11 Dezembro 2014
A costarriquenha Christiana Figueres, a mais alta autoridade das Nações Unidas nas negociações sobre mudança do clima, acredita que a China é o país que mais está fazendo esforços no combate ao aquecimento global em comparação com EUA e União Europeia.
"Entre EUA e União Europeia, quem está fazendo mais sacrifícios e está contribuindo mais é a China", disse ela em entrevista a um pequeno grupo de jornalistas em Lima, durante a conferência climática conhecida por COP-20.
A entrevista é de Daniela Chiaretti, publicada pelo jornal Valor, 10-12-2014.
Ela diz que a China, além de ter prometido chegar ao pico de suas emissões em no máximo 2030, fará o mesmo com as emissões de carvão até 2020. "Numa economia deste tamanho, tão dependente de carvão, isto é algo extraordinário." Ela discorda que o compromisso chinês seja vago e diz que o país prepara há dois anos uma quantificação das suas emissões.
Figueres chefia a secretaria executiva da convenção sobre mudança do clima da ONU (UNFCCC) desde 2010, após a fracassada conferência de Copenhague. Ela vem de um país com tradição em proteger suas florestas, dar valor à biodiversidade e ganhar dinheiro com ecoturismo, e de uma família de tradição política. Seu pai, José Figueres Ferrer, foi três vezes presidente, restaurou a democracia, dissolveu o Exército e passou as verbas militares à educação. Seu irmão, José Maria Figueres, é autor de uma lei que fez com que a cobertura vegetal do país saltasse de 20% para 50% em pouco tempo e de um sistema de pagamento por serviços ambientais que remunera quem preserva com recursos arrecadados com a taxação de combustíveis.
Figueres faz um alerta aos governos para que incorporem a mudança do clima em seu planejamento e nas obras de infraestrutura. Diz que não faz sentido investir sem colocar a vertente climática nas avaliações de risco e que os jovens, com o poder de mudar o padrão de consumo, podem aliviar a mudança do clima no futuro. Leia a seguir trechos da entrevista:
Eis a entrevista.
Os países estão incluindo a mudança do clima no planejamento?
Uma coisa é o enfoque político, e outra, a realidade de cada país. Pelo aspecto político, é muito compreensível que os países em desenvolvimento digam que estão sofrendo os efeitos nocivos da mudança do clima e que estão tendo de assumir os custos das atividades de adaptação por culpa do que foi causado pelos outros, e que reivindiquem que sejam ajudados com isso. Essa posição é compreensível e se justifica. Ninguém questiona que existe a responsabilidade histórica por parte dos países industrializados. Os países em desenvolvimento dizem: "Bem, se vocês não tivessem causado o problema, eu não teria esse custo adicional". Mas ao lado disso está a realidade de cada país.
Faz sentido construir uma hidrelétrica onde estudos indicam que haverá seca no futuro?
Na Costa Rica, por exemplo, temos uma matriz energética muito limpa, baseada em renováveis, e boa parte disso é hídrica. Já sabemos que no norte há uma região que sofre com a seca e que vai continuar assim pela mudança do clima. Estudos indicam que essa região pode virar um deserto em cem anos. Não faz sentido colocar uma hidrelétrica ali. Essa é a realidade que todos os países têm de entender: todos sabemos que estamos vivendo uma nova realidade, inserida na mudança do clima. Nenhum país pode se dar ao luxo de planejar sua infraestrutura, sejam estradas, energia, resíduos sólidos, moradias, nada, sem contemplar a mudança do clima. Há uma linda rodovia no Panamá, por exemplo, recém-construída, mas me pergunto se hoje em dia faz algum sentido construir algo assim, porque está muito exposta aos impactos climáticos. Colocar uma hidrelétrica em área de seca não só não faz sentido como seria irresponsável por parte da agência de desenvolvimento do país.
Os países têm que assumir a adaptação à mudança do clima em suas economias?
No início de qualquer governo se fazem planos de investimento. Há que se incorporar a vulnerabilidade climática dentro do planejamento. Essa é a nova realidade. Se o país então percebe que não pode mais planejar uma hidrelétrica e o melhor seria investir em um parque eólico, e se há diferenças de custos, o argumento poderia ser que há um custo adicional na adaptação e que poderia ser financiado por recursos internacionais. O planejamento em saúde, por exemplo, também tem de ser visto dentro dessa perspectiva, considerando o aumento das doenças provocado pela temperatura mais alta. Na agricultura, já sabemos que há lugares que sofrerão mais secas e outros onde choverá mais, porque há distúrbios no padrão hidrológico. Isso já é sabido e tem que ser levado em conta.
E como surgiu a visão da Costa Rica, que há décadas despertou para a proteção ambiental?
Em parte foi para proteger a biodiversidade, mas também por uma questão muito prática. O país tinha de atrair investimentos de fora, e a ideia era proteger as belezas naturais para proteger o ecoturismo. Isso foi feito, há 50 anos, para proteger os recursos naturais e os hídricos, mas também para estimular o ecoturismo. Não era para salvar o planeta, mas algo muito prático, e está aí uma das grandes lições que se aplicam hoje à mudança do clima.
Pode explicar?
Os países que agora estão fazendo suas contribuições nacionais, as INDCs como se diz em inglês, estão contribuindo para salvar o planeta, mas não é só isso.
Qual o ponto importante das contribuições nacionais?
Se essas medidas não tiverem sentido para o país, não forem medidas que o país vê como investimento na sua estabilidade e no seu desenvolvimento econômico, se não tiverem relação com a atividade econômica do país, não terão futuro. Serão frágeis. Então é preciso pensar nas contribuições nacionais, como investir em uma matriz energética estável, que não dependa da importação de produtos fósseis, investir em eficiência energética, no cuidado maior dos solos, em um bom transporte público. Todo o tipo de medidas que possa ser feita para as contribuições nacionais têm que ser feitas, claro, mas fundamentalmente porque se trata de um bom investimento para o país. Essas duas agendas, de desenvolvimento econômico nacional e de proteção global, podem ocorrer em conjunto. Essa é uma grande lição. Quanto mais os países em desenvolvimento puderem fazer isso, mais terão um futuro mais estável e benéfico para suas populações, num contexto de mudança do clima que já não pode ser esquecido.
Como relacionar o planejamento de curto e longo prazo?
É preciso calibrar muito bem o que se está fazendo para cumprir uma agenda de curto prazo e pensar qual tipo de sociedade de longo prazo se quer construir. Isso vai muito além de um governo individual. Esse balanço faz parte da liderança política de cada país. Não é algo fácil de se fazer.
Porque teve tanto impacto o anúncio recente do acordo China e EUA de redução de emissões, se a China não estabeleceu um valor de corte e disse apenas que alcançará o pico das emissões antes de 2030?
A importância desse anúncio tem vários níveis. O primeiro é que são as duas maiores economias do mundo e os maiores emissores. Ainda que o tenham feito individualmente, é uma contribuição muito importante porque todos sabemos que o êxito de uma resposta à mudança do clima, embora não dependa exclusivamente dos EUA e da China, passa, claro, por aí. Sem esses dois, não há resposta. Segundo, esse anúncio saiu quatro meses antes do necessário, pois poderiam tê-lo feito até março de 2015 [quando os países devem anunciar as suas contribuições ao acordo climático].
E porque o fizeram antes da conferência de Lima?
Para mostrar sua liderança e mandar uma boa mensagem para [a conferência de] Lima. Em terceiro lugar, poderiam ter dado esse passo um independentemente do outro. Porque o fizeram juntos? Porque querem demonstrar que cada um está assumindo sua responsabilidade individualmente, como grandes economias que são, mas também que reconhecem que podem incrementar a solução da mudança do clima se colaboram em algumas áreas. E essa mensagem, de colaboração e de cooperação, é muito importante porque há muitos setores em que, se não houver cooperação entre países, não conseguiremos avançar. Transporte aéreo, por exemplo. Se não existir um acordo entre todos, não vamos sair do lugar. Ou tirar do mercado os gases HFCs [gases-estufa usados em geladeiras e aparelhos de ar-condicionado e que substituíram gases que causavam danos à camada de ozônio]. Há muitos setores que precisam dessa colaboração, e o acordo EUA-China manda essa mensagem. Esses são os três importantes eixos do acordo. E não concordo com a ideia de que, porque o número chinês não foi definido, a mensagem não é forte.
Por que não?
Para mim, entre todos, entre EUA e União Europeia, quem está fazendo mais sacrifícios e está contribuindo mais é a China. Eles disseram que vão chegar ao pico das emissões. A China é um país em desenvolvimento e tem uma grande população que precisa ainda sair da pobreza. Isso significa que vão ter que produzir uma grande quantidade de energia. E, sob o "business as usual", essa energia seria à base de carvão. E eles não disseram apenas que vão chegar ao pico das emissões de CO2 em 2030. Uma semana depois, os chineses disseram que irão alcançar o pico de suas emissões produzidas pelo carvão em 2020, ou seja, dez anos antes. Numa economia deste tamanho, com a dependência que tem do carvão, é algo extraordinário. Eles estão fazendo suas contas há dois anos. Conheceremos os números em março ou antes, quando se tornarão públicos. A mensagem política é global é muito importante.
Quais os temas críticos que se discutem em Lima?
Bem, o rascunho do acordo que tem que ser refinado aqui para 2015 e como os países irão, justamente, colocar suas contribuições nacionais, as INDCs, sobre a mesa. Como o financiamento irá se fortalecer para os próximos anos. Como irá se implementar o apoio à adaptação.
Qual o acordo ideal que deveria sair daqui para Paris?
Em primeiro lugar, um acordo onde estejam todos os países do mundo. EUA e China são chave, mas não são a única solução. Todos têm de participar de alguma maneira. E tem de haver uma modo de apoiar os países nesses esforços titânicos que já estão fazendo. Tem de constar do acordo o apoio que se dará sobretudo aos países em desenvolvimento, os que mais precisam de ajuda para conseguir reduzir suas emissões.
Na perspectiva global, eles têm que cortar emissões, mas na nacional têm que continuar crescendo. Porque, diante de todo o crescimento econômico que os outros países tiveram nos últimos cem anos, não se pode pedir a eles: "agora é a vez de vocês, que têm que tirar suas populações da pobreza, [cortarem emissões]. Terão que fazer isso [crescer] sem queimar os combustíveis fósseis". Digam um único país que esteja fazendo isso. Está sendo difícil até para a Alemanha, uma economia completamente industrializada. Há que apoiá-los com tecnologia, financiamento, com incremento de sua capacidade. O acordo tem de ter tudo isso e ser durável. Não pode ser um acordo para cinco anos. Tem que ser justo, eficaz e que abrigue a todos.
Como os jovens podem influenciar as negociações e as políticas climáticas nacionais?
A influência maior tem de ser em casa, em seus países e nas conversas com os governos e os setores. Mas, sobretudo, em mudar a consciência como consumidores. Os jovens estão entrando no mercado de consumo e são esses padrões que determinam o que teremos à venda. Já começam a surgir sinais de que se quer são produtos com menos carbono. Os jovens podem mudar os padrões de produção, o que é muito importante, e aliviar a mudança do clima.
Como a sra. vê os investimentos sob a ótica da mudança do clima?
Há que se fazer avaliação de risco e, entre todos os vários aspectos que se consideram nesse tipo de estudo, incluir a mudança do clima. Porque é a única maneira de se fazer investimentos que tenham sentido. Ou iremos construir uma infraestrutura que será destruída por uma inundação, um furacão ou alguma catástrofe natural, e isso é praticamente previsível. É como construir casas em zonas sísmicas que não são resistentes a terremotos. Não faz sentido.
Há países que não cumprem seus compromissos. O acordo não deveria ter algum aspecto punitivo?
Colocar consequências desse tipo não teve bons resultados no passado. Mas não se pode minimizar o esforço do que se está fazendo aqui. Nunca, na história da humanidade, tivemos de fazer algo assim. Nunca tivemos de enfrentar a mudança do clima, que atinge a todos. Acredito que todos os países estão fazendo o melhor possível dentro de suas circunstâncias econômicas, sociais e políticas. Essa é uma nova realidade. Nenhum país tem a fórmula perfeita. Estamos todos aprendendo.
Como as negociações podem andar mais rápido e partir para uma fase de implementação?
Muitos aspectos do que se discute aqui já estão em fase de implementação, em transferência de tecnologia, em vários instrumentos de financiamento, nos programas de Redd+ [relacionados à redução das emissões de desmatamento e da degradação de florestas], no pagamento de serviços ambientais. O que temos que fazer é terminar o acordo climático em um ano e passar à sua fase de implementação.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Avaliação de risco em obras tem de incluir clima, alerta a ONU - Instituto Humanitas Unisinos - IHU