Por: Cesar Sanson | 29 Julho 2014
"A maior prova de que caminhamos para o fascismo é a linguagem dos fascistas, conscientes ou não. Eles exultam com a prisão de pessoas inocentes e se refestelam com o falso discurso contra ricos, classe média e tudo o mais". O comentário é de Lincoln Secco, professor de História Contemporânea da Faculdade de Filosofia, Ciências Humanas e Letras da USP, em artigo publicado por Viomundo, 28-07-2014.
Eis o artigo.
Rafael Braga Vieira, de 25 anos, foi preso no dia 20 de junho de 2013, no Rio de Janeiro, durante os protestos que sacudiram o Brasil naquele ano. Ele não adotava tática black bloc. Ele não pertence a uma organização anarquista. Não possui amigos influentes que o defendam, pois é morador de rua.
Não se ouviu o Ministro da Injustiça dizer que o inquérito foi forjado. É que até para se lembrar de um acusado é preciso que ele seja bem nascido, com nível superior, preferencialmente branco e com uma rede de amigos solidários. A grande imprensa e seus áulicos preferiram fazer uma novela de baixa qualidade para acusar “pessoas mais interessantes” como Sininho, Camila e seus “seguidores”. Sem esquecer que aquelas ativistas são igualmente vítimas da desinformação midiática e da mentalidade fascista de muitos policiais.
Aliás, pessoas como o Ministro e outros políticos graúdos não se solidarizaram nem mesmo com os condenados do seu partido. Se não ajudam aos amigos, o que dizer dos outros? Mas veremos muita gente (de Direita ou não) escrever que Rafael é terrorista ou que não devia estar ali, já que nada tinha a ver com protestos. Como se protestar também fosse crime. Bem, Rafael morava ali… Na rua.
A língua da direita
Uma série de articulistas, tradutores, professores de Filosofia, jornalistas, celebridades (ou candidatos a), disputa um mercado de Direita. Os anos do PT no poder unificaram a linguagem (na verdade, vitupérios) de corruptos reais contra a “corrupção”.
Foi assim que surgiram pérolas como o livro (sic) “Lula minha Anta”. Achincalhar Lula se tornou um esporte nacional. Mas isso não é uma novidade. O baixo calão imperava na imprensa do I Reinado. E durante o Governo Eleito de Getúlio Vargas bastava ler o jornalista Carlos Lacerda para encontrar as figuras de linguagem do humor negro… Mas só uns poucos eleitos escreviam.
O que a internet trouxe, ao lado de muitos bons poetas e escritores iniciantes, é a exposição sem moderação de indivíduos que antes ficavam esquecidos nos quartos de seus preconceitos. Sua expressão dura alguns segundos, felizmente, mas exala o odor fétido da língua simplificada do fascismo. Tais atitudes fizeram com que os Sites políticos ficassem em guetos sem que o debate democrático florescesse. As pessoas só elogiam seus iguais e falam mal dos diferentes.
A violação da língua pelas massas virtuais
Todavia, órgãos de esquerda também não estão livres disso. Em todos os lugares virtuais em que é possível expressar ódio com a confortável mediação de um computador ou sob o anonimato os argumentos fenecem e sobram os adjetivos. Pessoas ditas de esquerda apoiam com palavras covardes as ações policiais de perseguição política simplesmente porque atingem seus “adversários”. Assim, nomes como Sininho, Fabio Hideki, Celso Lusvarghi, Camila Jourdan e tantas outras são comparadas a terroristas por neopetistas e tucanos recém-casados.
Em desrespeito, diga-se de passagem, à própria posição oficial do PT, que se solidarizou com os presos e as presas.
Algumas pessoas simplesmente desqualificam até quem os defende. Utilizam termos como “idiotice”. Perguntam-se “Quem esse sujeito pensa que é?”. Repetem: “Deixe de dizer bobagem”; “Masturbação sociológica”. E usam o sinal interrogativo e as aspas diante da profissão de um comentarista.
Humor
Recorrem ao humor negro com a desfaçatez dos racistas. O humor negro é o que o nome diz: humor contra os negros. Felizmente, Rafael não acessa a internet e não lerá tais insultos que sempre ouviu cara a cara. Afinal, ele é negro. E alguns de nós sabemos o que isso significa. Recentemente, um dos jornalistas convertidos ao neolulismo, tentou ridicularizar a militante Sininho. Mas do alto de seu poder midiático ele não percebeu o quanto era baixo para seus leitores mais sérios…
Certa vez, no Instituto Goethe, em São Paulo, Sergio Paulo Rouanet fazia uma conferência. De repente foi interrompido asperamente por um ouvinte que reclamava para o humor um caráter libertário universal. Rouanet ouviu, pensou e replicou: não era libertário o riso das massas nazistas diante das piadas de Hitler.
Decerto, há humor libertário. É aquele que ridiculariza a opressão e não os oprimidos. Mas em geral este humor é produzido gratuitamente pela própria Direita. A professora Camila Jourdan disse a um aluno: “Não esqueça os livros”. Na conversa grampeada (!) pela PM a conclusão só pode ser que ela se referia de modo cifrado a bombas. A literatura fantástica de baixa qualidade, como ela mesma disse, impera entre os néscios da repressão.
Receita
Junte uns livros de Bakunin como provas, o nome do delegado que conduz o inquérito contra os ativistas sociais e um ou dois namorados traídos que “denunciaram” seus desafetos. Acrescente canetas, livros e avaliações semestrais da conversa da professora Camila Jourdan e teremos uma bela piada. Tudo bem que não tão engraçada. Em tempo: o delegado tem o nome de Thiers, o carrasco da Comuna de Paris.
Fascismo
A maior prova de que caminhamos para o fascismo é a linguagem dos fascistas, conscientes ou não. Eles exultam com a prisão de pessoas inocentes e se refestelam com o falso discurso contra ricos, classe média e tudo o mais… O fascismo em suas muitas formas históricas tem uma característica imprescindível: ele não se impõe sem o acordo prévio das massas em defesa da Ordem. Mesmo que tal Ordem se volte contra elas próprias.
Alguns (vide reportagem insultuosa da Globo News) já acusam militantes de ter torcido contra a seleção brasileira. Acredito que nem precisarão das velhas tradições da esquerda para chegar ao “nacional-socialismo”. Irão adiante sem o socialismo mesmo.
Diante desses heróis de teclado e alcaguetes virtuais é melhor escolher bem as palavras.
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“Único condenado pelos protestos de 2013 é morador de rua” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU