09 Outubro 2014
A corrida presidencial no Brasil vai para o segundo turno, com a presidente Dilma Rousseff, do Partido dos Trabalhadores (PT), enfrentando Aécio Neves, do Partido da Social-Democracia Brasileira (PSDB). É normal acontecer segundo turno em eleições como estas no país, e os partidos que se defrontam dessa vez são exatamente os mesmos das últimas seis eleições: centro-esquerda versus centro-direita. Poderia parecer a mesma política de sempre, exceto pelo fato de que a atual presidente superou o seu desafiante por apenas 8 pontos no primeiro turno, enquanto que em 2010 foram 14.
A reportagem é de Francis McDonagh, jornalista inglês, correspondente para a América Latina, da revista britânica The Tablet. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Até o fim deste último domingo, quando ocorreu o primeiro turno, as expectativas eram bastante diferentes. As pesquisas previam um segundo turno entre Dilma Rousseff e uma seringueira de primeira viagem amazonense, que apresentava uma “nova política”. Os brasileiros, pelo que parece, votaram pela velha política.
Esta foi só a última reviravolta de uma eleição cheia de surpresas, e de tragédia.
Em março de 2013, quase na metade de seu mandato, a presidente Dilma desfrutava dos confortáveis 65% de aprovação, impulsionados por uma forte economia e pelo reconhecimento dos milhões de brasileiros tirados da pobreza pelos programas sociais enormemente expandidos durante os dois mandatos de seu predecessor, Luiz Inácio Lula da Sila. Mas, em seguida, vieram os protestos. Muitos dos beneficiados com estes programas Brasil afora, frequentemente jovens, tomaram as ruas para protestar contra os aumentos das tarifas no transporte público e contra a qualidade dos serviços de saúde e educação.
Um dos estímulos para as manifestações foram os gastos com futebol, infraestrutura para transportes e instalações para a Copa do Mundo 2014. Os manifestantes exigiram “serviços públicos no padrão Fifa”. Em julho de 2013, a aprovação da presidente despencou para 34%. O PT também manchou-se pelas condenações de vários membros importantes do partido por compra de votos no Congresso num processo que terminou em novembro de 2013. Um golpe a mais que a presidente sofreu foi o escândalo envolvendo a Petrobras que veio a lume em março deste ano.
Marina Silva foi uma candidata “acidental” para a presidência em 2014. Originalmente candidata a vice-presidente ao lado de Eduardo Campus – do Partido Socialista Brasileiro (PSB) –, ela promoveu-se ao cargo após a morte de seu companheiro num acidente de avião, no dia 13 de agosto.
A história de vida de Marina Silva é lendária. Criada no remoto estado amazonense do Acre, na fronteira noroeste do Brasil, por uma família pobre de seringueiros, foi apresentada ao ativismo político por Chico Mendes, líder seringueiro e ambientalista assassinado por proprietários de terra em 1988. Não sabendo ler até os 16 anos, mais tarde fez faculdade e embarcou numa carreira política no PT, elegendo-se como a senadora mais jovem do país em 1994. Em 2003, tornou-se ministra do Meio Ambiente no governo Lula, mas renunciou em 2008 queixando-se de obstáculos dentro desta administração em relação à agenda política verde. A sua renúncia deu um toque final à sua imagem como uma ativista ambiental dedicada. Após uma campanha para presidente, em 2010, pelo Partido Verde, Marina deixou esta legenda e tentou criar o seu próprio partido, a Rede Sustentabilidade. Foi quando este partido não garantiu o seu registro oficial que ela se juntou ao PSB para ser candidata em 2014.
Como candidata presidencial, Marina Silva levantou grandes expectativas. Ela pareceu ser o candidato que iria canalizar os votos dos manifestantes de 2013 com a esperança de uma política nova, limpa e verde. Mas demonstrou estar pouco à vontade como representante de um partido que não o dela, sendo cautelosa com alguns aliados importantes. Ela também apresentou propostas para o setor de agronegócios e dividiu uma plataforma ao lado de um político associado com a ditadura militar brasileira. Os seus principais assessores econômicos eram de centro-direita.
Houve também um constrangimento quando tirou o seu apoio ao casamento homoafetivo após um tuíte escrito por um importante líder pentecostal, Silas Malafaia. Marina Silva foi igualmente alvo de duros ataques dos oponentes, com o PT fazendo a frente neste sentido.
A crescente divisão religiosa do Brasil também se fez presente na campanha mais do que em anos anteriores. Marina tipifica a mudança religiosa do Brasil no século XXI. Nascida num lar católico, associada com as comunidades de base, certa vez pensou em tornar-se freira, porém, mais tarde, juntou-se à igreja pentecostal Assembleia de Deus, invariavelmente se apresentando com roupas típicas de “crente”. O pastor Malafaia, líder da também igreja pentecostal Vitória em Cristo, um desdobramento das assembleias de Deus, anunciou que estava considerando apoiá-la em sua candidatura. Intelectuais associados à Teologia da Libertação, tais como Leonardo Boff, alertaram os eleitores de que um voto para Marina Silva seria um recuo em relação às políticas sociais dos governos petistas.
Aécio Neves não poderia ser mais diferente do que a candidata Marina Silva. Ele vem de uma família política tradicional, num dos estados mais tradicionais do Brasil, Minas Gerais, cujos ouro e diamantes alimentaram o desenvolvimento do país no século XVIII. Aécio Neves entrou na política como um assessor de seu avô, Tancredo Neves, que se tornaria o primeiro presidente do Brasil pós-ditadura em 1985, caso não tivesse morrido de forma inesperada.
Aécio foi membro do Congresso por 16 anos, tendo sido como líder durante um período. Como governador de 2002 a 2010, reorganizou a administração com ênfase na eficiência. Pôs em dia as dívidas do estado e é reconhecido como tendo transformado as escolas primárias de Minhas Gerais nas melhores do país. Em três ocasiões, uma consulta nacional o avaliou como o melhor governador do Brasil. Do lado negativo, a sua riqueza o tem deixado aberto a acusações de que é um “playboy”, mais afeiçoado às praias e à vida noturna do Rio de Janeiro do que às montanhas e desertos de Minas.
Os contornos do segundo turno estão, aos poucos, ficando claros. Aécio irá criticar a gestão petista da economia, alvo fácil com o Brasil tecnicamente em recessão, e atacar o partido por gastos e corrupção. Apontará para o seu passado como governador de Minas. Este candidato também terá consigo os recursos do PSDB, o que não se conseguiu fazer em 2010. O desafiante terá o apoio do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que ainda desfruta de prestígio considerável entre os brasileiros, embora este apoio vá dar condições para que a campanha de Dilma Rousseff rotule Aécio Neves de “neoliberal”.
O apoio de Fernando Henrique Cardoso poderá, no entanto, ser uma faca de dois gumes, caso julgarmos a partir de sua fala dias atrás de que o PT recebe a maioria de seus votos dos “pobres e mal-informados”. Mas o rótulo de neoliberal será, provavelmente, central no ataque petista ao candidato Aécio Neves, o qual irá sublinhar que a sua eficiência como governador implicou cortes severos, até mesmo ao ponto de pagar aos médicos menos do que o salário mínimo. Um tema que vai provavelmente chamar a atenção é a ideia de tornar o Banco Central independente, como uma forma de garantir uma maior probidade e disciplina financeira, embora a esquerda no Brasil considere isto uma maneira de atar as mãos do governo na promoção do desenvolvimento econômico e no combate à pobreza. Nas entrelinhas deste argumento reside um debate sobre o papel ativo do Estado no desenvolvimento econômico do país, que tem sido uma constante dede a década de 1930, papel que se estendeu durante os últimos 12 anos de governos petistas. Os críticos de Aécio Neves vão falar também sobre o seu “estilo luxuoso de vida” e, é provável, lembrarão os rumores a respeito de seu uso de cocaína – não que isso não seja comum entre a elite brasileira. Mas a principal carta que o atual governo tem na manga é que uma presidência deste candidato irá ameaçar os programas sociais que beneficiaram tantos brasileiros pobres. Frases familiares aos leitores ingleses tais como “austeridade” e “reforma da previdência” virão à tona.
O que não se sabe neste segundo turno é o que vai acontecer com os 21% do primeiro turno que votaram na Marina Silva. Embora não tenha feito nenhum pronunciamento ainda, alguns dizem que ela vai pedir a seus 22 milhões de eleitores para apoiarem Aécio Neves. Mas será que eles irão segui-la, dado que as principais figuras de seu partido devem apoiar Dilma Rousseff?
Na campanha da atual presidente, o maior ativo do PT – o ex-presidente Lula – vai, com certeza, desempenhar um papel central, compensando a carência popular da candidata à reeleição. Por fim, cerca de 27 milhões de eleitores registrados não votaram no último domingo. Será que o segundo turno irá trazê-los às urnas a daqui duas semanas? A corrida presidencial no Brasil este ano vai ser imprevisível e emocionante até o fim.
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Quase a mesma política de sempre no Brasil - Instituto Humanitas Unisinos - IHU