.
A sua resposta quando perguntado sobre o divórcio e o casamento pela segunda vez no civil, dada a bordo do avião papal no último mês de julho, vai nesta direção, assim como foi a sua escolha pelo Cardeal Walter Kasper – o defensor das mudanças – em preparar um discurso inicial para os debates sinodais num encontro de cardeais em fevereiro de 2014.
Ao ver os desenvolvimentos do Sínodo de outubro, Francisco certamente percebeu que a discussão sobre os divorciados e recasados envolvia fortes tensões relacionadas a outros assuntos: o quão acolhedora a Igreja Católica deve ser com os gays e lésbicas, por exemplo, e quão positiva a avaliação dela deveria ser sobre todos os tipos de relacionamentos “irregulares”, tais como viver juntos antes fora do casamento.
Os conflitos nestes assuntos foram muitos; e as divisões, profundas. Não há absolutamente nenhuma indicação de que, neste momento, o debate seria diferente. Na verdade, numa recente entrevista, o cardeal italiano Gianfranco Ravasi, membro da comissão de elaboração do documento final do Sínodo, disse que as opiniões estarão igualmente distribuídas no próximo encontro.
Francisco não é outra coisa senão um astuto em termos políticos, e já entendeu que, se ele quiser algo parecido com um consenso sobre a questão dos divorciados e recasados, terá que separá-la das polêmicas envolvendo a moralidade sexual.
Alguns observadores acharão difícil não se pensar que isto seja parte daquilo que as mensagens do papa sobre a família nas Filipinas buscaram realizar.
Na sexta-feira de noite, em Manila, Francisco teve um encontro com 20 mil famílias filipinas onde falou sobre aquilo que considera uma “colonização ideológica” da família. É uma expressão que exige certo conhecimento de mundo, mas imediatamente reconhecível aos conservadores culturais católicos.
A expressão se refere a uma crença fortemente mantida entre muitos católicos em lugares como a África, América Latina e Ásia de que os governos ocidentais e ONGs, bem como organismos internacionais tais como as Nações Unidas, estão usando o seu controle das ajudas para o desenvolvimento no intuito de obrigar as culturas, nos países em desenvolvimento, a adotarem costumes sexuais mais liberais: por exemplo, distribuir camisinhas como condição para receber concessões, ou garantir os direitos dos homossexuais a fim de receber avaliações favoráveis para outras formas de auxílio econômico.
Numa coletiva de imprensa, o Federico Lombardi, porta-voz do Vaticano, confirmou que Francisco tinha, parcialmente, o casamento homoafetivo em mente quando usou a expressão “colonização” e também quando se referiu às tentativas de se “redefinir” o significado da família.
Naquela noite em Manila, Francisco igualmente abandonou o seu texto preparado para fazer uma forte defesa do Papa Paulo VI e de sua polêmica encíclica de 1968, Humanae Vitae, documento que reafirmou a proibição do uso de métodos contraceptivos para o controle de natalidade.
“Ele teve a ousadia de defender a abertura à vida numa época em que muitas pessoas estavam preocupadas com o crescimento populacional”, disse Francisco.
Qualquer um que esteja acompanhando este papa sabe que quando ele abandona o texto escrito, é porque aquilo que vem a seguir é importante para ele.
Francisco voltou a falar sobre estes assuntos na coletiva que concedeu a bordo do avião que o trouxe a Roma segunda-feira.
Antes que o avião partisse, ficou-se sabendo que o papa gostaria de falar sobre a “colonização ideológica”. Ávidos a ouvir o que ele tinha a dizer, nós, jornalistas, ficamos felizes em assim proceder.
Francisco deu uma longa resposta. Em resumo, disse que tais tentativas de colonização são verdadeiras e que ele próprio testemunhou um caso.
O pontífice contou uma história de quando era bispo argentino a respeito de um ministro de educação que precisava de um empréstimo para a construção de escolhas populares, e tendo recebido uma oferta sob a condição de que os livros didáticos usados nela contivessem referências à “teoria de gênero”.
Esta é mais uma expressão opaca para muitos, mas que é imediatamente reconhecível pelos católicos que lidam com questões de família. Basicamente, “teoria de gênero” se refere à ideia de que a identidade sexual é um constructo social, não sendo parte de nenhum direito natural e que, portanto, todos os tipos de orientações e comportamentos sexuais são perfeitamente aceitáveis.
Francisco descreveu esta colonização como um ataque ao direito dos povos de fazerem as suas próprias escolhas e de preservarem a sua própria identidade.
Ele também citou os bispos africanos como tendo levantado esta questão no Sínodo. Durante este encontro, os africanos surgiram como um centro forte de resistência a qualquer liberalização da ética sexual e, ao se alinhar com o diagnóstico deles sobre a colonização ideológica, o pontífice indiretamente deixa-os saber que ele não representa um inimigo.
Algumas manchetes surgidas a partir desta coletiva de imprensa focaram a luz verde do papa em limitar o tamanho das famílias católicas, em parte porque ele disse uma frase memorável: “Para alguém ser um bom católico, não precisa se reproduzir como coelhos”.
No entanto, na medida em que se analisam estas palavras, descobrir-se-á que ele, de maneira alguma, estava falando sobre a contracepção, visto que novamente ele elogiara Paulo VI e mesmo disse que este papa estava tentando repelir uma ideologia “neomalthusiana” de controle populacional.
Pelo contrário, Francisco estava falando sobre o Planejamento Familiar Natural, o método aprovado pela Igreja para se limitar e controlar o tempo dos nascimentos de filhos, que há muito tem sido a paixão dos conservadores católicos quando se discute sobre assuntos de família.
A questão é que a ala conservadora da Igreja poderá olhar para o que Francisco tinha dizer nas Filipinas concluir que, independentemente do que aconteça sobre a questão dos divorciados e recasados, o equilíbrio do ensinamento da Igreja sobre a sexualidade humana está seguro.
É válido perceber que, em meio a toda esta conversa sobre a família, Francisco nunca disse uma palavra sobre os divorciados e recasados. A implicação aparente é que se trata de questões separadas.
Quando aos motivos por que Francisco teria escolhido as Filipinas para recomeçar estas discussões, há claramente dois:
• Primeiro, as Filipinas é um país que recentemente aprovou uma lei polêmica sobre a Saúde Reprodutiva, garantindo acesso universal aos métodos contraceptivos, mesmo contra uma forte oposição católica. Se ele tivesse ficado calado sobre este assunto, os católicos pró-vida poderiam ficar tentados a concluir que o ensinamento da Igreja sobre o assunto simplesmente não é uma prioridade deste papa.
• Segundo, Francisco precisava de um palco grande, distante o suficiente do Sínodo sobre a família deste ano a fim de fazer alguma diferença. Sempre que um papa estabelece um novo recorde de participantes numa missa, as pessoas param para prestar atenção.
Somente Francisco pode dizer se enviar uma mensagem ao Sínodo dos Bispos 2015 fazia parte de sua agenda explícita nas Filipinas.
Seria uma grande coincidência, no entanto, se um papa, que muitos argentinos acreditam estar entre os políticos mais talentosos que o seu país já produziu, tivesse, acidentalmente, recomeçado um debate perfeitamente calculado.
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Papa Francisco recomeça o debate sobre a família e sexo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU