27 Novembro 2014
No discurso ao Parlamento, e ainda mais ao Conselho da Europa, o papa mostrou uma profunda compreensão da dimensão histórica de longa duração do continente europeu nas suas raízes distantes e recentes. Mas Francisco também falou de uma visão geopolítica e geocultural do continente nas suas relações com os vizinhos a leste e a sul, e, portanto, do seu futuro.
A opinião é do historiador italiano Massimo Faggioli, professor de história do cristianismo da University of St. Thomas, em Minnesota, nos EUA. O artigo foi publicado no sítio HuffingtonPost.it, 26-11-2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Os dois discursos de Francisco às instituições europeias (Parlamento e Conselho da Europa) revelam muito da visão do mundo e da Europa do papa argentino. Em certo sentido, eles nos dizem que o europeísmo vaticano não se esgotou com a interrupção da tradição de papas cada vez mais europeus, e que o europeísmo político faria bem se mantivesse presente a visão unificante do catolicismo – a Igreja mais global que existe no mundo tribalizado de hoje.
No discurso ao Parlamento Europeu, o papa chamou novamente a Europa a si mesma (a raiz da ideia dos direitos humanos que tem origem no humanismo cristão) e chamou novamente os católicos à Europa (depois de alguns anos de indiferentismo sobre o destino da Europa também por parte de muitos católicos, sejam leigos, sejam bispos e cardeais).
Ele falou da necessidade da transcendência (não apresentada de modo confessional) para fundamentar um humanismo não tecnocrático e de uma compatibilidade entre laicidade e contribuição do cristianismo ao crescimento da Europa. Lembrou as perseguições por motivos religiosos, nestes tempos de cristãos especialmente, sem fazer disso um motivo de reivindicação para antigos privilégios.
Ele pronunciou palavras que deveriam dizer alguma coisa especialmente para os italianos afundados em uma crise da representação política sem precedentes: "Coloca-se também diante de vocês a exigência de se encarregarem de manter viva a democracia dos povos da Europa. Não escapa a ninguém que uma concepção homologante da globalidade afeta a vitalidade do sistema democrático, despotencializando o rico contraste, fecundo e construtivo, das organizações e dos partidos políticos entre si. Corre-se o risco de viver no reino da ideia, da mera palavra, da imagem, do sofisma... e de acabar confundindo a realidade da democracia com um novo nominalismo político. Manter viva a democracia na Europa requer que se evitem tantas 'maneiras globalizantes' de diluir a realidade: os purismos angélicos, os totalitarismos do relativo, os fundamentalismos a-históricos, os eticismos sem bondade, os intelectualismos sem sabedoria".
No discurso ao Parlamento, e ainda mais ao Conselho da Europa, o papa mostrou uma profunda compreensão da dimensão histórica de longa duração do continente europeu nas suas raízes distantes e recentes. Mas Francisco também falou de uma visão geopolítica e geocultural do continente nas suas relações com os vizinhos a leste e a sul, e, portanto, do seu futuro.
Francisco arquivou toda nostalgia de uma bipolaridade e dos seus maniqueísmos morais e falou de uma realidade poliédrica, de multipolaridade e transversalidade. O poliedro é uma das imagens preferidas de Francisco, também quando fala de Igreja: nesse sentido, a visão de Igreja de Francisco é também altamente política. É uma visão política, a da Igreja de Francisco, que remete à reviravolta do Concílio Vaticano II nas relações entre Igreja e mundo, e a citação de Paulo VI remete àquela reviravolta epocal: "O beato Paulo VI definiu a Igreja como 'perita em humanidade'. No mundo, à imitação de Cristo, ela – apesar dos pecados dos seus filhos – nada mais procura do que servir e dar testemunho da verdade".
Os dois discursos proferidos nessa visita-relâmpago (e às vésperas da difícil viagem à Turquia, no fim de semana) não inovaram de modo radical a tradição recente das mensagens dos papas à Europa unida, mas nos oferecem uma imagem clara da visão do Papa Francisco.
Esses discursos também são uma resposta tanto àqueles vaticanistas italianos que esperavam uma chicotada tradicionalista na Europa relativista, quanto àqueles vaticanistas norte-americanos que veem em Francisco um papa ainda europeu demais para os seus gostos.
Para o primeiro papa global, não euromediterrâneo, na história do cristianismo, o continente europeu ainda tem um papel único a desempenhar, contanto que se libere de uma visão tecnocrática do próprio futuro no mundo globalizado. É do papa que vem o convite mais forte a recomeçar a fazer uma alta política: um convite à Europa e aos países individuais, incluindo a Itália.
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O europeísmo do papa argentino. Artigo de Massimo Faggioli - Instituto Humanitas Unisinos - IHU