05 Julho 2014
A homossexualidade agiu como um "para-raios" na luta pelo poder entre evangélicos e liberais pela dominância na Igreja da Inglaterra, de acordo com Justin Welby, arcebispo de Canterbury.
O artigo é de Ruth Gledhill, publicada no sítio Christian Today, 28-06-2014. A tradução é de Claudia Sbardelotto.
Algumas das citações foram retiradas pelo biógrafo Andrew Atherstone de uma conversa gravada uma década atrás, quando o arcebispo era um cônego na catedral de Coventry, mas que só foram divulgadas recentemente. Outras vêm de um discurso mais antigo em uma conferência do New Wine[1]. De acordo com a biografia, o futuro arcebispo perguntou: "Como podemos dar a volta ao mundo e tentar falar sobre reconciliação (...) quando não a vivemos em nossa própria comunidade?".
Alguns na catedral não queriam convidar os evangélicos para fazer pregações, "porque eles são versões europeias homofóbicas do Talibã", diz Welby em uma nova biografia que foi publicada na semana passada. Outros recusavam os liberais "porque eles não pregam o evangelho".
Welby era da opinião de que "nós vamos ter que assumir alguns riscos, se a comunidade da catedral quiser encontrar um ponto seguro para trabalhar as suas questões de uma forma reconciliada, e não conflitante".
Na gravação da conversa, ele tornou clara a sua própria posição de que "a prática sexual é para o casamento, e o casamento é entre homem e mulher, e essa é a posição bíblica". Tal ponto de vista foi pastoralmente difícil, ele admitiu, "mas é o que a Bíblia diz".
O arcebispo Welby foi cônego na catedral de Coventry, um pioneiro no trabalho de reconciliação e resolução de conflitos, de 2002 a 2007.
O registro exclusivo foi de uma "conversa compartilhada" em 2004 entre o arcebispo Welby e o cônego Adrian Daffern, seu amigo e, posteriormente, liturgista da catedral de Coventry.
Os detalhes foram publicados pela primeira vez essa semana, na mais nova biografia de Welby, "Archbishop Justin Welby: Risk-taker and Reconciler", escrita por Andrew Atherstone.
De acordo com Atherstone, o debate modela a "livre e amigável" troca de opiniões que o arcebispo tem em mente ao mesmo tempo em que um novo estudo da Igreja da Inglaterra sobre como lidar com o conflito sobre sexualidade é publicado em antecedência ao Sínodo Geral do próximo mês em York.
A gravação só veio à tona durante a redação da nova biografia. Atherstone admite que o arcebispo diz algumas "coisas notáveis".
Ela aconteceu logo após o Dr. Jeffrey John, um defensor aberto da bênção de uniões entre pessoas do mesmo sexo, ter sido nomeado como o novo bispo de Reading em maio de 2003. Ele foi forçado, naquela ocasião, pelo então arcebispo de Canterbury, Rowan Williams, a se demitir após protestos de evangélicos.
Atherstone escreve: "O caso de Jeffrey John de 2003 agitou a catedral, onde um número significativo da congregação era gay. A nomeação foi recebida com furor. Choveram cartas de protesto, bispos renunciaram, e a imprensa secular tinha do que falar. Após sete semanas de crescente pressão de todos os lados da Comunhão Anglicana e em meio a recriminações mútuas, John foi forçado por seu amigo, o arcebispo Rowan Williams, a retirar a sua aceitação do cargo".
Na gravação, o arcebispo Welby diz que a questão do certo e do errado no caso Jeffrey John "importa enormemente (...) a verdade é essencial".
No entanto, ele ficou perturbado com a maneira em que a nomeação de John como bispo foi debatida pela Igreja: "A discussão pública feita nas colunas do Times, do Telegraph e pela BBC não ajudaram o evangelismo (...) Eu não estou dizendo que a questão não é importante, apenas que essa não é a maneira certa de fazê-la".
Ele disse que, seja o que for que as pessoas pensem sobre os princípios em jogo, "não pode estar certo que a imprensa secular seja uma substituta para o diálogo entre os cristãos, uma intermediária maliciosa que torna a nossa comunicação com outras pessoas que seguem a Cristo mais difícil e não mais fácil".
A "conversa aberta" ocorreu durante um culto de domingo à noite, em janeiro de 2004.
O futuro arcebispo disse que, em sua antiga paróquia de Southam, ele tinha pregado apenas uma vez sobre sexo em sete anos, "por isso não é uma obsessão (...) A Igreja pode realmente falar sobre qualquer outra coisa? (...) Há uma abundância de outros pecados que têm importância (...) Há uma série de questões graves que, nas palavras do Novo Testamento, destroem o Espírito Santo de Deus, que nós tendemos a ignorar".
Falando do ponto de vista de "uma tradição evangélica", a questão-chave para Welby era a autoridade das Escrituras. Ele reconheceu que, por vezes, a Igreja tinha sido cativa de visões não cristãs, tentando defender, tolamente, a escravidão ou o apartheid a partir da Bíblia, por exemplo. No entanto, ele observou que, nos grandes períodos de renovação da história cristã, o chamado era sempre de ir "de volta à Bíblia".
Ele disse: "A Bíblia é realmente clara ao dizer que a prática homossexual não é permitida, é contra a vontade de Deus".
Daffern deu o exemplo de um casal gay, amigos a quem ele havia introduzido um ao outro, um deles um clérigo anglicano em uma paróquia no sul de Londres, que era "acima de qualquer dúvida, abençoado por Deus, um notável ministro, com uma igreja próspera, com coisas incríveis acontecendo com os jovens e com a comunidade, e com um compromisso apaixonado com a evangelização, com o evangelho de Jesus, e todavia eles são gays".
O cônego Welby não estava convencido com esse argumento de fecundidade e respondeu que estava cada vez mais consciente de que, "se o sucesso do meu ministério dependesse do meu próprio bom comportamento, eu seria um fracasso total e completo do começo ao fim, e nada teria acontecido em nenhum momento, em meu ministério. O fato é que a graça de Deus trabalha apesar da falha humana e que, portanto, parece-me que olhar para um ministério e falar 'isso é muito bem-sucedido' diz-nos coisas maravilhosas sobre a graça de Deus, mas não necessariamente coisas maravilhosas sobre os ministros - pode sim, muito frequentemente, mas não necessariamente. Daí não se segue que, por causa do ministério ser um sucesso, os ministros sejam bons".
De acordo com Atherstone, isso foi o inverso de seu subsequente aforismo polêmico como arcebispo de Canterbury, em que ele afirmou que "onde você tem um bom vigário você encontrará igrejas em crescimento". Um bom vigário pode significar uma igreja em crescimento, mas, de acordo com o cônego Welby, uma igreja em crescimento não significa, necessariamente, um bom vigário.
Ele continuou: "Pastoralmente, eu adoraria dizer: 'está tudo bem' (...) Eu conheço casais cristãos gays que eu respeito enormemente por sua espiritualidade, e de muitas maneiras considero pessoas infinitamente melhores do que eu - mas o que eu também descobri na minha vida desde que eu me tornei um cristão, apesar de algumas falhas reais bem terríveis, é que Deus sabe melhor (...) Deus fala através das Escrituras, e se nós seguimos o que a Escritura diz, ela fala sobre o melhor amor que existe. E embora constantemente não consigamos fazer isso, se em qualquer ponto dizemos: 'Bem, nesta área específica, na verdade, por causa de entendimentos mais recentes ou seja o que for, vamos fazer algo diferente', pastoralmente, não importando o que sentimos, por mais difícil que seja - e eu não posso começar a descrever como é difícil dizer isso -, por mais difícil que seja, estaremos decepcionando as pessoas com as quais estamos lidando pastoralmente, porque Deus sabe melhor, e a Escritura, afinal, é clara".
Ele falou não só da dor das pessoas homossexuais dentro da comunidade da catedral de Coventry, mas também da dor experimentada pelos anglicanos conservadores na África. Por exemplo, ele tinha participado de uma ordenação na Nigéria, no verão de 2003, na qual o bispo descrevia os desdobramentos que estavam acontecendo com os anglicanos na América do Norte e no Reino Unido. O cônego Welby lembrava: "Eu nunca tinha escutado 2.000 pessoas gemendo de dor antes. Foi um choque". Falando à sua própria congregação na catedral, concluiu: "Eu vejo e sinto a dor de meus companheiros e membros desta comunidade. Mas eu retorno para o fato de que eu acredito do fundo do meu coração que o que a Bíblia diz é verdade (...) o sexo genital entre pessoas do mesmo sexo não é permitido pela Escritura".
O cônego Daffern disse: "É uma coisa maravilhosa nesta catedral que tenhamos uma equipe de clérigos que são entusiasmados pelo seu amor a Jesus e pelo seu desejo de ver este lugar vivo para Deus. Porém, dentro da equipe, temos nossas diferenças em algumas questões. E acho que isso nos faz mais fortes e não mais fracos, porque permanecemos juntos, oramos juntos, estudamos as Escrituras juntos, nós nos amamos (...) É incrível o que Deus está fazendo em nossas vidas".
Nota:
[1] New Wine: movimento de estilo carismático pertencente à Igreja Anglicana na Inglaterra
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Justin Welby: A homossexualidade era um ''para-raios'' na luta pelo poder entre evangélicos e liberais - Instituto Humanitas Unisinos - IHU