Por: André | 15 Setembro 2014
Ele não se resigna a perder seu posto nem seu palácio de arcebispo de Madri. O cardeal Antonio Maria Rouco Varelaencastela-se e, numa decisão sem precedentes, que está suscitando surpresa e indignação no próprio Vaticano, decidiu continuar morando no palácio episcopal da Rua San Justo, de Madri. No mesmo andar do palácio no qual viveu até agora: o piso nobre do prédio, situado no segundo andar. Foi o que comunicou aos seus vigários em uma recente reunião que teve com eles.
Fonte: http://bit.ly/1qtnZHk |
A reportagem é de José Manuel Vidal, publicada por Religión Digital, 12-09-2014. A tradução é de André Langer.
Como explicou nesse encontro, o cardeal decidiu permanecer em sua residência habitual e reformar o primeiro andar (exatamente abaixo do seu) para servir de moradia para o novo titular da arquidiocese, Carlos Osoro. Rouco continuará, pois, ocupando a parte nobre do palácio. O segundo andar é o mais vistoso, tem várias galerias e a escadaria nobre conduz diretamente até ele.
A única concessão que está disposto a fazer ao novo arcebispo é não sair para a rua pela escadaria central, para o que providenciou uma saída pela Rua da Pasa (nos fundos do palácio) através do apartamento de um dos bispos auxiliares.
O primeiro andar, no qual, até agora, só havia salas, acaba de ser reformado para servir de moradia, por ordem de Rouco, a fim de que seja colocado à disposição do novo arcebispo. Ao contrário do segundo andar ou andar nobre, o primeiro tem janelas com vistosas grades a poucos centímetros da parede e não dispõe de sacadas nem de galerias. Até por fora nota-se perfeitamente, simplesmente olhando, que o ‘chefe’ mora no segundo andar.
Dizem nos ambientes clericais madrilenses que Rouco quer dar a entender, com esta inesperada decisão, que continua mandando (em segundo plano, mas sem se retirar inteiramente) na arquidiocese. Colocando-se, inclusive fisicamente, acima do novo titular de Madri e sem abandonar sua residência de sempre. Outros garantem que sente que tem o direito de continuar em sua casa de sempre e não sair dela. Pelos serviços prestados.
Em todo o caso, a decisão de Rouco está provocando feridas tanto em Madri como em Roma, entre outras coisas, porque se trata de algo inédito na história recente da Igreja espanhola. O único caso com certo paralelismo é o do já falecido cardeal García Gasco, que continuou morando no palácio episcopal de Valência cerca de quatro ou cinco meses após a nomeação do seu sucessor para a sede valenciana, precisamente dom Osoro. Mas, passado esse tempo, mudou-se para outra residência.
Na diocese madrilense a decisão de Rouco é considerada como de “mau gosto” e, em Roma, “como um gesto de prepotência” do vice-papa espanhol. De mau gosto, porque todos os bispos que renunciaram deixaram a residência episcopal, para não dar a impressão de tutelar o seu sucessor e deixar-lhe absoluta liberdade e o campo livre. Muitos voltam inclusive aos seus lugares de origem ou mudam-se para outras dioceses. E, quando querem continuar a morar na sede que regeram, pedem permissão e contam com a anuência do novo titular.
“Ficar no palácio, em sua moradia de sempre, é um fato inédito e sem precedentes, que demonstra como procede o cardeal, que não se resigna a perder o poder e dar a passagem ao seu sucessor nomeado por Roma. Além disso, uma vez tomada a decisão, apresentou-a a dom Carlos Osoro, sabendo que este, por respeito e pela velha relação que os une, não podia negá-lo”, contam dois dos vigários que participaram da reunião na qual Rouco oficializou a decisão.
Nessa mesma reunião, o ainda cardeal de Madri também comunicou aos seus vigários que havia pedido a Osoro poder continuar a dispor do seu carro, do seu motorista, de uma secretária e das duas irmãs que cuidam dele. “E dom Carlos, muito amavelmente, concordou com tudo; comportou-se muito bem comigo”, confiou-lhes Rouco.
Em Roma, por sua vez, acreditam que o gesto de Rouco “retrata-o” e “deixa em evidência sua forma de ser e de exercer o pontificado ao estilo principesco, que tanto desagrada ao Papa Francisco”. As fontes romanas asseguram que esperam que “até a posse de Osoro, o cardeal Rouco reflita e não se encastele no palácio episcopal, como faziam alguns prelados na Idade Média”.
Com efeito, na Idade Média e inclusive no Renascimento, costumava acontecer que um bispo, protegido pelo cabildo, se encastelasse e não deixasse entrar na sede o sucessor nomeado pelo Papa. Isso aconteceu, por exemplo, em Santiago de Compostela com Berenguel de Landória.
O segundo filho dos condes de Rodez, uma das cortes mais importantes da época, é nomeado arcebispo de Compostela, em 15 de julho de 1317, aos 55 anos. Onze meses depois da nomeação, começa o caminho rumo a Santiago para tomar posse da sede da sua arquidiocese. Mas o bispo e o cabildo compostelano encastelaram-se contra ele.
Berenguel tentou quatro vezes entrar no burgo e três vezes foi rechaçado em emboscadas. Então elaborou um plano de ataque, em seu castelo de Padrón, aliando-se a outros nobres. Em 1318, entrou vitorioso na cidade, que lhe dedicou uma torre da catedral santiaguense, a Berenguela, utilizada primeiro como uma torre vigia e depois como campanário.
Como disse um vigário, “a velha Igreja de Rouco se encastela, e, com este gesto, o cardeal joga terra sobre si mesmo, porque o lógico e o habitual seria que abandonasse o palácio e, inclusive, a diocese, como fez, por exemplo, o cardeal Amigo, que abandonou Sevilha e foi morar em Madri, e como faz a maioria dos prelados”.
Fonte: http://bit.ly/1qtnZHk |
E acrescenta o clérigo madrilense: “Sem pretendê-lo, Rouco apresenta a Osoro o gesto de abandonar o palácio, como fez o Papa, e ir morar em outro lugar menos ostensivo, como o seminário ou alguma residência sacerdotal”.
Com as Irmãzinhas dos Anciãos Desamparados
De fato, fontes valencianas garantem que o arcebispo eleito de Madri, Carlos Osoro, estaria pensando em tomar essa decisão. O novo prelado madrilense despede-se dos valencianos no dia 28 de setembro e acompanhará o seu sucessor, o cardeal Cañizares, em sua posse no dia 04 de outubro. A partir de 28 de setembro começará a mudar seus livros e seus pertences pessoais para Madri.
Ao menos no momento e provisoriamente, dom Osoro se instalará na casa-lar de idosos das Irmãzinhas dos Anciãos Desamparados da Rua Lagasta, 17, muito perto do parque do Retiro. Após a sua posse, terá que decidir se fixa sua residência oficial no andar de baixo do palácio de Rouco ou se se instala no seminário ou em outra residência da Igreja madrilense. E Rouco continuará ocupando, ele sozinho, o palácio episcopal.
Osoro também terá que decidir o destino dos três bispos auxiliares de Rouco. Segundo a prática eclesial habitual, o Vaticano deveria buscar acomodar o mais rapidamente possível os três bispos. Fidel Herráez, o fiel servidor e mão direita do cardeal Rouco durante décadas, é provável que seja arcebispo de Burgos.
César Franco poderia ser nomeado bispo de Segóvia. Mas o mais complicado é encontrar um lugar para o ex-secretário-geral do episcopado, dom Martínez Camino, que, nos próximos meses, se dedicará a viajar e dar Exercícios Espirituais. O que todo o círculo clerical madrilense tem claro é que dom Osoro não se deixará tutelar e ocupará todo o espaço, sem necessidade de bispos auxiliares e, muito menos, da sombra de Rouco.
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Rouco encastela-se no palácio episcopal - Instituto Humanitas Unisinos - IHU