13 Janeiro 2015
Na véspera da visita, a acontecer entre os dias 13 e 15 de janeiro, do Papa Francisco à bela ilha do Sri Lanka com os seus 21 milhões de habitantes, conhecida como a “pérola do Oceano Índico”, perguntei a Hector Welgampola – experiente jornalista católico – sobre a significação desta visita do papa a um país de maioria budista, com consideráveis comunidades hindus e muçulmanas, onde os cristãos (a maioria católicos) são uma minúscula minoria de 1.5 milhão de fiéis.
A entrevista é de Gerard O’Connell, publicada pela revista America, 10-01-2015. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Hector Welgamola, jornalista, foi editor do semanário católico local de 1972-1987 e, depois, serviu por 14 anos como editor chefe da UCA News, a principal agência noticiosa católica na Ásia.
Na entrevista a seguir, falamos sobre a situação eclesial e do país na medida em que Francisco vai à ilha para canonizar o primeiro santo local e rezar pela reconciliação entre a população depois de uma guerra de 30 anos entre as forças governamentais e os Tigres Tâmeis, que que terminou brutalmente com a derrota dos últimos em meio de 2009. O conflito deixou 100 mil mortos, centenas de milhares de deslocados e muitas feridas abertas, especialmente no norte onde Francisco vai rezar, no famoso Santuário Mariano em Madhu, pela reconciliação entre todas as comunidades do Sri Lanka, para secar as lágrimas e, talvez, até mesmo para lamentar.
Eis a entrevista.
Qual significação da visita do Papa Francisco ao Sri Lanka?
As tradições eclesiásticas asiáticas do culto eucarístico, a devoção mariana e a lealdade ao papado têm sido uma herança de fé muito valorizada pelos católicos do Sri Lanka.
Por isso, as três visitas papais ao país foram marcos preciosos na história recente de nossa Igreja. Na primeira visita papal em 1970, o Paulo VI deu um impulso moral à comunidade católica, ferida pelo fato de o governo ter tomado o controle das escolas católicas. Em sua visita de 1995, o João Paulo II beatificou o Pe. Joseph Vaz, quem tinha reavivado a fé católica banida pelos colonizadores holandeses.
A visita de 2015 do Papa Francisco está sendo ansiosamente esperada por causa da canonização do Pe. Vaz como o primeiro santo do país. Os católicos esperam que o evento promova a catequese e a evangelização assim como a visita da estátua da Virgem Peregrina de Fátima o fez, em 1951. A fama do estilo amigável e próximo das pessoas que o Papa Francisco tem criou a esperança de que a sua visita possa ser um evento mais pastoral do que um desfile papal. A relação entre o ascetismo do Pe. Vaz e o estilo de visão de Bergoglio é vista como um cenário para uma nova Epifania.
Faz 20 anos desde que João Paulo II visitou o país. O que mudou na Igreja e no Estado desde então? Qual a situação hoje?
O hiato de duas décadas entre as visitas de João Paulo II e Francisco viu mais do que uma mudança geracional. Além das mudanças no quadro de lideranças e pastoral, a Igreja no Sri Lanka viu o crescimento de uma nova geração de leigos com formação teológica. Além do impacto das desigualdades socioeconômicas e do consumismo formatado por um sistema educacional secularizado, a guerra étnica deixou a Igreja e o país feridos e divididos.
A guerra civil terminou, mas as feridas ainda estão abertas. O Papa Francisco irá rezar no Santuário Mariano em Madhu, que foi uma região em guerra. Qual a significação deste ato? O que o senhor espera que o Papa diga?
Num cenário assim, a decisão do Santo Padre de rezar no Santuário Mariano de Madhu é o traço mais inspirador e esperançoso de sua visita. Madhu, o venerado santuário mariano do país, é o refúgio espiritual tanto dos católicos cingaleses quanto dos católicos tâmeis. Este santuário, que o Pe. Vaz nomeou há três séculos como um dos oito locais centrais de missão do país, tem apoiado os católicos em muitas situações de calamidade. Tendo sobrevivido à violência da recente guerra étnica, ele surgiu como um símbolo de esperança para os católicos locais. Mas, por razões políticas, este símbolo do ministério apostólico do Pe. Vaz seria o local religioso apropriado para a sua canonização. Enquanto ao mesmo tempo espero que o Santo Padre tenha mais tempo para estar com as pessoas devastadas pela guerra no norte do país, espero também que ele fale em nome da justiça social e da paz assim como pelos direitos das pessoas à igualdade como cidadãos, e não pela mera tolerência como moradores num território ocupado por militares.
O senhor espera um chamado incisivo pela reconciliação por parte do Papa em Madhu? O que esta iniciativa significaria para as pessoas, a Igreja e o Estado?
A guerra e a psicose da guerra marcaram muitos católicos, tanto das comunidades cingalesas quanto tâmeis. Alguns líderes da Igreja tentaram se identificar com suas respectivas comunidades; outros esconderam seus rostos nas areias do tempo, enquanto uns poucos se atreveram a tomar uma postura reconciliadora profética. Um pequeno número de leigos, padres e religiosos continuam persistindo num testemunho cristão pela justiça e paz. Espero que o Santo Padre saúde e incentive o testemunho cristão dos promotores corajosos da justiça e os coloque como exemplo aos que carecem de uma liderança profética.
Ele deveria instar os legisladores a deixarem as pessoas livres para iniciarem uma reconciliação com base na justiça e na restauração efetiva do direito e do processo democrático. Ele faria bem em exortar todos os níveis de liderança do país para um serviço público genuíno livre de corrupção, nepotismo e altoengrandecimento. E se a visita papal a Madhu deva ser um serviço pastoral às comunidades do norte, então a comitiva do Santo Padre deva estar composta de pastores e não de políticos, com o auxílio da polícia civil, e não dos militares.
Na qualidade de líder da Igreja em todo o mundo, o Santo Padre deve estar bem ciente do papel difícil da Igreja local como comunidade multiétnica numa sociedade etnicamente polarizada. Num cenário como este, ele precisa saber da necessidade do “pequeno rebanho” em confiar na mensagem do Evangelho como orientação para a defesa da causa das minorias em luto sem indevidamente negar a maioria historicamente prejudicada. Este “pequeno rebanho” deveria ser desafiado pela preferência tão articulada do Papa Francisco de uma Igreja voltada ao serviço aos pobres, em vez de uma Igreja protegida no conforto assegurado pelo Estado.
Visto que a Igreja no Sri Lanka tem membros tanto cingaleses quanto tâmeis entre os bispos, clero, religiosos e leigos, a situação política minou a unidade da Igreja na ilha?
O Sri Lanka é o lar de quatro grupos étnicos: os cingaleses, os tâmeis, os búrgueres (que remontam os seus ancestrais aos colonizadores portugueses e holandeses) e os muçulmanos. Enquanto cada uma das outras principais religiões do país (budismo, hinduísmo e islamismo) tem uma base étnica específica, o cristianismo é a única com seguidores entre cingaleses, tâmeis e búrgueres. Como tal, os cristãos foram abençoados com a oportunidade de desempenhar um papel unificador no país. As igrejas precisam se esforçar no sentido da reconciliação étnica com a missão de autocura. As paróquias, dioceses e os movimentos religiosos precisam se unir, resistindo às tendências de separar os grupos étnicos.
Das 12 dioceses católicas do país, 8 estão em regiões predominantemente cingalesas e 4 estão em áreas predominantemente tâmeis. A maioria dos padres e religiosos que atuam nestas dioceses são nativos, cada uma delas é liderada por um bispo nativo da comunidade étnica principal da diocese. A conferência episcopal, presidida pelo cardeal arcebispo de Colombo, Dom Malcolm Ranjith, cingalês, compreende 14 bispos: 7 cingaleses ordinários e 4 tâmeis ordinários. Dois dos três bispos auxiliares da Arquidiocese de Colombo são cingaleses, enquanto que o terceiro é tâmil. O caráter multiétnico da comunidade católica continua sendo uma graça ainda pouco utilizada no serviço de uma nação ameaçada pela divisão.
Qual é a relação entre a Igreja e o Estado no Sri Lanka hoje?
Tradicionalmente, os líderes eclesiais no Sri Lanka evitaram as divisões políticas e lidaram com o Estado principalmente em questões que dizem respeito ao bem-estar do povo, tais como a educação e assistência a crianças, saúde, bem-estar da família e bens públicos. Ainda que os líderes eclesiásticos ocasionalmente falem abertamente sobre questões a dos direitos humanos, incluindo o bem-estar dos trabalhadores, as organizações e os apostolados leigos foram, em geral, os atores nas relações com o Estado.
Nos anos recentes, no entanto, o envolvimento crescente dos monges budistas em assuntos políticos pareceu encorajar os líderes católicos a se envolverem diretamente na esfera política, para a grande aflição dos leigos. Os católicos abominam os movimentos do clero e da hierarquia de agir, de mãos dadas, com os políticos, quaisquer que sejam os partidos. Os líderes eclesiásticos do Sri Lanka poderiam aprender bastante com o caminho evangélico que o Santo Padre adotou nas relações entre Igreja e Estado quando era arcebispo de Buenos Aires.
Qual a relação, hoje, entre cristãos e budistas no país?
As relações entre os católicos, budistas e hindus vêm sendo bastante positivas no nível pessoal, a pesar da insidiosa guerra étnica. No entanto, as relações já enfraquecidas entre estas religiões foram afetadas por incursões supostamente feitas por alguns grupos fundamentalistas, que, por sua vez, voltaram-se contra as relações dos católicos com budistas e hindus.
Alguns problemas se agravaram pelo suposto patrocínio estatal de um grupo militante budista, que teria tido início na euforia étnica do pós-guerra. Alguns grupos extremistas espalharam ódio religioso, profanaram e queimaram igrejas e santuários religiosos. Embora verdadeiros líderes religiosos destes diferentes agiram com calma e alimentaram uma amizade inter-religiosa, manter a sanidade entre alguns seguidores leigos não foi tarefa fácil.
Alguns católicos pediram o adiamento da visita do Papa por causa da decisão de se manter a eleição na véspera de sua chegada. Há riscos associados à visita do Papa Francisco por causa da eleição?
Os católicos acolheram com grande alegria o anúncio de que o Pe. Vaz será canonizado pelo Papa Francisco. Durante três séculos, eles esperaram por este dia sagrado na história da Igreja Católica local. Mas, assim como se lamentou a interrupção do período de Natal por causa das campanhas eleitorais, ficou-se também aflito em se ver a preparação espiritual para a canonização sendo dissipada por uma rivalidade política amarga nacional.
Visto que o Sri Lanka é conhecido por uma grande incidência de violência pós-guerra, os católicos locais temem pela segurança e vida do Santo Padre. É por isso que uns poucos grupos preocupados, incluindo bispos, padres e leigos, propuseram que a visita papal e a canonização fossem adiadas. Eles estavam confiantes que, se um tal pedido fosse feito, este papa não pomposo iria concordar em refazer o programa a fim de facilitar um benefício espiritual ideal com a canonização e sua visita papal.
De acordo com analistas políticos, vários fatores podem ter contribuído para o avanço da eleição presidencial. É provável que a crise econômica que se agrava no país acabe se aprofundando com o impacto de uma investigação a ser feita pela ONU relativa aos crimes de guerra. Os analistas também afirmam que a apresentação antecipada de um orçamento favorável ao povo e a pompa da visita papal foram vistas como um ambiente salutar para a vitória eleitoral. E, o mais importante, o conselho de astrólogos do presidente é tido como um fator central na escolha da data da eleição nos “auspícios do dia” 8 de janeiro!
Além disso, deve ser dito que os dois candidatos presidências comprometeram-se em garantir que a paz vai prevalecer após a eleição.
Como o povo do Sri Lanka e os católicos da ilha veem o Papa Francisco? O que há neste líder que mais ressoa entre as pessoas locais?
Como em grande parte do resto do mundo, o povo do Sri Lanka deixou-se levar pelo fenômeno Bergoglio. O estilo de vida simples do Papa Francisco e a sua aversão pela pompa e ostentação o tornou querido entre o povo, um povo que ainda valoriza a simplicidade gandhiana e a predileção asiática pela equanimidade. Em meio a todos os medos, eles rezam pela sua segurança e olham para esta sua visita como uma bênção conduzida pelo Espírito.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Esperanças e preocupações no Sri Lanka na véspera da visita do Papa Francisco - Instituto Humanitas Unisinos - IHU