18 Janeiro 2015
"A frase sobre o soco que o papa daria em quem dissesse um palavrão contra a sua mãe é uma piada e, como tal, deve ser tomada. Todos riram no avião, eu também, ouvindo-a novamente. É o seu discurso em geral, ao contrário, que deve ser bem compreendido. Francisco disse que não se deve reagir violentamente onde se é injustamente agredido ou insultado, mas também é verdade que, às vezes, criam-se situações em que uma certa violência não pode mais ser contida."
A reportagem é de Paolo Rodari, publicada no jornal La Repubblica, 17-01-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O cardeal Walter Kasper convida "a entrar no sentido das palavras que o papa proferiu de improviso no avião que o levava, na quinta-feira, para as Filipinas". Kasper esteve durante anos à frente do "ministério" vaticano que lida com o ecumenismo e é o redator da relatio que introduziu os trabalhos do Sínodo sobre a família.
Quando é perguntado sobre como se concilia o soco do papa com o evangélico "dar a outra face", ele responde lembrando que "Francisco destacou dois comportamentos possíveis, sem, por isso, querer julgar ninguém".
Eis a entrevista.
Eminência, o senhor considera lícita a publicação de caricaturas ofensivas sobre Maomé?
Eu digo que o papa tem razão. Não se pode provocar, não se pode insultar a fé dos outros, não se pode zombar da fé. Isso é fato. Como também é um fato que matar em nome de Deus é uma aberração. Mas a liberdade de expressão é tanto um direito quanto um dever. Ou seja, um direito que também envolve deveres. Entre eles, a compreensão de que existem limites e que existe uma responsabilidade.
Paul Ricoeur dizia que o paradoxo "desorienta para reorientar". Francisco fala por paradoxos, na sua opinião?
Ele gosta de surpreender. E, surpreendendo, faz com que se entendam melhor as coisas, como quando usou o paradoxo da abundância: "Há comida para todos, mas nem todos podem comer". Assim também nestas horas: os atos de terrorismo são aberrantes, e o papa não os justificou, mas, ao mesmo tempo, é preciso fazer um chamado à responsabilidade e ao senso do limite.
O senhor percebe diferenças entre as suas palavras dedicadas ao Islã e o pensamento de Bento XVI a respeito disso?
Substancialmente, não. Certamente, os estilos são diferentes, mas a substância é a mesma. E, de fato, foi o próprio Francisco que lembrou a lectio de Regensburg, quando Ratzinger tinha introduzido a referência à mentalidade pós-positivista que leva a crer que as religiões são uma espécie de subcultura. Aqui está outro foco que me parece decisivo. Existe um certo modo de pensar que, para além da sátira, despreza as religiões diferentes da própria. Para nós, católicos, também isso deveria ser uma aberração, que, dentre outras coisas, vai contra o Concílio Vaticano II, que havia convidado a não rejeitar nada do que há de verdadeiro e de santo em todas as religiões. As palavras de Francisco, além disso, na substância, são as mesmas usadas nestas horas pelo patriarca dos cristãos coptas, Tawadros II. "Rejeito toda forma de insulto pessoal, e, quando as ofensas dizem respeito às religiões, elas não são aprováveis nem no plano humano, nem no moral e social. Não ajudam a paz do mundo", disse ele em entrevista à agência Fides. E ele disse isso apesar dos inúmeros problemas que há no seu país no diálogo e na convivência com os muçulmanos.
Em diversos países muçulmanos, os cristãos são mortos ou forçados à diáspora. Que passos o Islã pode dar contra o fundamentalismo?
Eu espero, por parte do Islã, uma condenação a qualquer interpretação fundamentalista e extremista da religião E espero que essa condenação seja o mais possivelmente unânime. Considero que o problema é principalmente um: o Islã é uma religião que não consegue ter uma única interpretação do Alcorão. Falta-lhe uma hermenêutica séria. Até mesmo o Antigo Testamento apresenta textos de indubitável violência, mas temos uma hermenêutica que nos ensinou a decifrar as palavras.
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''O soco do papa? Só uma piada, mas é justo o chamado à responsabilidade.'' Entrevista com Walter Kasper - Instituto Humanitas Unisinos - IHU