Por: Cesar Sanson | 30 Julho 2014
"O modelo de desenvolvimento proposto pelos governos dos BRICS tem se baseado na extração intensiva da natureza, na concentração do poder e da riqueza e na adaptação jurídica e política das instituições aos interesses dos grandes mercados e no agravamento das injustiças sociais e ambientais". O texto integra a Carta Final do Encontro ‘Diálogos sobre Desenvolvimento na Perspectiva dos Povos’, realizado em Fortaleza paralela a VI Cúpula dos BRICS.
Eis a Carta.
Os movimentos sociais e representantes de organizações da sociedade civil do Brasil, Rússia, India, China, África do Sul, Moçambique, Uruguai, Paraguai, Peru, Argentina, Colômbia, Estados Unidos e Alemanha e, reunidos em Fortaleza no período de 14 a 16 de julho de 2014, realizamos os Diálogos sobre Desenvolvimento na Perspectiva dos Povos. Tomando como fato político a reunião da VI Cúpula dos BRICS, cujas decisões influenciam de forma considerável a realidade dos povos do Sul, fizemos um esforço de mobilização, desde um campo crítico ao desenvolvimento proposto pelo BRICS. Visávamos fortalecer visibilidade e aproximação entre nós.
Apesar das diferenças culturais, sociais, políticas e econômicas, e das distancias geográficas entre nós, os testemunhos das populações prejudicadas pelo desenvolvimento imposto aos povos, e das organizações presentes nesses diálogos identificaram-se nas experiências das violências capitalistas, patriarcais, racistas, etnocêntricas e homofóbicas. Observamos que as históricas desigualdades podem ser mais agravadas do que enfrentadas, com a formação do bloco dos BRICS.
O modelo de desenvolvimento proposto pelos governos dos BRICS tem se baseado na extração intensiva da natureza, na concentração do poder e da riqueza e na adaptação jurídica e política das instituições aos interesses dos grandes mercados e no agravamento das injustiças sociais e ambientais. Desse modo provoca altos prejuízos às populações, como a perda e a contaminação de seus territórios (urbanos, camponeses e ancestrais) prejudicando o exercício de direitos básicos como a soberania alimentar, a saúde, a educação, o saneamento, a diversidade cultural e a participação política. Exemplos disso são os danos sociais e ambientais provocados pelas indústrias extrativistas de larga escala, como a mineração, o agronegócio e a exploração dos territórios de pesca artesanal no Brasil e na África do Sul; e os acordos e investimentos do Brasil e da China sobre Moçambique, India e África do Sul, prejudicando a vida das populações e comunidades locais.
Identificamos e repudiamos outras perversas marcas desse modelo e seus efeitos sobre o cotidiano dos povos, tais como: a exploração do corpo, da sexualidade e do trabalho das mulheres, assim como o agravamento nos índices de violência doméstica; a negação e invisibilização das comunidades prejudicadas, e a inferiorização de seus diferentes modos de vida; os privilégios concedidos pelos governos às corporações, assim como as múltiplas formas de violações de direitos humanos cometidos por elas; a exploração e negação de direitos dos trabalhadores e trabalhadoras; a militarização dos territórios; a criminalização e perseguição aos movimentos e militantes sociais; o incentivo ao consumismo exacerbado; a conivência e violências das grandes mídias, que torna cada vez mais urgentes os esforços para democratizar a comunicação.
Nos posicionamos contra os instrumentos econômicos e financeiros que repetem os modelos de dominação colonialista e estamos alertas ao Novo Banco de Desenvolvimento criado pelos países BRICS para financiar mega projetos que afetam gravemente as populações e os territórios nesses países.
Nos posicionamos contra a criminalização da orientação sexual e das identidades de gênero e o recrudescimento dos fundamentalismos religiosos nos países dos BRICS.
Repudiamos a empresa FIFA e nos solidarizamos com todas as comunidades prejudicadas pelas políticas de mega eventos esportivos. Em especial mencionamos as comunidades e grupos sociais prejudicados pela Copa 2014 no Brasil, pela de 2010 na África do Sul e, possivelmente, pela de 2018 na Rússia.
Aproveitamos nosso encontro para manifestar solidariedade e conclamar aos movimentos sociais do mundo inteiro para uma mobilização massiva em apoio ao povo da Palestina e a manifestar repúdio ao Estado de Israel e seus apoiadores no massacre a esse povo. No momento, é fundamental um cessar fogo imediato naquele conflito.
Por fim, desejamos ampliar e aprofundar nossos diálogos para a construção de uma ação articulada dos movimentos sociais e sociedades civis organizadas dos países BRICS. Fazemos, assim, um chamado à mobilização, à organização e à articulação das organizações e movimentos sociais desses e de outros países a se mover nesse sentido. Para dar concretude a esse processo as organizações e movimentos que chamaram esse momento de diálogo e estiveram presentes em nossa plenária final se comprometeram a ajudar na comunicação entre nós e a na mobilização de outros sujeitos que queiram se somar. Consideramos esse, um esforço urgente de movimentação internacional para fazer ressoar as lutas populares e as transformações rumo ao mundo que queremos e que é necessário construir.
Fortaleza, 16 de julho de 2014.
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Carta de Fortaleza - Instituto Humanitas Unisinos - IHU