18 Dezembro 2014
A fofoca, na visão do papa, é uma ferramenta útil para o diabo - outro dos temas recorrentes de seus discursos. Para ele, o diabo não é um símbolo ou uma metáfora, mas uma força real "cuja maior conquista nestes tempos", escreveu o cardeal Jorge Bergoglio em 2010, "é fazer as pessoas acreditarem que ele não existe". Apontar para o poder da fofoca é uma forma de o papa estar apontando para o diabo em ação.
A opinião é dos editores da revista America, dos jesuítas dos Estados Unidos, 01-12-2014. A tradução é de Claudia Sbardelotto.
Na comédia de Oscar Wilde, "O leque de Lady Windermere", o personagem Cecil Graham explica ao Lorde Windermere que ele nunca fala calúnias, apenas fofocas.
"Qual é a diferença entre calúnia e fofoca?", pergunta Lorde Windermere.
"Oh, a fofoca é charmosa!", responde Graham. "A história é feita meramente de fofocas. Mas a calúnia é a fofoca que se torna tediosa pela moralidade".
É um dos pequenos milagres do pontificado do Papa Francisco que ele raramente faz a moralidade parecer entediante. Mesmo quando ele fala sem rodeios sobre as nossas falhas humanas - e o papa pode ser qualquer coisa menos indireto - ele faz isso de uma maneira que envolve e não aliena a sua audiência. Ao ouvir o Papa Francico, você quer ser um cristão melhor, não porque você se sente culpado, mas porque você quer ficar à altura da circunstância e aceitar o convite para seguir o caminho cristão.
Considere as declarações do papa sobre, bem, fofocas. Francisco raramente tem sido tão sincero do que quando ele fala sobre o "terrorismo da fofoca". Ao longo dos 18 meses de seu pontificado, ele falou contra esse mal em pelo menos quatro ocasiões. Em setembro, ele chegou ao ponto de dizer que aqueles que julgam ou falam mal dos outros são "assassinos cristãos".
"As fofocas são tão podres", disse ele em fevereiro. "No início, parece ser algo agradável e divertido, como um pedaço de doce. Mas, no fim, ela enche o coração de amargura e também nos envenena".
É um julgamento severo, mas que ressoa em um momento em que as mídias sociais e aplicativos como o Snapchat podem fazer uma fofoca tornar-se viral - e visual. A agressão verbal dos jovens, que tem atraído a atenção periodicamente após acontecimentos trágicos como os suicídios de adolescentes, é, na realidade, fofoca apenas com outro nome. Para o papa, não há diferença entre calúnia e fofoca. Na verdade, a fofoca pode ser mais insidiosa porque se disfarça como algo inativo, alguns diriam até como uma tagarelice inofensiva. Que mal pode haver em falar de outra pessoa quando ela nunca vai descobrir?
Muita! "Aqueles que vivem a julgar o próximo, falar mal do próximo, são hipócritas, porque eles não têm a força e a coragem de olhar para suas próprias falhas". Para o Papa Francisco, a fofoca não é apenas prejudicial, pois destrói nosso companheiros seres humanos, mas porque ela desvia nossa atenção do que é mais importante: o nosso próprio comportamento cristão.
O papa sabe do que fala. Quando o cardeal Jorge Bergoglio foi eleito papa, alguns dos seus companheiros jesuítas receberam o anúncio com cautela por causa de relatos de seu comportamento autoritário como provincial na Argentina. Acontece que a informação tinha 40 anos; em sua entrevista para a revista America (30/09/13), o papa disse que ele aprendeu com seus erros: "Foi a minha maneira autoritária de tomada de decisões que criou problemas". Como Thomas J. Reese, SJ, escreveu no The National Catholic Reporter: "O fato de alguns jesuítas nunca terem reconhecido esta conversão e não conseguir abraçá-lo como nosso irmão é o nosso pecado".
É um pecado que o papa pretende confrontar de frente. Não parece mera coincidência que ele trouxe o assunto à tona recentemente em seu discurso aos superiores de ordens religiosas masculinas na Itália. "Por favor, não deixem que o terrorismo da fofoca exista entre vocês. Joguem isso fora! Que haja fraternidade! E se você tem algo contra o seu irmão, diga isso na cara. Às vezes, pode acabar em pancadaria. Isso não é problema. É sempre melhor do que o terrorismo da fofoca".
A fofoca, na visão do papa, é uma ferramenta útil para o diabo - outro dos temas recorrentes de seus discursos. Para ele, o diabo não é um símbolo ou uma metáfora, mas uma força real "cuja maior conquista nestes tempos", escreveu o cardeal Jorge Bergoglio em 2010, "é fazer as pessoas acreditarem que ele não existe". Apontar para o poder da fofoca é uma forma de o papa estar apontando para o diabo em ação.
Qualquer discussão sobre a fofoca é incompleta sem examinarmos nossos próprios pecados. Os meios de comunicação seculares são muitas vezes criticados por causa de seu apetite para a lascividade, mas os meios de comunicação católicos são também muitas vezes culpados de se envolver em fofocas. Blogs católicos que falam mal, por vezes, de forma anônima, de seus companheiros de fé são especialmente culpados. Mas assim também são as publicações católicas, inclusive, em alguns momentos, a revista America, que apodera-se de oportunidades para narrar os erros de seus críticos.
Qual é, então, a alternativa? "Digo-lhes a verdade", disse o Papa Francisco em fevereiro. "Estou convencido de que, se cada um de nós propositalmente evitarmos as fofocas, no final, nos tornaríamos santos! É um caminho lindo!".
Pode não ser o caminho mais fácil para aqueles de nós que gostamos de um pouco de informações suculentas e estranhas sobre o nosso vizinho. Mas se nós confiamos em Jesus, e "[rejeitamos] ... toda a maledicência" (1 Pd 2, 1), os prazeres fugazes da fofoca vão dar lugar ao testemunho duradouro da caridade.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
A tirania da conversa - Instituto Humanitas Unisinos - IHU