17 Novembro 2014
Há 25 anos, na noite de 16 de novembro, quando em San Salvador os soldados do batalhão anti-guerrilha Atlacatl massacraram seis jesuítas da Universidade Centro-Americana – UCA – juntamente com a cozinheira e sua filha de quinze anos, na Europa se festejava a queda do Muro de Berlim, acontecida quinze dias antes.
A reportagem é de Gianni Valente, publicada por Vatican Insider, 16-11-2014. A tradução é da IHU On-Line.
O batalhão adestrado nos EUA, que executou o massacre, fora enviado para eliminar os jesuítas pois, segundo seus integrantes, os religiosos eram “delinquentes terroristas”, e pôs em prática atos de despiste de vários tipos – desde as armas usadas até as mensagens escritas nos muros – para fazer cair a responsabilidade da matança sobre os guerrilheiros da Frente Farabundo Marti pela Libertação Nacional – FMNL.
Nos anos seguintes, emergiu, das confissões, dos inquéritos e também do Relatório da Comissão Especial da ONU sobre o massacre em San Salvador – publicado em 1993 – a responsabilidade dos mandantes (ligados ao comando do exército salvadorenho). Igualmente emergiram detalhes das conivências e coberturas que contribuíram para ampliar a operação de despiste.
Participaram desta operação também setores da Igreja salvadorenha atuando junto ao Vaticano. Uma operação que revela a conjuntura eclesial do momento. Mas não só.
O protagonista principal da operação foi Romeo Tovar Astorga, então bispo de Zacotecoluca, que naquele momento era presidente da Conferência dos Bispos de El Salvador.
Depois de um mês do massacre da Uca, o bispo viajou para Roma com o intento de convencer a Santa Sé que quem assassinou o reitor Ignacio Ellacuría, os seus cinco companheiros e as pobres Elba e Celina foram os marxistas da FMLN. Ele levava consigo um ‘book’ de fotos, elaborado segundo o modelo dos dossiês dos serviços secretos. As imagens, além disso, mostravam meninos salvadorenhos manejando armas, apresentados como vítimas dos guerrilheiros.
A ‘missão’ do bispo salvadorenho é narrada sem reticências por ele mesmo numa entrevista publicada pela revista 30Giorni, em janeiro de 1990. “A desinformação – explicava o bispo – é maior do que a informação. Por isto vim ao Vaticano para que a Santa Sé saiba o que verdadeiramente aconteceu em San Salvador”.
O único argumento que o bispo expunha como elemento comprovador para convencer o Vaticano e os seus interlocutores da matriz guerrilheira do massacre era o mero esquema lógico do ‘cui prodest’: “Dado que não conheço os autores deste crime”, dizia com determinação o presidente dos bispos salvadorenhos, “é preciso recorrer ao senso comum. Quem assassinou os jesuítas? A FMLN ou o governo? É claro que o massacre prejudicou o governo. Ao contrário, foi uma vitória política da FMLN, já que no exterior o governo e os militares são acusados pelo massacre. Mas dentro de El Salvador nos perguntamos: se isto causou danos ao governo e proveito à FMNL, quem pode ter sido o autor?”
Também o resto da argumentação era feita de deduções silogísticas, recheadas de considerações sobre os vícios e os delitos do comunismo internacional. Segundo Tovar Astorga, Ellacuría e os seus companheiros, atacados pelos setores da ultra-direita oligárquica como aliados da guerrilha – a tal ponto que, alguns dias antes do massacre, uma rádio próxima do governo pedira explicitamente a morte do reitor – na realidade tinham sido mortos pelos marxistas porque Ellacuría aceitara dialogar com o presidente da República, Arturo Cristiani, na tentativa de contribuir nas frágeis tentativas de sair da guerra civil. “Na URSS, Cuba, Nicarágua – acrescentava o bispo com considerações que ele considerava irrefutáveis – sempre houve expurgos nos Partidos comunistas. Quando uma pessoa não mais serve à ideologia marxista, ela vem expurgada. Tudo entra claramente nos métodos da práxis comunista: eliminar quem não mais serve”.
A missão do bispo no Vaticano representa bem o modus operandi de como os círculos eclesiásticos geriram e condicionaram, por longo tempo, as relações da Santa Sé e o catolicismo latino-americano. Com dossiês, jogos de interesse e conivências fundadas nas afinidades ideológicas. Um ‘mix’ que muitas vezes tornou pouco lúcido o olhar com que, naqueles anos, o Vaticano via as convulsões e as tragédias da América Latina.
“Se na Europa oriental o perseguidor é normalmente ateu, o drama da América Latina é que o opressor é um irmão cristão”: assim explicava, numa entrevista publicada pela revista 30Giorni, na primavera de 1993, o Superior Geral dos jesuítas, Peter-Hans Kolvenbach indicando o que o martírio infligido aos seus co-irmãos massacrados em El Salvador significava.
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O massacre dos jesuítas e a operação de despiste realizada no Vaticano - Instituto Humanitas Unisinos - IHU