21 Mai 2014
Francisco pediu aos bispos italianos para não confiarem na "abundância de recursos e estruturas", nas "estratégias organizativas". Ele voltou a falar do carreirismo, citado desta vez como "ambição que gera correntes, panelinhas e sectarismo". Faz um apelo à unidade do episcopado e, ao mesmo tempo, espera que haja na Conferência dos Bispos da Itália (CEI) real liberdade de discussão e de expressão. Ele convidou os bispos a serem "simples no estilo de vida, destacados, pobres e misericordiosos" para "poder estar perto das pessoas". E indicou três prioridades: família, trabalho e imigrantes.
A reportagem é de Andrea Tornielli, publicada no sítio Vatican Insider, 19-05-2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
É a primeira "prolusão" do novo papa à Assembleia Geral da CEI, durante a qual se discutirá a mudança dos seus estatutos referentes ao modo de designar o presidente: uma novidade absoluta, já que, no passado, o discurso papal era previsto na fase final dos trabalhos, sempre abertos pelo cardeal presidente.
Já no ano passado, o discurso tinha sido surpreendente, mas pouco compreendido. Hoje, depois de muitos encontros pessoais e visitas "in loco", o Papa Bergoglio oferece "algumas reflexões para se revisitar o ministério" dos bispos, para que ele seja sempre conforme ao Evangelho. Indo assim ao encontro "daqueles que se perguntam quais são as expectativas do bispo de Roma sobre o episcopado italiano".
No início, improvisando, Francisco disse que a única mensagem é o que Jesus diz a Pedro: "Segue-me!". "É preciso seguir Jesus." Depois acrescenta: "Um jornal deu os nomes da presidência da CEI dizendo: este é um homem do papa, este não é um homem do papa. Gostaria de dizer-lhes que todos são homens do papa! A nossa linguagem é comunal, não política. Às vezes, a imprensa inventa".
Na primeira parte do seu discurso, Francisco não hesitou em fazer perguntas capitais aos bispos: "Quem é Jesus Cristo para mim? Como ele marcou a verdade da minha história? O que a minha vida diz d'Ele?". O papa lembrou que, "sem oração assídua, o pastor está exposto ao perigo de se envergonhar do Evangelho, acabando por neutralizar o escândalo da cruz na sabedoria mundana".
E enumera uma série de "tentações" para a vida do bispo: "Vão desde a tepidez, que acaba na mediocridade, à busca de um viver tranquilo, que se esquiva de renúncias e sacrifício. Tentação é a pressa pastoral, assim como a sua irmã de criação, aquela apatia que leva à intolerância, quase como se tudo fosse apenas um fardo".
"Tentação é – continua Francisco – a presunção daqueles que se iludem que podem contar apenas com as próprias forças, com a abundância de recursos e de estruturas, com as estratégias organizativas que sabe colocar em campo." E o papa sabe que está falando com uma das conferências episcopais mais estruturadas, que pode contar com notáveis recursos econômicos.
"Tentação é – acrescenta – acomodar-se na tristeza, que, enquanto apaga toda expectativa e criatividade, nos deixa insatisfeitos e, portanto, incapazes de entrar na vivência da nossa gente e de compreendê-la à luz da manhã de Páscoa."
"Irmãos, se nos afastamos de Jesus Cristo, se o encontro com Ele perde o seu frescor – adverte Francisco – acabamos por tocar com a mão apenas a esterilidade das nossas palavras e das nossas iniciativas. Porque os planos pastorais são úteis, mas a nossa confiança está posta em outr lugar: no Espírito do Senhor, que – na medida da nossa docilidade – nos escancara continuamente os horizontes da missão".
Por isso, o papa convida a voltar "ao essencial" da fé, à relação viva com Deus, que é "metro de liberdade do juízo do chamado 'senso comum'". "Não nos cansemos, portanto, de buscar o Senhor" e de "deixar-se buscar por Ele".
Na segunda parte do seu discurso, o papa perguntou aos bispos: "Que imagem eu tenho da Igreja, da minha comunidade eclesial? Sinto-me filho dela, além de pastor? Sei agradecer a Deus por ela acima ou capto apenas os seus atrasos, defeitos e falhas? Quanto estou disposto a sofrer por ela?".
Ele explica que a missão do pastor "requer um coração despojado de todo interesse mundano, distante da vaidade e da discórdia; um coração acolhedor, capaz de sentir com os outros e também de considerá-los mais dignos do que a si mesmos".
Depois, Francisco, com as palavras de Paulo VI, lembrou que o serviço à unidade é "questão vital para a Igreja". "A falta ou mesmo a pobreza de comunhão é o maior escândalo, a heresia que deturpa o rosto do Senhor e dilacera a sua Igreja. Nada justifica a divisão: é melhor ceder, melhor renunciar – dispostos às vezes até a tomar sobre si a prova de uma injustiça – em vez de rasgar a túnica e escandalizar o povo santo de Deus".
Por isso, os pastores devem "fugir de tentações que de outra forma nos desfiguram: a gestão personalista do tempo, quase como se pudesse haver um bem-estar independentemente do das nossas comunidades; as fofocas, as meias-verdades que se tornam mentiras, a ladainha das queixas que trai desilusões íntimas; a dureza de quem se julga juiz sem se envolver". Mas Francisco não se esquece, no lado oposto, também "do laxismo daqueles que aquiescem sem se encarregar do outro".
O papa citou depois, sem rodeios, uma das chagas que infelizmente caracterizam a vida eclesial: "O roer-se de ciúme, a cegueira induzida pela inveja, a ambição que gera correntes, panelinhas e sectarismos: como o céu está vazio daqueles que estão obcecados por si mesmos...".
Também falou do "retrocesso que vai buscar nas formas do passado as seguranças perdidas; e a pretensão daqueles que gostariam de defender a unidade negando a diversidade, humilhando assim os dons com que Deus continua tornando a sua Igreja jovem e bela".
Em relação a essas tentações, explicou o papa, "justamente a experiência eclesial é o antídoto mais eficaz. Ela emana da única Eucaristia, cuja força de coesão gera fraternidade, possibilidade de se acolher, se perdoar e caminhar juntos".
Francisco, com uma indicação significativa também em relação às experiências da CEI, salienta a necessidade de "participação e colegialidade", de "diálogo, na busca e no esforço do pensar juntos". E aplica também à vida da CEI as expressões usadas por Paulo VI para definir o Concílio, indicando, como "nota dominante", a "livre e ampla possibilidade de investigação, de discussão e de expressão. Isso é importante em uma assembleia: que cada um diga o que sente, isso ajuda...".
O papa convidou a CEI a ser "espaço vital de comunhão a serviço da unidade, na valorização das dioceses, mesmo das mais pequenas. Começando pelas conferências regionais".
Em outra passagem, Francisco pediu que os bispos estejam perto dos seus padres: "Façam com que, no coração de vocês, eles possam se sentir sempre em casa". "Peçam aos consagrados, aos religiosos e às religiosas – acrescenta – que seja testemunhas alegres: não se pode narrar Jesus choramingando; ainda mais que, quando perdemos a alegria, acabamos por ler a realidade, a história e a própria vida sob uma luz distorcida".
Por isso, o papa convidou os pastores a serem totalmente dedicados às pessoas e às comunidades. "Ouçam o rebanho. Confiem no seu senso de fé e de Igreja, que também se manifesta em tantas formas de piedade popular. Tenham confiança que o povo santo de Deus tem o pulso para identificar os caminhos certos."
Também foi particularmente significativo o convite a acompanhar "com largueza o crescimento de uma corresponsabilidade laical; reconheçam espaços de pensamento, de planejamento e de ação às mulheres e aos jovens: com as suas intuições e a sua ajuda, vocês conseguirão não se atrasar ainda em uma pastoral de conservação – de fato, genérica, dispersiva, fragmentada e pouco influente – para assumir, em vez, uma pastoral que enfatize o essencial".
Na terceira parte do seu discurso, Francisco pediu que os bispos verifiquem a correspondência da sua ação no mundo com as palavras de Jesus relatadas no capítulo 25 do Evangelho de Mateus: "Tive fome... tive sede... era estrangeiro... estava na prisão". "Temo o juízo de Deus? Por consequência, gasto-me para espalhar com amplitude de coração a semente do bom grão de trigo no campo do mundo?".
Aqui, o papa fala de outras tentações, como a "distinção que às vezes aceitamos em fazer entre 'os nossos' e 'os outros'; nos encerramentos de quem está convencido de já ter o suficiente dos próprios problemas, sem ter que se preocupar também com a injustiça que é causa daqueles outros; na espera estéril de quem não sai do próprio recinto e não atravessa a praça, mas fica sentado aos pés da torre, deixando que o mundo siga pelo seu caminho".
Ao contrário, é necessário, acrescenta Francisco, "viver descentrados em relação a si mesmos, voltados ao encontro, que é também o caminho para reencontrar verdadeiramente o que somos: anunciadores da verdade de Cristo e da Sua misericórdia".
Verdade e misericórdia, explica o papa, citando Bento XVI, nunca devem ser separados, porque, "sem verdade, o amor se resolve em uma caixa vazia, que cada um enche a seu próprio critério": e "um cristianismo de caridade sem verdade pode facilmente ser confundido com uma reserva de bons sentimentos, úteis para a convivência social, marginais".
Aos bispos, Francisco pede "a eloquência dos gestos", pede que sejam "simples no estilo de vida, destacados, pobres e misericordiosos, para caminhar rapidamente e não interpor nada entre vocês e os outros. Sejam interiormente livres, para poder ser próximos das pessoas, atentos para aprender a sua língua, para se aproximar de cada um com caridade, ficando ao lado das pessoas ao longo das noites das suas solidões, das suas preocupações e dos seus fracassos: acompanhem-nas, até aquecer o seu coração e provocá-las assim a empreender um caminho de sentido, que restitua dignidade, esperança e fecundidade à vida".
"A nós, olha o povo fiel, o povo nos olha", dissera Francisco no início, improvisando. "Lembro-me do filme I bambini ci guardano para ser ajudado a compreender o próprio cotidiano".
Por fim, Francisco indica três "lugares" em que a presença dos bispos parece ser "mais necessária e significativa – e em relação as quais um excesso de prudência condenaria à irrelevância". O primeiro é a família, hoje "seriamente penalizada por uma cultura que privilegia os direitos individuais e transmite uma lógica do provisório. Sejam uma voz convicta daquela que é a primeira célula de toda sociedade. Testemunhem a centralidade e a beleza. Promovam a vida do nascituro, assim como a dos idosos. Apoiem os pais no difícil e entusiasmante caminho educativo. E não se esqueçam de se curvar com a compaixão do samaritano a quem está ferido nos afetos e vê comprometido o próprio projeto de vida".
Um segundo "espaço" que hoje "não se pode desertar é a sala de espera lotada de desempregados, pensionistas, trabalhadores precários, onde o drama de quem não sabe como levar o pão para casa se encontra com o de quem não sabe como levar a empresa para a frente. É uma emergência histórica, que interpela a responsabilidade social de todos: como Igreja, ajudemos a não ceder ao catastrofismo e à resignação, apoiando com todas as formas de solidariedade criativa o esforço daqueles que, com o trabalho, se setem privados até da dignidade".
"Por fim – conclui o papa – o bote que deve ser lançado é o abraço acolhedor aos migrantes: eles fogem da intolerância, da perseguição, da falta de futuro. Que ninguém volte o olhar para o outro lado".
Mais em geral, acrescenta, "que as difíceis situações vividas por muitos dos nossos contemporâneos nos encontrem atentos e partícipes, prontos para rediscutir um modelo de desenvolvimento que explora a criação, sacrifica as pessoas no altar do lucro e cria novas formas de marginalização e de exclusão. A necessidade de um novo humanismo é gritado por uma sociedade desprovida de esperança, abalada em tantas das suas certezas fundamentais, empobrecida por uma crise que, mais do que econômica, é cultural, moral e espiritual".
A íntegra do discurso, em italiano, pode ser lida aqui.
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Papa aos bispos italianos: ''Não confiem na abundância de recursos e estruturas'' - Instituto Humanitas Unisinos - IHU