05 Junho 2014
Aqui estão algumas primeiras notas sobre a Mensagem do Papa Francisco para o 48º Dia Mundial das Comunicações Sociais.
A análise é do teólogo jesuíta Antonio Spadaro, diretor da revista La Civiltà Cattolica, em artigo publicado no sítio CyberTeologia. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
A Mensagem do Papa Francisco para o Dia Mundial das Comunicações Sociais tem como título "Comunicação a serviço de uma autêntica cultura do encontro". O texto afirma alguns pontos centrais do modo próprio do Papa Francisco de viver e compreender a capacidade do homem de comunicar de maneira autêntica.
Colocando-se em continuidade com as mensagens de Bento XVI, escritas para a mesma ocasião, ele expressa também um profundo amadurecimento da consciência da Igreja sobre as questões que dizem respeito à comunicação no tempo das redes digitais.
Elenco aqui seis pontos centrais dessa mensagem...
1. A internet expressa a "profecia" de um mundo novo
O Papa Francisco inicia o seu discurso com uma espécie de contemplação do mundo em que vivemos. O mundo está se tornando um lugar menor, e nós estamos cada vez mais perto uns dos outros. Os meus amigos nas redes sociais, além do fato de viverem no Brasil ou na Itália, na Índia ou na Austrália, estão sempre à distância de um clique. Estamos todos mais conectados e interdependentes. Mas essa comunicação global não é suficiente para superar as divisões. Ao contrário: o mundo, hoje unido pelas redes, vive o paradoxo de ser dividido. Por isso, para o papa, a cultura da comunicação não pode conviver com a do descarte; essas duas culturas continuam sendo antitéticas.
As redes que nos unem e nos conectam devem nos levar à visão de um mundo diferente daquele cheio de divisões, que temos pela frente. Trata-se de uma espécie de apelo para que a gift culture, a cultura do dom, seja o centro para o qual as trocas convirjam, em uma rede na qual a partilha dos recursos seja cada vez mais fácil e espontânea (open source, creative commons...).
A rede, portanto, pode contribuir para moldar uma mentalidade de partilha aberta. Em certo sentido, portanto, a internet expressa a "profecia" de um mundo novo, porque pode oferecer maiores possibilidades de encontro e de solidariedade. Justamente aqui entra em jogo a "proximidade": as mídias podem nos ajudar a ter um senso de solidariedade e o desejo de lutar pelos direitos humanos, despertando a nossa consciência a respeito, contra a lógica do "descarte".
2. Internet: uma rede de pessoas, não de fios
A rede não é um mero conjunto de materiais e instrumentos elétricos e eletrônicos: "A rede digital pode ser um lugar rico de humanidade: não uma rede de fios, mas de pessoas humanas", escreve o papa. A rede, em suma, não é como a rede hidráulica, ou a do gás. Ao contrário, é verdade que a nossa vida já é uma rede, mesmo sem os computadores, os tablets e os smartphones.
No entanto, essas tecnologias da comunicação podem potencializar e ajudar a viver a nossa experiência de vida como rede; portanto, se elas não fossem capazes de nos levar a uma maior acolhida recíproca, ou de fazer amadurecer a nossa humanidade pessoal e a nossa compreensão recíproca, não responderiam à sua vocação. Porque, se a comunicação não nos torna mais "próximos" uns aos outros, se não nos faz viver a proximidade, então ela não responde à sua vocação humana e cristã.
O Papa Francisco escreve claramente: "A internet pode oferecer maiores possibilidades de encontro e de solidariedade entre todos; e isto é uma coisa boa, é um dom de Deus". O papa parece ler na rede o sinal de um dom e de uma vocação da humanidade a estar unida, conectada. Revive, graças às novas tecnologias da comunicação, "o desafio de descobrir e transmitir a 'mística' de viver juntos, misturar-nos, encontrar-nos, dar o braço, apoiar-nos, participar nesta maré um pouco caótica que pode transformar-se numa verdadeira experiência de fraternidade, numa caravana solidária, numa peregrinação sagrada" (Evangelii gaudium, n. 87).
3. Quem é o meu "próximo" no ambiente digital? "As redes de proximidade"
Dado que a rede é uma rede de pessoas, todas as perguntas na internet e, em geral, na comunicação podem ser remetidas à única pergunta evangélica: "Quem é o meu próximo?" (Lc 10,29). É preciso compreender bem como o significado de "próximo" evolui precisamente por causa da rede, que derruba as barreiras do espaço e do tempo. Como se manifesta o estar próximo no novo ambiente criado pelas tecnologias digitais?
O Papa Francisco, falando aos comunicadores em 2002, tinha escolhido a parábola do Bom Samaritano, como imagem de referência do comunicador. O conceito de comunicação de que ele fala se centra não na mensagem nem, muito menos, nas técnicas, mas nas pessoas que comunicam. Comunicar, portanto, significa compartilhar uma mensagem dentro de redes de proximidade; significa envolver-se, testemunhar o que se comunica, encarregando-se de quem está ao redor. Significa tocar a outra pessoa, estando conscientes do contato. Significa, em suma, tomar consciência do significado substancial dos ser homens e filhos de Deus.
É verdade, por outro lado, que hoje a comunicação tende à manipulação e ao consumismo, agride como os bandidos que reduziram ao fim da vida o homem socorrido pelo bom samaritano. É a sensação que sentimos, muitas vezes, quando somos alvejados por rajadas de imagens sedutoras ou deprimentes. O bom samaritano hoje passa não só pelas ruas de cidades e vilarejos, mas também pelas "estradas" digitais.
A rede, portanto, também pode ser entendida como uma peculiar "periferia existencial", repleta de uma humanidade que busca uma salvação ou uma esperança.
4. Uma Igreja "acidentada", mas de portas abertas também em rede
Portanto, se nos perguntássemos por que, em última análise, a Igreja e os cristãos devem estar presentes no ambiente digital, a resposta seria simples: porque a Igreja é chamada a estar onde os homens estão. E hoje os homens vivem também no ambiente digital. A comunidade eclesial não pode, portanto, se isentar desse novo chamado, justamente por causa da sua vocação missionária fundamental: "Tenho-o repetido já diversas vezes: entre uma Igreja acidentada que sai pela estrada e uma Igreja doente de autorreferencialidade, não hesito em preferir a primeira. E quando falo de estrada penso nas estradas do mundo onde as pessoas vivem: é lá que as podemos, efetiva e afetivamente, alcançar. Entre estas estradas estão também as digitais".
Se o papa fala muitas vezes de uma Igreja de portas abertas, na sua mensagem para o Dia Mundial das Comunicações, ele afirma claramente que abrir as portas das Igrejas também significa abri-las no ambiente digital.
5. Por uma comunicação não de "massa", mas "popular"
O papa, propondo a imagem do bom samaritano, na realidade, propõe uma imagem da comunicação que remove a onipresença mediadora do mercado. A comunicação não é marketing persuasivo, muito menos expressão do mercado, mas instância fundamental do ser humano, que reconhece a si mesmo no momento em que se aproxima dos outros. Para o papa, ela tende a coincidir com a proximidade.
Por isso, no seu âmbito, é preciso "saber discernir e conseguir desmascarar a presença de interesses políticos e econômicos". Como dito anteriormente, um dos objetivos da comunicação midiática é, ao contrário, dar voz a quem não a tem, "tornar visíveis rostos de outra forma invisíveis".
Daí decorre uma radical distinção entre a comunicação e a cultura de massa e a comunicação e a cultura popular, que deveria ser mais aprofundada.
6. Diálogo e relação entre Ecclesia e Ágora
O papa concluiu a sua mensagem com um apelo: estamos diante não de problemas da informação, mas sim de um grande e apaixonante desafio, que requer energias renovadas e uma imaginação nova. "Não tenhais medo de vos fazerdes cidadãos do ambiente digital", escreve Francisco.
O termo não é novo, mas sabemos bem que o termo "cidadão" tem um significado relevante para ele. Ele escrevera há muito tempo que ser cidadão significa ser "convocado para se associar em vista do bem comum", de um projeto comum. As novas tecnologias digitais deram origem a um verdadeiro espaço social novo, cujos laços são capazes de influenciar a sociedade e a cultura.
Por isso, o papa levanta o tema da relação entre ecclesia e ágora, que deve ser remodulado continuamente em vários níveis. A comunicação digital é um nível hoje muito sensível. O objetivo continua sendo o bem comum.
O papa traz no coração o diálogo cotidiano com todos aqueles que estão ao nosso redor, o diálogo da partilha prática. A atitude necessária para esse tipo de diálogo é, para o papa, "estar convencido de que o outro tem algo de bom para dizer, dar espaço ao seu ponto de vista, às suas propostas".
Tudo o que é "ideia" pessoal, opinião, adesão partidária ou tradição, linguagem, modo de fazer não pode ser considerado um absoluto, escreve o Papa Francisco. Bento XVI já dissera (discurso à Cúria, 21-12-2012) que, para dialogar, é preciso "aprender a aceitar o outro no seu ser e pensar de modo diferente". Essa é a premissa para um diálogo autêntico.
Os esforços de compreensão, assim, se tornam um processo em que, mediante a escuta do outro, ambas as partes podem encontrar purificação e enriquecimento. Mesmo quando as escolhas de fundo não devem ser mudadas – a fé, por exemplo - esses esforços têm "o significado de passos comuns rumo à única verdade" (ibid.). Portanto, escreve o Papa Francisco, é necessário "saber se inserir no diálogo com os homens e mulheres de hoje, para compreender os seus anseios, dúvidas, esperanças".
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Seis pontos centrais da mensagem do papa sobre a comunicação. Artigo de Antonio Spadaro - Instituto Humanitas Unisinos - IHU