08 Janeiro 2015
A Igreja de Francisco se descobre como "campo de refugiados": por isso, também deve se ocupar dos "refugiados do Concílio de Trento e do Vaticano I": seja daqueles vestidos de vermelho, que se sentam preocupados na Cúria Romana, seja daqueles de terno e gravata, que escrevem perturbados nos grandes jornais.
A opinião é do teólogo italiano Andrea Grillo, professor do Pontifício Ateneu S. Anselmo, de Roma, do Instituto Teológico Marchigiano, de Ancona, e do Instituto de Liturgia Pastoral da Abadia de Santa Giustina, de Pádua.
O artigo foi publicado no seu blog Come Se Non, 03-01-2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
As perturbações do católico médio [Vittorio] Messori. Se a Cúria Romana está doente, os leigos clericais não estão melhores.
Considero muito útil que Vittorio Messori tenha dado voz às suas reservas sobre o papado de Francisco. Ele não é o primeiro a fazê-lo, mas é importante que o tenha feita na forma de uma "confissão", como ele mesmo admite justamente no início do seu artigo.
Gostaria brevemente de examinar os argumentos que ele utiliza e gostaria de fazê-lo sine ira ac studio, controlando, o máximo possível, a forma do raciocínio e as implicações que ele subentende.
Começa-se, portanto, na forma de uma confissão: o Papa Francisco parece ser, aos olhos de Messori, "imprevisível" e "fonte de perturbação". Mas parece ser como tal apenas na medida em que Messori, com um esforço não exagerado, tenta se assemelhar ao "católico médio", que se identificaria naquele que tradicionalmente foi "exortado a se limitar a seguir o papa".
Já neste plano parece ser frágil demais o argumento retórico utilizado por Messori: ele constrói um modelo de católico com base em uma leitura substancialmente do século XIX, apologética e "papalina" da identidade, a qual gostaria de obrigar nada menos do que a identidade papal. Se alguém é o papa, segundo Messori, deve, acima de tudo, obedecer não à Palavra de Deus, mas à tradição humana do século XVIII de interpretação do primado petrino, aquela à qual o bispo Lefebvre está ligado definitivamente, com as consequências que conhecemos.
Há aqui uma inversão fragorosa das prioridades: a ordem social católica torna-se o critério de interpretação não só do papa, mas também da Igreja e da própria Palavra de Deus.
A partir desse primeiro grave erro argumentativo, Messori deduz, inevitavelmente, uma série de contradições entre "diversos papas", enumerando as várias tomadas de palavra que o Papa Francisco já nos acostumou a considerar com grande interesse: homilias, exortações, repreensões, telefonemas, piadas, considerações de sabedoria, decisões administrativas, impulsos proféticos, meditações pastorais...
E Messori, de modo aparentemente ingênuo, se pergunta: "Qual, dentre essas diversas formas de exercício do papado, devemos seguir?". Aqui também o defeito de raciocínio é bastante evidente e altamente preocupante. Como Messori é vítima de uma leitura apologética e "política" do papado, não consegue distinguir os diversos níveis de respeitabilidade [autorevolezza] e de autoridade [autorità] das expressões papais. O que diz respeito, evidentemente, não só a Francisco, mas a "todo" papa.
O embaraço de Messori deriva, evidentemente, de uma personalização indevida da figura papal, justamente aquela contra a qual Francisco gastou algumas das suas palavras mais fortes. Esse é o fruto de uma história que inicia com aquele "a minha pessoa não conta nada" de João XXIII, assomado na noite do dia 11 de outubro de 1962 à janela do Palácio Apostólico, debaixo a lua e diante da multidão à espera.
Essa mensagem, que depois o Concílio Vaticano II amplamente articulou e determinou, não chega até Messori. Ele não aceita a Igreja articulada, diferenciada, com ministerialidade plural: ele quer um papa forte, mas reduzido a um repetidor do Catecismo – e seria melhor ainda se ele se limitasse a ser um repetidor do Compêndio do Catecismo da Igreja Católica. À Igreja de Messori, serve não um papa verdadeiro, mas apenas um compêndio de papa, um papa assustado, nostálgico, esquivo, talvez com muita sabedoria, mas absolutamente sem profecia.
A tudo isso, no entanto, é preciso acrescentar a conclusão do texto de Messori, totalmente no "condicional", dedicada às hipóteses "diferentes" que ele poderia sugerir a Francisco, mas também selada com aquela indicação da oração como o horizonte de "colaboração", à distância, com o bispo de Roma.
Sobre isso, Messori e Francisco concordam: o segundo sempre pede que se reze por ele, e o primeiro concluiu convidando a rezar pelo papa. Tudo bem? Talvez.
Resta uma impressão profunda de incompreensão: Messori não consegue entender o primeiro papa "filho do Concílio Vaticano II". Ele podia entender os papas enquanto eles eram pais do Concílio. O primeiro filho papa do Concílio e filho da América é, para Messori, "imprevisível", justamente por ser "incompreensível".
Quão diferente e quão mais madura do ponto de vista eclesial, ao invés, tinha parecido a reação do grande moralista Marciano Vidal, quando, alguns meses depois da eleição de Francisco, tinha observado com perspicácia que Francisco logo tinha sido reconhecido como papa por causa de um "pressentimento eclesial", que a Igreja soubera elaborar 50 anos depois do Concílio.
Havia, na Igreja, um pressentimento da possibilidade de que um papa pudesse ser como Francisco. Por isso, pôde-se reconhecê-lo como papa, desde as suas primeiras palavras. A uma Igreja que confia no seu próprio pressentimento, seria fácil contrapôr uma Igreja feita somente de apegos e de ressentimentos... Seria fácil, mas não seria justo.
Em vez disso, gostaria de agradecer a Messori por essa sua confissão e também gostaria de recuperar o seu desejo de oração, como horizonte comum de uma Igreja que, descobrindo-se como "campo de refugiados", também deve se ocupar dos "refugiados do Concílio de Trento e do Vaticano I": seja daqueles vestidos de vermelho, que se sentam preocupados na Cúria Romana, seja com aqueles de terno e gravata, que escrevem perturbados nos grandes jornais.
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Messori, Boff e o Papa Francisco: quem ataca e quem defende. Artigo de Andrea Grillo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU