12 Setembro 2014
O cardeal americano Timothy Dolan está assumindo as consequências. Ele é o grande mestre de cerimônias da marcha comemorativa ao Dia de São Patrício, em Nova York, e diz não ter problemas com a decisão tomada pela comissão organizadora de permitir que gays e lésbicas marchem como grupo na parada mais antiga de homenagem a este santo nos Estados Unidos.
O evento não é um rito religioso, ainda que alguns participem dele religiosamente. É claro que a festa está associada aos católicos, especialmente em Nova York, onde o santo é o patrono da principal igreja da arquidiocese, a Catedral de São Patrício, na Quinta Avenida.
A Igreja Católica não tem interferência nem patrocina a marcha, embora os participantes passem pela catedral onde o grande mestre de cerimônias tradicionalmente cumprimenta o arcebispo local. O evento também é precedido por uma missa na catedral.
A reportagem é de Mary Ann Walsh, publicada pela revista America, 09-09-2014. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Infelizmente, muitos fiéis estão vendo problemas com a tolerância do cardeal Dolan para com o contingente de gays e lésbicas na festa. Parecem defender uma abordagem agressiva a tudo que seja considerado gay.
A situação do cardeal tipifica um dos aspectos mais nevrálgicos da Igreja na atualidade: como equilibrar posturas pastorais, políticas e doutrinárias relativas à comunidade homoafetiva. Poucos assuntos atraem tanta ira como este; estamos perante um tema visceral, como se ameaçasse a própria identidade das pessoas.
Também de forma infeliz, a Igreja tem sido afetada por este rancor por causa de posições políticas forçadas advindas pelos avanços do movimento pelos direitos dos gays. Este movimento tem provocado uma profunda polarização. Até mesmo o governo federal se recusou a defender uma definição de casamento como sendo entre um homem e uma mulher presente na Lei de Defesa do Matrimônio, legislação aprovada com apoio praticamente unânime e assinada pelo então presidente Bill Clinton em 1996. O governo deixou de defender a lei em 2011 e, dois anos mais tarde, o Supremo Tribunal considerou inconstitucional a definição.
A Igreja Católica sente a obrigação de apoiar o casamento como sendo entre um homem e uma mulher, e como um agente na praça pública ela, fortemente, defende esta posição. Esta sua posição política prende-se ao seu ensinamento sobre a natureza do casamento.
No entanto, o cardeal Dolan também tem obrigações pastorais. Muitos católicos são gays, se relacionam com gays, têm amigos gays. Esta é a realidade com a qual se deve lidar. A Comissão para o Matrimônio e a Família, da Conferência dos Bispos Católicos dos EUA, em 1997 aprovou um texto chamado “Always our Children”, que abordou a relação entre pais e seus filhos homossexuais. O texto atraiu uma oposição ferrenha de uma série de pessoas, porém esclareceu as coisas e confortou as famílias que se dividiam entre o que compreendiam ser a doutrina da Igreja e o amor natural de mães e pais pelos filhos.
Onde é que se devem traçar os limites?
Será que um homossexual pode participar nas obras de caridade, por exemplo, ao dedicar o seu tempo num sopão organizado pela Igreja? Por que não poderia? Alimentar os famintos é uma obrigação religiosa que vai além dos limites religiosos e está bem enraizado no cristianismo.
Um gay pode fazer a coleta do dízimo na missa? É um serviço, e não uma doutrina. Se não, por quê?
Um casal gay pode realizar o seu casamento na igreja? Dado que a Igreja não reconhece tal união, esta possibilidade não parece ser algo que ela possa aprovar.
Pode um gay ser acolhido numa festa em homenagem ao santo que usava um trevo para explicar o mistério da Trindade? Não há razão para dizer não. Podem grupos gays serem desrespeitosos para com a Igreja? Isso ficou provado com as “Irmãs da Perpétua Indulgência”, de San Francisco (Califórnia), grupo ativista LBGT que usa o imaginário religioso para chamar a atenção à intolerância sexual. Podem os estudantes universitários católicos beberem além da conta? Isso já ficou provado nas ruas de Nova York. O decoro nem sempre caracteriza a celebração feita no mês de março relativa a São Patrício.
A postura do cardeal Dolan sobre esta festa é uma postura pastoral: não devemos rejeitar as pessoas pelo que elas são. Se o pai de um gay ou uma lésbica perguntasse se deveria convidar ou não o seu filho para o jantar de Ação de Graças, qualquer pessoa decente iria dizer que sim. Quando se está dividido entre uma postura pastoral ou política, a compreensão básica daquilo que significa ser uma comunidade eclesial exige que a escolha pastoral seja tomada.
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Grupos gays na Festa de São Patrício em Nova York: opção pastoral do cardeal Dolan - Instituto Humanitas Unisinos - IHU