25 Novembro 2014
A reportagem é de Robert Mickens, publicada por National Catholic Reporter, 24-11-2014. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Robert Mickens é editor da revista Global Pulse. Desde 1986, vive em Roma, onde estudou Teologia na Pontifícia Universidade Gregoriana antes de trabalhar por 11 anos na Rádio Vaticano e, então, mais uma década como correspondente do jornal The Tablet, de Londres.
Eis o artigo.
O projeto para uma importante reorganização da Cúria Romana está pronto. E, nesta segunda-feira, o Papa Francisco reuniu todos os atuais chefes dos principais departamentos do Vaticano (as nove congregações, os três tribunais, os 12 conselhos pontifícios e vários outros escritórios) para explicar o plano, perceber as reações e ouvir sugestões.
Mas, se os relatos sobre o projeto de reforma estiverem corretos, o papa já decidiu que vários dos conselhos estabelecidos após o Concílio Vaticano II irão migrar para as grandes congregações. Em particular, estes são os vários escritórios que lidam com os leigos e outros que se focam no desenvolvimento humano e justiça social.
Segundo o sítio espanhol de notícias Religión Digital, o papa quer simplificar e reduzir o número de departamentos vaticanos e estabelecer um “conselho de ministros”. Um artigo publicado neste fim de semana disse que o conselho seria composto pelos chefes das 12 congregações: nove que já existem e três que serão criadas em breve (congregação dos leigos, da justiça e das comunicações).
Mas Francisco não quer apenas simplificar a burocracia do Vaticano e torná-la mais eficiente; quer também incutir uma nova mentalidade baseada no serviço, na sinodalidade, numa melhor colaboração e comunicação entre os departamentos bem como estabelecer um maior respeito pelos bispos locais. Ele igualmente deseja acabar com o carreirismo e eliminar o que definiu como o “câncer” do clericalismo.
Nesta segunda-feira, o papa jesuíta também tomou as suas primeiras medidas no sentido de pavimentar o caminho para as formas, nomeando o cardeal guineense Robert Sarah, 69, como prefeito da Congregação para o Culto Divino dos Sacramentos. Autoridade vaticana desde 2001, Robert passou os últimos quatro anos como presidente do Pontifício Conselho Cor Unum, um dos departamentos pós-conciliares que deverão migrar para dentro de uma nova congregação para a caridade e justiça. O sítio Religión Digital afirmou ainda que outros três conselhos – para os imigrantes, de saúde e de justiça e paz – também vão fazer parte desta nova congregação.
Provavelmente o prefeito do novo dicastério de caridade e justiça será o cardeal ganês Peter Turkson, 66, hoje presidente do Pontifício Conselho para a Justiça e Paz. O chefe do departamento para imigrantes, o cardeal Antonio Maria Vegliò, 76, deverá se aposentar. E Dom Zygmunt Zimowski, o presidente do Pontifício Conselho para a Pastoral no Campo da Saúde, provavelmente será nomeado como chefe de uma diocese na Polônia, sua terra natal, ou tornar-se-á secretário da nova congregação.
Uma nova congregação para os leigos também faz parte das reformas. Esta é uma ideia que o cardeal hondurenho Oscar Rodríguez Maradiaga – coordenador do Conselho dos Cardeais – já tinha sugerido há mais de um ano. O cardeal, que completará 72 anos no mês que vem, deve se tornar o primeiro prefeito da novel congregação. Esta incluiria um escritório para a juventude (liderada por um padre), outro para as mulheres (liderada por uma mulher) e outro para a família (liderada por um casal).
Assim que Christopher Patten e sua comissão terminarem a revisão que estão conduzindo dos vários departamentos de imprensa e comunicação no Vaticano (rádio, televisão, jornal, sala de imprensa, etc.), espera-se que seja criada uma terceira congregação ou secretaria para supervisionar e coordenar todos estes segmentos.
Um recente artigo do Religión Digital afirmou que o Papa Francisco espera reduzir o número de bispos e cardeais que trabalham no Vaticano, ao mesmo tempo aumentado o número de leigos. Este seria um desenvolvimento bem-vindo.
Apresento a seguir alguns pensamentos enquanto esperamos para ver o quanto deste plano, de fato, vai se concretizar nos próximos meses.
Em primeiro lugar, nenhuma eliminação ou fusão de escritórios irá fazer grande diferença se a mentalidade “curialista” não for severamente controlada e corrigida. Francisco é o primeiro papa na história a ter atuado como presidente de uma conferência episcopal nacional. (Obs.: Estas conferências tais como as conhecemos hoje somente começaram a tomar forma no final do século XIX e começo do século XX.) Como presidente de conferência, como arcebispo cardeal e como chefe de uma importante diocese, Francisco experimentou, em primeira mão, a obstrução, a falta de cooperação e atitude de superioridade que alguns chefes da Cúria Romana usam para manter os bispos locais em vigilância.
A única maneira de arrumar estas coisas é adotando o princípio claro de separação do departamento executivo do departamento gestor. O bispo de Roma e outros bispos diocesanos (em suas igrejas locais e nas conferências episcopais) são os executivos. Os chefes e autoridades dos escritórios da Cúria Romana são os gestores, administradores. Eles trabalham para o papa e para os bispos locais, e não o contrário. Uma grande parte disso é respeitar a legítima autonomia e autoridade dos bispos locais, de quem são empregados para servir e auxiliar. Em seu plano de reforma, o Papa Francisco teria insistido que Roma deva fazer progressos neste sentido.
Em segundo lugar, deve-se implementar protocolos que ajudam a reduzir o “carreirismo” clerical. Uma forma de fazer isso é estabelecendo limites de cinco anos para se exercer os cargos em todos os departamentos, com algumas poucas exceções. O papa já deixou de conceder o título de “monsenhor” a padres diocesanos abaixo dos 65 anos. Ele poderá considerar aplicar a mesma regra para aqueles padres que trabalham na Cúria Romana e nos corpos diplomáticos. E, vale a pena repetir, seria melhor se quem fosse nomeado chefe de um escritório vaticano não se tornasse, automaticamente, bispo ou cardeal.
Finalmente, uma palavra sobre a nomeação do Papa Francisco relativa a Robert Sarah como prefeito da Congregação para o Culto Divino. O posto ficou vacante por quase três meses, uma quantidade de tempo sem precedentes. O motivo por que o papa demorou tanto para nomear alguém é uma incógnita. Os defensores da assim chamada “reforma da reforma” (quer dizer, os que rejeitam as reformas litúrgicas pós-Vaticano II e querem voltar como eram antes) provavelmente estão satisfeitos com a escolha do novo prefeito, alguém que mostrou um leve interesse neste retorno e à Missa Tridentina. Os católicos que defendem a liturgia do Vaticano II estão, com certeza, desapontados com a nomeação.
Com ou sem razão, o Papa Francisco muito provavelmente considera Robert Sarah como alguém que vai além da divisão ideológica que separa os extremos em ambos os lados. E, ao nomeá-lo ao posto, Francisco espera diminuir o calor que, há muito, tomou conta dos debates litúrgicos. Mas se ele também espera descentralizar o controle do Vaticano para as igrejas locais – como ele disse em várias ocasiões e em sua exortação apostólica Evangelii Gaudium –, então é provável que vá redefinir as competências e deveres da Congregação para o Culto Divino. Isto poderia deixar aqueles que estão comemorando hoje – não só na liturgia como também em todas as áreas – menos do que satisfeitos amanhã.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Reformas verdadeiras e falsas da Cúria Romana - Instituto Humanitas Unisinos - IHU