Por: Jonas | 23 Janeiro 2015
“As relações com as demais forças de esquerda após as eleições, as iniciativas em escala regional e local com os aliados e a mobilização popular são condições absolutamente necessárias para a sobrevivência de um governo de esquerda, um governo que tenha o Syriza como coluna vertebral. Condições necessárias também para iniciar um processo de derrubada do sistema e não simplesmente para “frear” a “reestruturação capitalista” que, há anos, ocorre na Grécia e na Europa. A vitória pode ser nossa”, escreve Dimitris Belladis, membro da Plataforma de Esquerda do Syriza e candidato nas eleições parlamentares gregas, do próximo dia 25 de janeiro, em artigo publicado por Rebelión, 21-01-2015. A tradução é do Cepat.
Eis o artigo.
Syriza pode se tornar uma força de contestação antineoliberal e anticapitalista, embora infelizmente esta coalizão também possa ser a base de um governo que aplique uma política social-liberal. Não existe uma terceira solução.
Após a queda do governo de coalizão entre a Nova Democracia e o Pasok (Movimento Socialista Pan-Helênico) - apesar dos esforços coordenados do capital e das instituições da zona do euro em sustentar o governo de Samaras e apesar da propaganda que pressagia o afundamento da economia grega -, a perspectiva das eleições abriu uma possibilidade para o Syriza e para o conjunto da esquerda grega e internacional. É a primeira vez, desde o período da ocupação durante a Segunda Guerra Mundial - período em que a esquerda comunista tradicional teve a oportunidade de assumir o poder governamental na Grécia e na Europa -, que a esquerda radical tem a possibilidade de assumir o governo sozinha ou em coalizão. É também a primeira vez desde o começo da crise econômica internacional, em 2007-2008, que um país submetido à supervisão de instâncias internacionais (a Troika) terá a oportunidade de contar com um governo de esquerda.
O êxito ou o fracasso desta experiência terá enormes consequências políticas, ideológicas, morais e psicológicas para os diversos componentes da esquerda que se situam “à esquerda da social-democracia”, e isto determinará o êxito ou o fracasso imediato, neste período, do que se qualificou de “guerra de posições” ou de “via democrática ao socialismo”, segundo as diferentes maneiras de se focar esta situação. Ou bem a esquerda abre uma via de ruptura decisiva com o capital – muito distinta de uma simples “gestão humanitária” da crise capitalista – e empreende uma transição ao socialismo, em cujo caso adquiriria um peso moral suficiente para lançar ao mar a famosa fórmula de que “hoje não podemos avançar para o socialismo; esta perspectiva pertence a um futuro muito distante”. Ou bem a esquerda (Syriza) não se converterá em uma força social-democrata clássica, mas, sim, em uma gestora social-liberal, uma correia de transmissão das políticas variáveis do Banco Central Europeu (BCE) ou dos Estados Unidos, em um governo que manterá boas relações com Merkel, Schäuble, Juncker e companhia.
A única alternativa credível ao liberalismo puro e duro não consiste em restaurar um keynesianismo clássico ou edulcorado, mas, sim, passa em acentuar uma perspectiva anticapitalista que abra caminho para o socialismo como única estratégia de saída da longa crise capitalista estrutural sobre a base de um programa transitório.
A partir deste ponto de vista, estamos de acordo com a afirmação de que o Syriza “não pode se tornar uma social-democracia”, como muitas vezes os líderes da coalizão da esquerda radical declaram. Com um acréscimo importante: o Syriza pode se tornar uma força antineoliberal e anticapitalista - mediante a construção de uma frente de esquerda, de baixo para cima -, como também pode abrir caminho para um governo de gestão social-liberal.
O programa imediato
Caso se confirme a perspectiva de uma ruptura, o que adquirirá atualidade e uma grande importância tática será a questão de um programa governamental imediato (os “cem primeiros dias”), acompanhado de um apoio popular e social de natureza dinâmica. Este programa deve marcar um retorno à postura forte e enérgica do Syriza durante o período de 2008-2012 ou, inclusive, em certos momentos de 2012-2014, como a longa ocupação da ERT (a Rádio-Televisão pública grega fechada por Samaras em junho de 2013) ou a resistência nas florestas de Skouries (região em que o governo havia cedido para um grupo canadense a licença para explorar uma mina de ouro, provocando uma resistência ampla e decidida por parte da população). O programa exposto na Feira Internacional de Salónica, em setembro de 2014, pode servir de “veículo” para aumentar nossa influência, mas é insuficiente.
Os pontos programáticos apresentados naquela ocasião se referem ao que é estritamente necessário para a gestão e a resolução de uma crise humanitária aguda, mas é preciso acentuar medidas que modifiquem notavelmente o equilíbrio de forças entre as classes e que reflitam a potencial hegemonia das massas trabalhadoras no seio do Syriza. Trata-se de medidas como o retorno ao salário mínimo de 751 euros, a reintrodução dos convênios coletivos, a isenção fiscal das rendas anuais inferiores a 12.000 euros, a abolição da ENFIA (imposto sobre a propriedade do solo, inclusive das superfícies não habitadas), a reintrodução dos 14 pagamentos para os aposentados e o aumento para 700 euros da aposentadoria mínima. Junto a isto se somem os gastos nos setores da educação e da saúde e os investimentos em benefício do emprego público.
No entanto, o financiamento destas medidas não se concretizou suficientemente, exceto em relação às fontes destacadas em Salónica, a saber, a interrupção temporária do pagamento da dívida ou uma mudança do sistema tributário em relação ao capital, banqueiros, armadores e grandes proprietários. Para um governo de esquerda não é possível, nem desejável - na medida em que não se trata de um governo de “salvação nacional” -, satisfazer todas estas necessidades como se acabássemos de sair de uma guerra social que durou cinco anos e como se o que aconteceu fosse fruto de um desentendido. Portanto, precisamos esclarecer o que significa a “abolição” unilateral e inegociável dos memorandos em termos de leis que se apliquem ponto por ponto: leis relativas aos salários, aposentadorias, seguridade social e direito ao trabalho, sobre o controle do banco, a renacionalização dos setores privatizados e a eliminação do TAIPED, ou seja, o fundo para o desenvolvimento da propriedade pública, criado por Samaras para vender em troca de nada os bens públicos. Trata-se de colocar fim às demissões e ao desmantelamento de setores públicos (educação, saúde, etc.) e de assegurar algumas condições de vida dignas aos desempregados que deixem de receber o subsídio, aos cidadãos excluídos da seguridade social e aos imigrantes. Finalmente, é preciso restabelecer o direito de manifestação e retirar do espaço público as forças especiais da polícia. Ao mesmo tempo, será necessário lançar uma campanha e adotar medidas concretas contra o fascismo e o racismo. Em médio prazo, será necessário abolir todas as leis e regulamentos derivados da adoção dos memorandos, o que atingirá 400 leis e milhares de decretos e ordenanças.
O programa de conjunto
Convém recordar que o Syriza não só chegará ao poder governamental, nem desenvolverá seu programa político sobre a base do que manifestou Alexis Tsipras na Feira Internacional de Salónica de 2014. O Syriza tem um programa que precisará desenvolver e que foi adotado no congresso de julho de 2013. Este programa estabelece claramente os instrumentos políticos e econômicos para avançar em uma redistribuição social e uma reconstrução produtiva que responda às necessidades da sociedade. Isto implica um controle público e a propriedade do banco, a suspensão da privatização de empresas públicas que desempenhem uma função estratégica, assim como a adoção de medidas encaminhadas para responder as pressões e a chantagem do capital, da Troika e dos credores.
Estas medidas não deixaram de ser válidas após a feira de Salónica, onde foi manifestado o programa mínimo de aplicação imediata, mas não o conjunto de nosso programa de governo aplicável a curto e médio prazo. Um dos objetivos principais continua sendo a supressão do essencial da dívida, que é impossível de pagar, ao invés de meias medidas como uma reestruturação (com ampliação dos prazos de devolução), uma renegociação dos tipos de juros ou sequer uma estrita moratória. É impossível desenvolver uma política favorável às massas populares e trabalhadoras, caso continue o pesadelo da dívida e de seu reembolso ou o objetivo de um orçamento equilibrado de acordo com as exigências dos mecanismos europeus de estabilidade.
Para terminar, as relações com as demais forças de esquerda após as eleições, as iniciativas em escala regional e local com os aliados e a mobilização popular são condições absolutamente necessárias para a sobrevivência de um governo de esquerda, um governo que tenha o Syriza como coluna vertebral. Condições necessárias também para iniciar um processo de derrubada do sistema e não simplesmente para “frear” a “reestruturação capitalista” que, há anos, ocorre na Grécia e na Europa. A vitória pode ser nossa.
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Syriza enfrenta decisões difíceis - Instituto Humanitas Unisinos - IHU