31 Outubro 2014
“O Papa Francisco – diz Evo Morales – tem posições revolucionárias, é anticapitalista como eu, está com os fracos, é uma nova esperança para a Igreja”. O abraço e o encontro privado com o Papa – um jantar na quarta-feira a noite que durou pouco mais de uma hora e meia – abriram a visita de três dias do presidente boliviano a Roma. Reeleito em 12 de outubro com 60% dos votos, o indígena Evo Morales é hoje na América Latina o campeão da tendência bolivariana, do “socialismo do século XXI”. Mas foi transformado graças a uma gestão pragmática da economia, com as contas em ordem, com grandes reservas validadas pela exportação de gás e petróleo. Com políticas de redistribuição de renda. E um futuro promissor com a quinoa e o lítio.
A sua Bolívia é, ao contrário de países com a Venezuela pós chavismo e a Argentina, um exemplo de sucesso político e econômico. Morales inicia nestes dias o seu terceiro e último mandato sobre as asas do triunfo eleitoral. Com o tempo – eleito em 2005 atenuou qualquer radicalismo, mas insiste na necessidade de um mundo sem consumismo, desperdício e luxos: “Nas zonas mais pobres do planeta – afirma – morrem de fome milhões de seres humanos e ao mesmo tempo, na parte mais rica da Terra, se gastam milhões para combater a obesidade e se jogam fora toneladas de alimentos”. Muitos apaixonados pelo futebol, torcedores do Roma, fãs de Totti, ontem a noite convenceu também o diretor geral da FAO a se envolver em algum drible com ele e depois ir ao estádio ver o Roma jogar.
A entrevista é de Omero Ciai, publicada pelo “Corriere della Sera”, 30-10-2014. A tradução é de Ivan Pedro Lazzarotto.
Eis a entrevista.
Presidente é correta a análise segundo a qual o seu melhor resultado foi aquele de reunificar politicamente a Bolívia?
Sim, não existe mais duas Bolívias de quando cheguei ao poder. Aquele dos índios dos Andes e aquela dos descendentes europeus das planícies. No 12 de outubro votaram todos por mim, vencemos em todas as regiões do país com exceção de uma”
Como foi possível? Há pouco tempo se temia uma secessão no seu país entre as áreas mais ricas e as áreas dos Andes onde vivem os índios mais pobres. Nascia também um partido que lutava pela independência da “meia-lua”, as quatro regiões não andinas.
Não existe mais a meia-lua, nos transformamos em uma lua cheia. Pra mim era muito importante a unidade do país. Não somente a territorial mas também a cultural, sindical e social. Os separatistas foram derrotados. Obtivemos este resultado trabalhando junto com todas as cidades e movimentos sociais.
Outra coisa que surpreende é a situação econômica. As contas estão em ordem, a inflação baixa, o desemprego está próximo aos 3%, o PIL continua a aumentar. Até mesmo o odiado FMI hoje indica a Bolívia como um modelo.
Me preocupa quando o Fundo Monetário diz algo de positivo sobre nós. Mas a verdade é que hoje somos nós que fornecemos receita e exemplos de administração ao Fundo e não mais eles a nós. O nosso ministro da Economia não discute somente com o Fundo Monetário, é convidado pelas Universidades americanas para explicar o nosso modelo. E no que consiste este nosso modelo? Superar a economia dos recursos naturais e passar de uma economia de matérias primas a uma economia industrial sem perder de vista os aspectos sociais.
Quando o senhor chegou à presidência em 2005 a Bolívia era um país em meio ao caos, existiam revoltas contra a privatização das riquezas, os presidentes se mantinham durante poucos meses, um chegou a fugir. O que mudou com a eleição do primeiro índio nativo?
Penso que conseguimos mudar também a percepção do fazer política. Antes do nosso governo a política era feita com base nos interesses e nos negócios dos políticos, a elite branca que saqueava o país. Para eles a política era a ciência de como utilizar o povo. Para nós a política é a ciência de servir o povo.
O senhor venceu na Bolívia, Dilma Rousseff venceu no Brasil, o partido de Pepe Mujica no Uruguai, a Bachelet no Chile. Existe uma esquerda na América Latina que demonstrou saber governar...
Eu era agricultor, produtor de coca, cultivava folha de coca e no meu país se dizia que os agricultores serviam apenas para votar, jamais para governar. Demonstramos exatamente o contrário. Na América Latina existe um sentimento generalizado de liberdade democrática, de rejeição as velhas políticas de dominação e apropriação indébita do dinheiro público. Não digo um sentimento capitalista mas certamente anticolonialista.
Acredita agora no “socialismo do século XXI”?
Todos os países tem suas particularidades. Na Bolívia temos uma economia pluralizada muito atenta a reduzir as diferenças de renda. Em menos de 10 anos a extrema pobreza reduziu de 38% a 18% e cairá ainda mais. O desemprego está aos 3%. Tudo isso foi obtido nacionalizando os recursos naturais que anteriormente eram saqueados.
No seu país ainda existe o problema do trabalho infantil?
Existe uma diferença cultural. Comecei a trabalhar com a minha família assim que aprendi a caminhar. Infelizmente quando se é pobre as crianças ajudam as famílias. Reduzindo a pobreza resolveremos este problema também.
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A lição de Evo Morales: “Foi assim que fiz da Bolívia um modelo de desenvolvimento que foi copiado também pelos Estados Unidos” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU