30 Junho 2014
Os católicos que não seguem o ensinamento da Igreja devem ser tratados com misericórdia, mas, ao mesmo tempo, precisam ser mais bem formados sobre o seu conteúdo, afirma um novo documento divulgado nessa quinta-feira, em preparação para o Sínodo de outubro sobre a família.
A reportagem é de Christopher Lamb, publicada na revista The Tablet, 26-06-2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O Instrumentum laboris – um documento de trabalho para o Sínodo dos bispos – recolheu as respostas das conferências episcopais de todo o mundo às questões sobre temas como a comunhão para os casais divorciados em segunda união e para os casais do mesmo sexo.
O extenso documento, divulgado pelo Vaticano, reforça fortemente o ensino da Igreja sobre matrimônio e sexualidade.
As esperanças tinham se elevado no sentido de que o próximo Sínodo poderia levar a um desenvolvimento do ensino da Igreja, incluindo, por exemplo, a permissão da comunhão aos divorciados em segunda união. Mas esse documento, que servirá de base para a discussão dos bispos quando eles se encontrarem, sugere que, embora a abordagem será pastoral, o ensino da Igreja não mudará necessariamente e, ao contrário, precisa ser mais bem articulado.
Ele parece particularmente preocupado que a família está sob pressão a partir de uma grande variedade de ângulos. No Ocidente, eles são listados como hedonismo, relativismo, individualismo, transitoriedade e o desejo pela gratificação imediata, enquanto na África e em partes da Ásia são citados a poligamia e o divórcio quando uma mulher é incapaz de ter filhos. O documento também faz frequentes referências críticas à "teoria de gênero", a ideia de que gênero é um construto social, como outra ameaça ao casamento.
Ao mesmo tempo, o documento mostra uma sensibilidade aos constrangimentos financeiros – incluindo a falta de moradia adequada – que levam casais jovens a adiarem o casamento e convida a Igreja a desenvolver programas pastorais para ajudar as pessoas que se encontram em casamentos irregulares e para acolher os filhos dos gay casais.
Ele diz que falta o conhecimento do ensino da Igreja sobre o casamento entre os católicos, e que alguns clérigos se sentem despreparados para explicar o ensino sobre sexualidade, enquanto outros expressam indiferença.
Essa ignorância é especialmente evidente quando se trata da lei natural, a base filosófica do ensino da Igreja sobre matrimônio e sexualidade. Muito poucos católicos demonstraram uma compreensão do conceito, e alguns acreditam que "natural" significa "o que vem naturalmente". Também se aponta que, na evolução do Ocidente, a biologia e a neurociência argumentam que a lei natural não é "científica".
Sobre as seguintes questões polêmicas da Igreja, o documento afirma o seguinte:
Comunhão para divorciados em segunda união
Um grande número de casais divorciados em segunda união simplesmente desconhecem a sua união irregular, diz o documento, enquanto que aqueles que estão conscientes "sentem-se frustrados e marginalizados", devido ao fato de serem incapazes de receber a comunhão.
"Alguns perguntam-se por que motivo outros pecados são perdoados e este não", afirma-se. "Ou então, por que os religiosos e os sacerdotes que receberam a dispensa dos seus votos e dos ônus presbiterais podem celebrar o matrimônio, receber a comunhão, e os divorciados recasados não."
Mas o documento afirma que essas questões "põem em evidência a necessidade de uma formação e informação oportunas" .
Ao mesmo tempo, porém, o tom é pastoral com um pedido das hierarquias locais para que a Igreja possa "exercer uma misericórdia, clemência e indulgência mais amplas em relação às novas uniões" .
E continua: "Com grande misericórdia, a Igreja é chamada a encontrar formas de 'companhia' com as quais apoiar estes seus filhos num percurso de reconciliação. Com compreensão e paciência, é importante explicar que a impossibilidade de aceder aos sacramentos não significa ser excluídos da vida cristã e da relação com Deus".
Além disso, o documento envolve um consenso entre os bispos de que é preciso tornar o processo de anulação mais fácil e eficiente.
Casais do mesmo sexo
Não há nenhum indício de uma mudança na aceitação das uniões civis gays a partir de uma citação usada de um documento de 2003 que explica a oposição da Igreja a elas, escrito pelo então cardeal Joseph Ratzinger, quando ele era prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé.
As conferências episcopais, no entanto, dizem que estão tentando encontrar uma atitude "respeitosa e não julgadora" diante dos casais gays, embora o documento aponte que não há consenso.
Ele salienta que os casais gays devem receber apoio como é "exigido de qualquer outro casal" quando procuram o batismo para o seu filho. Os filhos dos homossexuais também devem ser acolhidos "com a mesma atenção, ternura e solicitude que recebem os outros filhos."
Contracepção
O documento afirma que a grande maioria das pessoas não tem conhecimento dos "aspectos positivos" da Humanae vitae – a encíclica de Paulo VI que reitera a proibição da contracepção artificial.
"Na grande maioria das respostas recebidas evidencia-se como a avaliação moral dos diferentes métodos de regulação dos nascimentos é hoje entendida pela mentalidade comum como uma ingerência na vida íntima do casal e como um limite para a autonomia da consciência", explica-se.
Também se diz que os casais não costumam considerar o uso da contracepção como um pecado e como uma questão para a confissão (o oposto, no entanto, vale em relação ao aborto).
A Humanae vitae, conclui o documento, deve ser mais conhecida nos cursos de preparação para o casamento.
Finalmente, como sinal de esperança, o documento aponta para o desejo continuado entre os jovens de se casarem e de começarem uma família.
Esse "revela-se como um verdadeiro sinal dos tempos, que pede para ser aproveitado como ocasião pastoral", afirma.
A Assembleia Geral Extraordinária do Sínodo dos Bispos sobre o tema "Desafios pastorais da família no contexto da evangelização" ocorre nos dias 5 a 19 de outubro e contará com a presença dos presidentes das conferências episcopais de todo o mundo. Uma Assembleia Geral Ordinária, com um maior número de bispos e participantes, ocorrerá um ano depois.
Nota da IHU On-Line: A íntegra do documento pode ser lida, em português, aqui.
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Documento vaticano sobre família pede misericórdia e melhor formação para católicos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU