10 Julho 2014
Esses assédios não têm nada a ver com desejo; tem a ver, sim, com poder e com uma cultura machista. Assédio e estupro não fazem parte de conduta sexual e isso deve ficar claro de uma vez por todas. Se não há consentimento, não é sexo, é abuso", escreve Clara Averbuck, escritora, em artigo publicado por CartaCapital, 04-07-2014.
Eis o artigo.
Comprar a ideia do vagão separado é partir do pressuposto de que o problema é a mulher e que ela é quem deve ser segregada, enquanto os assediadores ficam soltos por aí.
Os deputados estaduais de São Paulo aprovaram o projeto de lei que prevê a criação de um vagão exclusivo para mulheres. O deputado Jorge Caruso, do PMDB, acredita que esses vagões ajudarão a evitar o assédio sexual que ocorre nos horários de pico. O Metrô e a CPTM, assim como nós, não aprovam a ideia e, procurados pelo jornal Folha de São Paulo, declararam considerar que a criação dos vagões “infringe o direito de igualdade entre gêneros à livre mobilidade”.
Resta agora esperar que o governador Geraldo Alckmin vete esse projeto.
Comprar a ideia do vagão separado é partir do pressuposto de que o problema é a mulher e que ela é quem deve ser segregada, enquanto os assediadores ficam soltos por aí. É legitimar que ela é quem provoca o assédio. É dizer que os homens são animais incapazes de civilidade, incapazes de respeito, incapazes de controle.
Esses assédios não têm nada a ver com desejo; tem a ver, sim, com poder e com uma cultura machista. Assédio e estupro não fazem parte de conduta sexual e isso deve ficar claro de uma vez por todas. Se não há consentimento, não é sexo, é abuso.
Além do mais, devo frisar: os assediadores do transporte público não são doentes. Eles fazem parte dos homens que aprenderam, ao longo de sua vida, que podem tocar o corpo de uma mulher sem consentimento, e que continuarão fazendo isso fora dos vagões, na rua, em todos os lugares, inclusive em lugares considerados seguros – 77% dos estupros são cometidos por conhecidos da vítima. O vagão não resolve sequer uma parte do problema. E se a mulher estiver no vagão “dos homens” e for assediada, então a culpa será dela? E se ela estiver em outro lugar, a culpa vai ser da roupa? E se ela estiver toda coberta, a culpa vai ser do horário? Não. A culpa nunca é da vítima e não é segregando que se protege.
Seguindo essa lógica do vagão, a culpa sempre será da mulher, pois já que homem é homem e tem instintos, não é responsável por seus próprios atos. É nisso que vocês acreditam? Que o homem é um animal incapaz de se controlar e que a mulher é culpada? E então, sendo o homem um animal incapaz, ele deve ficar livre para cometer atrocidades enquanto as suas vítimas são isoladas dele? A culpa nunca é da vítima. Nunca. Nunca.
Sem esquecer do constrangimento que as mulheres trans estariam sujeitas por esses vagões, correndo o risco de alguém “decidir” que elas não são mulheres.
Outra falha no discurso de quem acredita no vagão exclusivo é dizer que a mulher deve se preservar usando roupas “decentes”, usando como exemplo que não se deve deixar um carro aberto na rua ou um laptop largado por aí; pois bem, amigos, nossos corpos não são posses. Mulheres não são coisas, são pessoas. Nossos corpos são nossos corpos e devem ser respeitados sem exceção.
E só pra finalizar: no Rio de Janeiro há essa política do vagões e, adivinha? Não funciona. Os homens utilizam o vagão destinados às mulheres e as mulheres frequentemente precisam usar os vagões “normais”, porque afinal, somos muitas. Quantos vagões desses pretendem fazer? Somos 51,5% da população brasileira, não cabemos em um vagãozinho.
Não queremos políticas públicas que limitem nossos espaços. Punição para quem assedia e liberdade para as mulheres é o que queremos. Não é segregando que se protege.
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Vagão para mulheres: segregar não é proteger - Instituto Humanitas Unisinos - IHU