03 Dezembro 2014
"A Organização Mundial da Saúde estima que uma pessoa precisa de pelo menos 20 litros diários para atender suas necessidades básicas. Porém, algumas áreas de México, Cuba, Colômbia, Venezuela, Equador, Peru, Chile, Argentina e Brasil sofrem com o uso insustentável do recurso, por isso estão expostas a estresse hídrico", escreve Emilio Godoy, correspondente da IPS, em artigo publicado por Terramérica e reproduzido pelo portal Envolverde, 01-12-2014.
Eis o artigo.
Rio Paraná, também conhecido como Apoparis, um afluente do rio Amazonas, em sua passagem pela comunidade indígena de San Miguel, no departamento colombiano de Vaupés. A América Latina conta com 30% da água doce do mundo.
Apesar de ser uma das vítimas do aquecimento global, a água não terá lugar relevante nas negociações da 20ª Conferência das Partes (COP 20) da Convenção Marco das Nações Unidas sobre a Mudança Climática, que começa hoje e termina no dia 12, na cidade de Lima, no Peru. As alterações climáticas já ameaçam a produtividade da agricultura devido à redução na disponibilidade de água doce, e a previsão é que se agrave nas próximas décadas.
Além disso, essas alterações provocam secas, chuvas torrenciais, inundações e elevação do nível do mar, o que em conjunto afeta a situação global da água. “Na adaptação é uma prioridade. Na América Latina o tema é gravíssimo. Mas não se quer vinculá-lo às negociações internacionais sobre mudança climática, porque o tema tem seu espaço em outras instâncias”, apontou ao Terramérica a ativista Lina Dabbagh, da organização internacional Rede de Ação Climática.
Dabbagh, que estará presente na COP 20, se refere à inclusão da água no debate dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), que constituirão a agenda pós-2015, e o mecanismo interagências das Nações Unidas para todos os assuntos relacionados com a água doce e o saneamento, também conhecido como ONU Água.
A agenda oficial da COP 20 só inclui quatro mesas de debate que se referem à água. São elas: “A água é a chave para a mitigação, adaptação e construção de resiliência: rumo a um acordo climático”; “Intercâmbio de conhecimento Sul-Sul entre África e Caribe sobre segurança hídrica e desenvolvimento de resiliência climática”; “Uma nova agenda de segurança: garantindo água, alimentos, energia e segurança sanitária em um clima mutante”; e “Montanhas e água: do conhecimento à ação”.
A água também é mencionada de forma marginal nos documentos preparatórios da sociedade civil, cujo fórum paralelo à COP 20, a Cúpula dos Povos, acontecerá entre os dias 8 e 11, também na capital peruana. O informe síntese do Grupo Peru COP 20, um coletivo de organizações sociais, não se refere ao recurso, embora o coletivo de organizações o mencione em seu posicionamento sobre a adaptação à mudança climática, que, junto com a mitigação e perdas e danos, constitui os três pilares dos debates em Lima.
As organizações pedem garantia do acesso à água e à segurança alimentar no contexto da mudança climática, mediante ações concretas baseadas em financiamento, construção de capacidades, transferência de tecnologia, eficiência energética e manejo de conhecimento.
Por sua vez, a agenda da Cúpula dos Povos se articula em oito eixos que incluem assuntos como aquecimento global e mudança climática, energia e desenvolvimento baixo em carbono e gestão sustentável do território e de seus recursos. Neste último estão centradas as discussões sobre a preservação dos ecossistemas, o manejo sustentável da natureza e sua convivência harmônica com o ser humano, bem como a defesa e a gestão da água e das bacias.
“A insegurança hídrica é uma ameaça”, afirmou Alberto Palombo, secretário do comitê executivo da Rede Interamericana de Recursos Hídricos (RIRH). “Por isso, temos que falar da gestão integral e inteligente da água. Os problemas que existem não são de escassez física, mas de gestão adequada. A disponibilidade está afetada pela mudança climática”, afirmou ao Terramérica o representante deste grupo de redes que envolve governos, organizações sociais, empresas e academias.
América Latina
A América Latina possui 30% dos recursos hídricos mundiais, mas isso não a salva de ter problemas com o recurso, como sua desigual distribuição. Segundo a RIRH, três de suas bacias importantes possuem menos de 10% da água disponível, devido à superexploração: a do Vale do México, onde fica a capital mexicana; a do Pacífico Sul, que inclui Peru, Equador, Chile e Argentina, e a do rio da Prata, que inclui Argentina e Uruguai.
A ONU Água diz que o México possui disponibilidade de 3.822 metros cúbicos por habitante ao ano, e consumiu 17% de sua reserva de água doce, o que coloca este como um dos casos latino-americanos mais críticos. O restante oferece uma perspectiva sadia, segura. Os números para a Guatemala, por exemplo, são de 8.480 e 2,6%, respectivamente. O Brasil conta com 43.528 metros cúbicos por habitante ao ano e uma taxa de água fresca consumida de 0,86%.
A Argentina tem, ao ano, provisões de 21.325 metros cúbicos por habitante e taxa de esgotamento de 4,3%. Chile e Peru gozam de uma grande disponibilidade: 52.854 e 63.159 metros cúbicos, respectivamente, e também contam com porcentagens relativamente baixas de esgotamento de água fresca, de quase 4% no Chile e menos de 1% no Peru.
A Organização Mundial da Saúde estima que uma pessoa precisa de pelo menos 20 litros diários para atender suas necessidades básicas. Porém, algumas áreas de México, Cuba, Colômbia, Venezuela, Equador, Peru, Chile, Argentina e Brasil sofrem com o uso insustentável do recurso, por isso estão expostas a estresse hídrico.
O relatório Água e Adaptação à Mudança Climática nas Américas, elaborado pelo Diálogo Regional de Política de Água e Adaptação à Mudança Climática nas Américas, indica que aumentam as pessoas da região que vivem em meio a um alto grau de pressão sobre os recursos hídricos. Trata-se de pessoas que contam com menos de mil metros cúbicos por habitante ao ano e que oscilariam entre 34 milhões e 93 milhões até 2020 e entre 101 milhões e 200 milhões até 2050.
“Em razão da mudança climática, a água sofre os impactos principais. Por isso queremos vincular a agenda climática com a de direitos humanos”, porque são transversais, ressaltou Dabbagh, que denunciou que “as pessoas têm pouca informação, ninguém diz a elas o que está acontecendo, falta trabalhar e apresentar soluções nos locais”.
Em março de 2015, os Estados parte deverão apresentar à Convenção Marco seus planos nacionais de mitigação, nos quais deve ser considerado o tratamento da água. “Garantir recursos para prevenção e adaptação, aplicar mecanismos financeiros inovadores, melhorar os mecanismos de gestão, construir infraestrutura verde, restaurar e preservar bacias” são medidas importantes, sugeriu Palombo.
Se não forem revertidas as tendências de recuperação e consumo, a Cidade do México não poderá garantir o abastecimento de água em 2031, Bogotá sofrerá a mesma conjuntura em 2033, Santiago chegará a esse extremo em 2043 e o Rio de Janeiro em 2050, segundo estimativas da RIRH.
Para os ativistas será preciso esperar outro grande encontro para que a água receba a importância que tem na mudança climática e no desenvolvimento sustentável. Trata-se do VII Fórum Mundial da Água, que, sob o lema Água Para Nosso Futuro, reunirá governos, empresas, organizações não governamentais e universidades nas cidades sul-coreanas de Daegu e Gyeongbuk, entre 12 e 17 de abril de 2015.
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