05 Novembro 2014
No final do Sínodo, o Papa Francisco disse que os tradicionalistas zelosos foram tentados por uma "inflexibilidade hostil", enquanto os benfeitores progressistas foram tentados a tratar os sintomas e não as causas. Encontrar o feliz meio termo da compaixão e da verdade é aquilo que os bispos vão estar à procura de agora até outubro próximo.
A opinião é do jesuíta norte-americano Thomas J. Reese, jornalista, em artigo publicado no sítio National Catholic Reporter, 31-10-14. A tradução é de Claudia Sbardelotto.
Eis o texto.
Durante o Sínodo dos bispos sobre a família, em Roma, os bispos se esforçaram para encontrar um caminho onde a Igreja possa ser uma mãe amorosa, ao mesmo tempo em que continua sendo uma professora clara - algo familiar a todos os pais. Se quando os filhos adultos vem pra casa para o feriado de Ação de Graças e são recebidos por um pai ou uma mãe ranzinza, eles não vão voltar para o Natal.
Nenhum filho quer ser recebido na porta com perguntas como: "Isso o que você tem é uma argola no nariz?"; "Você fez uma tatuagem?"; "Com quem você está indo pra cama agora?"; "Quando você vai se casar?" ou "Quando eu vou ganhar um neto?". Não, o que eles querem, quando eles chegam em casa para a celebração de Ação de Graças, é um abraço, umas boas vindas. "Estou tão feliz que você está aqui!"; "Eu te amo!".
Os bispos perceberam que uma porcentagem muito grande de fiéis estão ou em uniões "irregulares" (coabitação, divorciados e recasados, relações homossexuais) e/ou estão utilizando controle artificial de natalidade. Como lidar pastoralmente com essas pessoas foi uma das questões centrais no Sínodo.
Os bispos deixaram claro que eles não iriam mudar a doutrina da Igreja sobre estas questões, mas eles perceberam que a ameaça do fogo do inferno não estava funcionando. Na verdade, isso estava afastando as pessoas da Igreja. Muitos bispos admitiram que termos como "viver em pecado", "intrinsecamente desordenado" e "mentalidade contraceptiva" eram alienantes.
Por outro lado, uma ênfase demasiada na mãe amorosa, eles temiam, daria a impressão de que essas eram questões menores que poderiam ser ignoradas. As pessoas poderiam concluir que todas as uniões sexuais são iguais, e não há nenhuma razão para se casar na Igreja.
Uma solução para esse dilema foi a "lei da gradualidade", proposta por alguns bispos. Para muitos bispos, esse foi um conceito totalmente novo, apesar de existir há algum tempo. No livro A History of Catholic Moral Theology in the Twentieth Century [Uma História da Teologia Moral Católica no século XX], o padre jesuíta James Keenan relata que depois da Humanae Vitae, os confessores escutavam os penitentes que aceitavam os ensinamentos da encíclica dizer que se esforçavam ao máximo para observá-la sem obter sucesso.
Essas pessoas estavam se confessando, com grande frequência, mas ainda perguntavam se estavam cometendo pecado cada vez que utilizavam o controle da natalidade, embora elas tivessem tentado aderir ao ensinamento da Igreja à risca. Em particular, elas queriam saber se tinham que evitar receber a Comunhão, apesar de ela poder ajudá-los a crescer na vida moral.
Em resposta a essas consultas, os confessores recomendavam a prática conhecida como a lei da gradualidade.
"Através dessa lei", Keenan escreve: "os confessores incentivavam os leigos a compreender que, gradualmente, iriam tornar a lei uma realidade em suas vidas e que, enquanto isso, os sacramentos poderiam acompanhá-los ao longo da jornada".
Keenan observa que o Papa João Paulo II referiu-se à lei da gradualidade favoravelmente na Familiaris Consortio (1981), embora diferenciado-a de "uma gradualização da lei, ou seja, de moderar a universalidade e/ou a força da própria lei". A lei é claramente expressa, mas "era para os leigos aderirem gradualmente a isso", explica Keenan.
Essa não era uma ideia esquerdista e liberal, como se pode ver pelo apoio de João Paulo, do cardeal Dionigi Tettamanzi e do cardeal Alfonso López Trujillo, citados por Keenan. Tettamanzi ainda estendeu a ideia para as pessoas homossexuais.
A lei da gradualidade foi uma resposta pastoral a pessoas concretas, e não um abrandamento da lei. "O Papa João Paulo e Tettamanzi haviam argumentado que o uso do controle de natalidade sempre foi, em si mesmo, errado", escreve Keenan, "e que o fracasso em reconhecer a verdade do ensino seria 'gradualizar', isto é, 'relativizar', a lei da Igreja".
Nem todos os teólogos morais enxergavam essa solução como um remédio convincente. Keenan cita o padre jesuíta Josef Fuchs, que argumentou que "se as exigências do casamento significavam que o casal 'tinha' que utilizar o controle de natalidade, então o ato moralmente correto seria usar o controle de natalidade". Para Fuchs, não havia necessidade de eles irem à confissão, em primeiro lugar.
Ainda assim, a lei da gradualidade não é uma grande mudança como os progressistas esperam ou como os conservadores temem. Não há nenhuma mudança no ensinamento, mas na forma pastoral de tratar com os indivíduos. Mas muitos, se não a maioria, dos bispos no Sínodo não estavam familiarizados com a lei da gradualidade, e eles sabiam que se eles estavam confusos, da mesma forma estariam seus sacerdotes e o povo.
Como resultado, a referência à lei foi retirada do documento final. Não é de surpreender se a mesma ideia retornar em outubro próximo e tiver uma recepção melhor.
Onde a lei da gradualidade se torna pastoralmente crítica é quando trata da questão da Comunhão. A abordagem tradicional tem sido a de dizer que as pessoas que utilizam o controle da natalidade ou que estão em uniões irregulares estão em pecado mortal e destinadas ao inferno. Como resultado, elas não podem receber a Comunhão.
Ao invés de ver os pecados em duas categorias (mortais e veniais), a maioria dos moralistas veria as ações em um continuum que vão do menor para o maior mal. Além disso, uma pessoa pode ser imperfeita em uma área de sua vida e melhor em outras áreas. Assim, um casal de divorciados em segunda união pode ser exemplar na sua fidelidade mútua, em seus cuidados com os filhos e em sua contribuição para a comunidade.
Nessas circunstâncias, não poderia um confessor dizer a uma pessoa, em um relacionamento não tão perfeito, que ela pode receber a Comunhão, enquanto ela se esforça para viver a melhor vida possível dentro de suas capacidades? Como o Papa Francisco disse, a Comunhão não é uma recompensa para o perfeito, mas a medicina para os doentes.
No final do Sínodo, o Papa Francisco disse que os tradicionalistas zelosos foram tentados por uma "inflexibilidade hostil", enquanto os benfeitores progressistas foram tentados a tratar os sintomas e não as causas. Encontrar o feliz meio termo da compaixão e da verdade é aquilo que os bispos vão estar à procura de agora até outubro próximo.
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Lei da gradualidade: convivendo com o imperfeito - Instituto Humanitas Unisinos - IHU