Por: Cesar Sanson | 17 Julho 2014
Mais de cem organizações da sociedade civil de mais de dez países participam de Cúpula e aportam que banco não pode se resumir a instituição de fomento a megaprojetos.
A reportagem é de Camila Nobrega em artigo publicado por Canal Ibase, 16-07-2014.
Enquanto a presidente Dilma Rousseff se reunia com chefes de Estado da Rússia, China, Índia e África do Sul para a VI Cúpula dos BRICS, em Fortaleza, no Ceará, um evento reunia representantes sociedade civil dos cinco países e de pelo menos outras dez nações convidadas muito próximo dali. Se, no encontro oficial, o grande anúncio esperado era a criação do Banco dos BRICS, que foi oficializado na tarde de desta terça-feira, 16/7, com presidência da Índia e sede em Xangai, na China, na reunião paralela surge o objetivo é formar uma agenda comum, confrontando o modelo que está sendo delineado pelo novo banco. Na Cúpula paralela, o potencial que se ressalta desse grupo de cinco países é para o enfrentamento de problemas econômicos, sociais e ambientais, também calcados na dimensão política.
São muitos os relatos de violações de direitos humanos que aparecem nas falas dos representantes das entidades. Entre essas violações pode-se destacar o processo antidemocrático da Copa do Mundo no Brasil, o Programa Pró-Savana, que conta com investimento brasileiro em Moçambique, o avanço da mineração e a violação dos direitos das mulheres em vários países, como nas fábricas chinesas.
A grande pergunta que norteia o evento é “Brics para quem?” Mesmo tendo tantos desafios comuns, o grupo formado pelas cinco economias têm como principal foco o financiamento de grandes projetos. Entidades da sociedade civil fazem um alerta de que o banco pode se tornar, além de uma influência forte da China no mundo, um novo rolo compressor dos direitos humanos e civis nos países envolvidos.
“Os BRICS estão reproduzindo o que chamamos de uma captura corporativa da política. Quem será beneficiado pelo banco que será anunciado não é a população, são as grandes empresas desses países.”, disse Graciela Rodriguez, do Instituto Equit e da Rede Brasileira pela Integração dos Povos (Rebrip), uma das organizadoras do evento.
O novo banco funcionará por meio da aprovação de projetos, o que ratifica a afirmação de Rodriguez. O maior objetivo é financiar projetos de infraestrutura. Entram nessa conta empreendimentos como hidrelétricas e expansão do setor de mineração. Mas não há até o momento parâmetros definidos em termos sociais ou ambientais para a autorização desses empreendimentos, a não ser os que já existem em cada país, e que atualmente são bastante questionados. Em abril deste ano, o governo brasileiro ratificou esta informação. O capital inicial do banco será de US$ 50 bilhões, sendo US$ 40 bilhões vindos da China, que sediará a instituição, muito provavelmente na cidade de Xangai.
No âmbito dos governos, os BRICS emergem como um bloco que tem como finalidade incidir mais sobre a arquitetura financeira internacional. No entanto, na prática, de acordo com o que foi anunciado até este momento, a estrutura da instituição em nada vai alterar o modelo de desenvolvimento, que subjuga as economias dos países do hemisfério Sul às necessidades de corporações trasnacionais, como reforça a ativista moçambicana Graça Mosa, do Secretariado Internacional da Marcha Mundial de Mulheres e também membro de movimentos contra a mineração:
“Não é que o governo não saiba as necessidades da população. Ocorre que os governos estão mais preocupados em cumprir suas promessas a multinacionais. O povo tem que resistir, pois os impactos desse modelo econômico são inaceitáveis para o ambiente e para a vida da maioria das pessoas. Uma minoria é beneficiada. Essas informações só não são difundidas, pois a comunicação também está nas mãos de grandes corporações.”
Para Graça Mosa, um dos principais desafios das entidades da sociedade civil é buscar meios próprios de fazer a comunicação em rede. A diretora do Ibase Moema Miranda também ressaltou que, em nível global, os parâmetros adotados pelo bloco dos BRICS, refletidos no novo banco, mantêm os países do Sul como exportadores de commodities e recursos minerais: “A continuidade do modelo extrativista é algo que nos conecta e, logo, muitos impactos também nos são comuns. No Brasil, tivemos um boom da mineração nos últimos anos. Creio que, neste momento, é importante ultrapassarmos fragmentações dentro dos movimentos, para lutarmos por pontos comuns. A extração de recursos naturais é feita numa lógica internacional que também será apoiada pelo banco dos BRICS, a nossa resistência também precisa se fortalecer globalmente.”
Para a representante da Assembleia das Mulheres Rurais, da África, Mercia Adams, é necessário que os movimentos se unam para apontar os principais responsáveis por impactos devastadores na sociedade. “Hora de darmos nomes aos bois.” Ela apontou a Copa do Mundo como algo que une a África do Sul e o Brasil. Segundo Adams, ambos os países enfrentaram o paradoxo de assistir à construção de estádios e infraestrutura voltada diretamente para o evento, e não de acordo com as prioridades da população.
“Se o governo constrói para a Fifa, por que não faz o mesmo pela população? Cadê hospitais? Na África do Sul, por exemplo, os sistemas de transporte são muito pequenos. Para chegarmos ao Malawí, levamos sete, oito dias. Por que a gente tem que ver essa contradição e se calar? O dinheiro é público, vem do mesmo lugar, é claro. A lógica que os chefes de Estado estão construindo para os BRICS é a mesma.”
Ainda na tarde desta terça-feira, as entidades farão um ato de crítica à Cúpula dos BRICS. O trajeto será pela Arena Castelão, onde foram realizados os jogos da Copa do Mundo.
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Em Fortaleza, entidades criticam Banco dos BRICS - Instituto Humanitas Unisinos - IHU