02 Novembro 2014
 Ainda sob o impacto das palavras proferidas pelo Papa Francisco durante o segundo dia do encontro "Terra, Labor, Domus" – Ignacio Ramonet, não por acaso, falou de momento histórico, sublinhando que está algo está mudando na Igreja e está mudando "na direção certa" –, os movimentos populares reunidos no Vaticano abordaram o último dia dos trabalhos, dedicado às propostas de ação.
Ainda sob o impacto das palavras proferidas pelo Papa Francisco durante o segundo dia do encontro "Terra, Labor, Domus" – Ignacio Ramonet, não por acaso, falou de momento histórico, sublinhando que está algo está mudando na Igreja e está mudando "na direção certa" –, os movimentos populares reunidos no Vaticano abordaram o último dia dos trabalhos, dedicado às propostas de ação.
A reportagem é de Claudia Fanti, publicada no sítio Adista, 30-10-2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Mas o último dia também proporcionou a oportunidade de ouvir a história de muitas experiências de resistência e de luta, como a vivida por Rebecca Thomas Kedari, do sindicato indiano KKPKP, para melhorar as condições de vida e de trabalho dos catadores e recicladores de resíduos ("Somos os verdadeiros defensores do ambiente", afirmou, com orgulho), ou a realizada entre inúmeros obstáculos (já que o protesto é pago muitas vezes e de bom grado com a prisão) pelos trabalhadores do setor informal no Camboja, sobre a qual falou Heng Sam Orn, salientando a necessidade de promover, incessante e incansavelmente, processos de organização popular, unindo as forças e fazendo ouvir a própria voz em nível internacional.
Porque – como muitos destacaram –, sem organização, não há luta, e sem luta não há conquistas e, portanto, nem mudanças.
Também ecoou forte e claramente a voz do povo curdo, sobre cuja luta se concentraram Abdullah Aysu, da Confederação Camponesa da Turquia, e Yilmaz Orkan, das Kurdish Networks, que convidou à criação de uma coalizão internacional dos povos contra a guerra.
E não podia deixar de se ouvir a voz da Palestina, através da intervenção de Suha Jarrar, da Union of Agricultural Work Committees, que, denunciando a brutal colonização israelense, centrou-se na luta pela soberania alimentar e pela reforma agrária como a forma mais eficaz de resistência.
Uma resistência que se confronta, no entanto, não só com os ataques sistemáticos desferidos por Israel na Faixa de Gaza e nos Territórios Ocupados, mas também com os complicados mecanismos burocráticos israelenses, com o muro de separação que arrancou os agricultores dos seus campos, com o confisco de terras, as mais férteis, para a expansão dos assentamentos ilegais, com as discriminatórias políticas hídricas (o acesso à água por parte dos palestinos, não por acaso, é um dos mais baixos do mundo inteiro) e até com a erradicação de 800 mil oliveiras, aquelas oliveiras tão essenciais para a economia e para a identidade da Palestina.
Por isso, explicou Suha Jarrar, "reivindicar a soberania alimentar e a justiça ambiental, defendendo a todos os custos o vínculo com a própria terra, já significa, por si só, lutar contra a colonização". E é uma luta que agora pode contar com um instrumento extraordinário de resistência: a campanha internacional de boicote, desinvestimento e sanções, destinada a pôr fim ao apartheid e à ocupação israelense.
Mas também no Norte do mundo não faltam obstáculos para a resistência dos camponeses e das camponesas, como explicou em detalhes Dena Hoff, da National Family Farm Coalition dos Estados Unidos, referindo-se não só às mudanças climáticas, mas também à ofensiva das transnacionais agroalimentares (principalmente a Monsanto) ou à construção de grandes e destrutivas obras como o oleoduto Keystone XL para o transporte de petróleo extraído das areias betuminosas canadenses.
E como também esclareceu Giovanni Pandolfini, do movimento italiano Genuino Clandestino (rede de pessoas, grupos informais e associações que praticam a agricultura camponesa na Itália, "aquela agricultura de pequena escala que protege a saúde da terra, do ambiente e dos seres vivos"):  "Os agricultores na Itália – destacou – foram apagados. O nosso belo campo foi transformado em um deserto", sufocado pelo cimento ou encoberto com intermináveis monoculturas sobre as quais trabalham "grandes equipes de novos escravos", quando não simplesmente abandonado.
"Os agricultores na Itália – destacou – foram apagados. O nosso belo campo foi transformado em um deserto", sufocado pelo cimento ou encoberto com intermináveis monoculturas sobre as quais trabalham "grandes equipes de novos escravos", quando não simplesmente abandonado.
O último dia dos trabalhos, no entanto, foi caracterizado, principalmente, pela elaboração e pela discussão dos documentos finais do encontro, os de uso interno, assim como a Declaração final do Encontro dos Movimentos Populares (que pode ser lida no site www.movimientospopulares.org). Também não faltou uma síntese de todo o debate realizado no último dia, confiada a João Pedro Stedile e a Paola Estrada, e articulada em torno dos três âmbitos temáticos da terra, do trabalho e da moradia.
Assim, com relação à Terra, a proclamação "nenhum camponês sem terra" é posta ao lado de "nenhum povo sem território". Todos os povos têm direito à soberania sobre os seus territórios e sobre os seus recursos naturais. Os movimentos populares são chamados a lutar por uma Reforma Agrária Popular, integral, democrática, centrada na soberania alimentar, no acesso universal à água, no controle das sementes, na agroecologia, na produção de alimentos saudáveis para todo o povo. Assim como a lutar contra os transgênicos e os venenos agrícolas, e contra os projetos de mineração dos quais é conhecido o impacto catastrófico sobre os povos e o ambiente.
E, depois, desenvolvendo o princípio "nenhum trabalhador sem direitos", é preciso lutar para que todos tenham direito a um trabalho digno e a uma renda para garantir uma vida digna, para que se promova a organização de todos os trabalhadores do setor informal hoje dispersos e desorganizados, para que a todos sejam reconhecidos os direitos trabalhistas e para que todos possam encontrar trabalho nos seus locais de vida, sem serem forçados a emigrar.
Mas os movimentos também são chamados a lutar contra toda forma de discriminação e toda forma de escravidão, a denunciar a subordinação de Estados, governos e sindicatos aos interesses das transnacionais, a reforçar os laços de solidariedade entre os trabalhadores para enfrentar melhor o poder das grandes empresas, para apoiar a ocupação das fábricas e todas as formas de produção solidária e cooperativa.
Além disso, com base no princípio "nenhuma família sem uma moradia digna", os movimentos se comprometem, dentre outras coisas, a transformar as periferias degradadas em espaços comunitários de solidariedade e de bem viver, a combater a especulação financeira e imobiliária, a promover processos de autogestão cooperativa, a impedir qualquer despejo devido à falta de pagamento do aluguel ou de uma hipoteca, a lutar pelo direito de retorno de todas as populações deslocadas, a defender ocupações coletivas de prédios e de terrenos inutilizados para resolver o problema da moradia.
Além desses, outros compromissos foram propostos pelos representantes dos movimentos, tais como a construção das escolas de formação política para elevar o nível da consciência política da base, a criação de uma rede de solidariedade que permita a mobilização contra toda forma de injustiça e de perseguição em qualquer país do mundo, a colaboração com todas as tradições religiosas para conscientizar o povo sobre a necessidade da organização, o recurso ao ensinamento do Papa Francisco para difundir entre os povos a exigência de lutar pelas mudanças necessárias no mundo, a promoção de novos modos de consumo e de novos estilos de vida, de maneira que, destacou Stedile, "nenhum trabalhador busque o sonho de se tornar um pequeno burguês".
Finalmente, a ênfase dos delegados foi posta sobre a necessidade de continuar reunindo os setores organizados em luta pela terra, pelo trabalho e pela moradia, de criar uma plataforma de comunicação entre os participantes para a promoção de ações comuns, de organizar um encontro dos movimentos ainda mais amplo e mais articulado, de manter um diálogo contínuo com o Papa Francisco em vista da criação de uma instância de colaboração permanente.
 
                         
                         
                        