Por: Cesar Sanson | 22 Mai 2014
“Para os que lutam por um Brasil livre de Usinas Nucleares, a primeira quinzena de maio foi pródiga em más notícias, mas também em informações impressionantes”. O comentário é de Chico Whitaker em artigo publicado por Canal Ibase, 21-05-2014.
Segundo ele, "a Declaração da CNBB sobre a Questão Agrária, aprovada em sua Assembleia Geral de 2014, surpreendentemente não fez nenhuma referência às usinas nucleares, nos parágrafos sobre o meio ambiente e a energia (156 e 157). O que é sem dúvida desanimador, porque desde 2012 a insanidade das usinas nucleares vem sendo denunciada a várias instâncias da CNBB (inclusive, longamente, em sua Assembleia do ano passado)".
Eis o artigo.
O Presidente Evo Morales anunciou orgulhosamente que enfim a Bolívia começará a usar a energia atômica. Graças ao apoio da indústria nuclear argentina, pouco preocupada com os problemas que essa tecnologia cria… “Para fins pacíficos”, diz evidentemente o Presidente. Só que a produção de eletricidade é também um fim pacífico, ou seja, não está excluída a construção de usinas nucleares na Bolívia.
Um projeto de lei na Câmara dos Deputados determinava que não fosse construída mais nenhuma usina nuclear no país enquanto não se resolvesse a questão do depósito definitivo de rejeitos radioativos. O parecer do relator na Comissão de Ciência e Tecnologia foi negativo e o projeto foi arquivado (há decisões de Comissões que são “terminativas”, isto é, terminam a tramitação dos projetos). Numa demonstração cabal de que a desinformação sobre o nuclear é um mal que atinge também nossos representantes políticos, a Comissão engoliu o incrível argumento usado pelo relator: países com muito mais usinas ainda não têm depósitos definitivos; por que teríamos nós que parar de construir usinas por não ter depósitos? E pensar que, não fosse a coincidência com a votação do Código Florestal, esse deputado teria participado da comitiva que visitou Chernobyl no ano passado…
Foi derrotada por 465 votos a 110, no Parlamento da Alemanha, uma proposição apresentada pelo Partido Verde desse país, para que ele encerrasse seus acordos nucleares com o Brasil e com a Índia – já que, se não quer o nuclear, a Alemanha não poderia, “moralmente”, apoiá-lo em outros países… O acordo com o Brasil, feito em 1975 pelos militares e totalmente obsoleto, já foi prorrogado tacitamente quatro vezes e corre o risco de o ser pela quinta vez, por mais 5 anos, em 19 de novembro de 2015…
Mas, como se essas notícias não bastassem, a empresa russa Rosatom, sedenta de negócios de construção de usinas em países pouco explorados pela tecnologia nuclear, anunciou que está instalando no Rio de Janeiro um escritório para a América Latina …
Por outro lado o Ministério Público Federal constatou, junto com o Tribunal de Contas da União, que está se esgotando a capacidade do armazenamento chamado provisório de rejeitos radioativos nas usinas de Angra 1 e 2 (“representando riscos à vida da população”), o que poderá levar até à interrupção de seu funcionamento em mais dois ou três anos. Mas a Eletronuclear afirma que “tem total controle da gestão dos rejeitos” e mantem bloqueada, judicialmente, uma sentença da Justiça Federal de um ano atrás para que se enfrente adequadamente esse problema. Nem convém falar do que nos espera com Angra 3…
E para coroar essa má onda, a Declaração da CNBB sobre a Questão Agrária, aprovada em sua Assembleia Geral de 2014, surpreendentemente não fez nenhuma referência às usinas nucleares, nos parágrafos sobre o meio ambiente e a energia (156 e 157). O que é sem dúvida desanimador, porque desde 2012 a insanidade das usinas nucleares vem sendo denunciada a várias instâncias da CNBB (inclusive, longamente, em sua Assembleia do ano passado). É certo que poderia ter sido “cavada”, nessa Declaração da Assembleia, no bom estilo político tradicional, pelo menos uma pequena frase não comprometedora, como por exemplo:
“cuidemos para não cair no que parece ser a armadilha da energia nuclear” … Mas foi melhor assim: seria um falso posicionamento. A ausência total de menção ao tema nas discussões, ao se tratar especificamente da energia, demonstra claramente que o assunto está ainda muito distante das preocupações dos Bispos, assessores, sacerdotes, religiosos e leigos que participaram da Assembleia…
O que fazer? A angustia não nos deixa outra alternativa senão insistir…
Menos mal que pelo menos um jornal publicou, também em maio, uma entrevista com um ex-Ministro do Meio Ambiente da Alemanha, que disse sem rodeios: nenhuma usina nuclear é segura . Ele já tinha estado no Brasil em 2004, quando negociou o encerramento do acordo nuclear Brasil Alemanha de 1975, já referido acima. Nossa Ministra do Meio Ambiente de então, Marina Silva, o apoiava. Mas não pensavam da mesma forma o Ministério de Economia da Alemanha nem nossa então Ministra das Minas e Energia, Dilma Rousseff…
Na entrevista lhe foi perguntado o que achava desse Acordo. Sua resposta: É nostalgia, deveria virar história. Não respondeu tão diretamente a outra pergunta: Aqui não há debate sobre se o país precisa ou não de nuclear. Como esse debate pode começar? Mas temos que fazer a nós mesmos essa pergunta. E completar: começar e recomeçar, muitas vezes…
E ainda bem que foram publicadas (sempre em maio) duas matérias extremamente elucidativas – e impressionantes – para alimentar a luta contra a desinformação. A primeira sobre a construção de um novo “sarcófago” para conter a radioatividade que recomeçou a vazar em Chernobyl (“Enterrando Chernobyl”, na Folha de São Paulo republicando o New York Times de 13 de maio de 2014 – ver www.mundosustentavel.com.br); a segunda sobre os custos da desmontagem das usinas nucleares na Alemanha (“Empresas querem empurrar a conta de usinas nucleares para o governo alemão” – jornal Der Spiegel de 19 de maio de 2014, ver www.xonuclear.net). Essas matérias calam toda e qualquer insistência em dizer que energia nuclear é barata.
Diz-se que a esperança é a última que morre. Mas bom mesmo será acreditar que nunca morrerá. Pelo menos segundo a visão de Deus, pelo que nos conta o poeta francês Charles Péguy em seu belo poema sobre a segunda virtude :
“A fé de que eu mais gosto, diz Deus, é a esperança.
A fé não me impressiona.
Ela não causa espanto. (…)
A caridade, diz Deus, não me impressiona.
Ela não causa espanto. (…)
Mas a esperança, diz Deus, eis algo que me impressiona.
A mim mesmo.
Ela é espantosa. (…)
O que me espanta, diz Deus, é a esperança.
E não consigo me recobrar desse espanto.
Essa pequena esperança que tem ar de não ser nada.
Essa pequena menina esperança.
Imortal.”
É certamente essa esperança que explica o anuncio, no último dia dessa quinzena de maus ventos, do Fórum Social Temático sobre Energia, a se realizar em agosto em Brasília. Aí se discutirão não somente as usinas nucleares mas todo o sistema de produção de energia no Brasil, contrapondo por exemplo, entre outras opções, as mega hidro-elétricas à produção descentralizada de eletricidade com fonte solar ou eólica (www.fst-energia.org).
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Péssimas notícias para os que lutam por um Brasil livre de Usinas Nucleares - Instituto Humanitas Unisinos - IHU